Maria Alice de Carvalho – Redação Universidade à Esquerda – 30/05/2022
O governo Jair Bolsonaro (PL) anunciou na última sexta-feira (27) um corte de R$3,2 bilhões no orçamento do Ministério da Educação (MEC) e R$2,9 bilhões do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). A medida afetará todas as Universidades e Institutos Federais do país, bem como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
O corte representa um bloqueio linear de 14,5% no orçamento discricionário do MEC e unidades vinculadas, que já somavam R$22,2 bilhões. Um total de 16 Universidades Federais terão que cancelar despesas já contratadas para o ano de 2022, uma vez que os cortes já devem ser sentidos no segundo semestre deste ano.
Dentre as Universidade mais afetadas estão a Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O corte faz parte da política adotada desde a aprovação da Emenda Constitucional 95 (EC 95) em 2016, mais conhecida como EC do Teto de Gastos, regra fiscal que limita as despesas em Educação, Saúde e Assistência Social. Enquanto o governo destina verba para Emendas Parlamentares e acordos em ano de eleição para seguir no cargo, a educação paga o pato em detrimento de atender ao Teto de Gastos.
O ministro da economia Paulo Guedes e sua equipe já haviam anunciado neste mês de maio um corte total de R$8,2 bilhões no Orçamento da União. Mas o total será ainda maior, acumulando quase R$14 bilhões.
Nas Universidade e Institutos Federais o impacto será duro, afetando todas as áreas dessas instituições. Os cortes serão sentidos desde o custeio das instituições, como em limpeza e segurança, até nas atividades fins, como ensino, pesquisa e extensão. Os cortes de bolsas serão ainda maiores e a infraestrutura mais afetada.
As Universidades Federais, após o início do retorno presencial, já sentem os efeitos dos cortes que vêm sendo aplicados de forma dura e articulada pelo menos desde 2015, uma política de Estado que vem passando governo após governo. Além da precarização do trabalho de docentes, técnicos e trabalhadores terceirizados, as universidades estão caindo. As comunidades universitárias operam hoje com riscos de incêndios, com mofos, paredes desabando e algumas estruturas sem eletricidade e sem água, para não citar todos os problemas enfrentados. E a situação só deve ficar ainda mais delicada.
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Após o anúncio dos cortes, a UFMG se pronunciou publicamente contrária a medida e apontando como a instituição sentirá essa política:
“Na UFMG, o orçamento previsto para o ano de 2022 já era inadequado, sendo 7,43% menor do que o de 2020 e semelhante ao executado no ano de 2008 […]. O contingenciamento anunciado, aplicado sobre as verbas de uso discricionário da instituição, corresponde a uma redução de R$ 32 milhões, que, se mantido, comprometerá o funcionamento e a manutenção da universidade, com forte impacto nas ações de ensino, pesquisa e extensão, além da assistência estudantil, inviabilizando o apoio a estudantes mais necessitados […].” diz a nota.
A UnB também se pronunciou em crítica aos cortes orçamentários. A instituição em sua nota aponta a perda de R$36,6 milhões que seriam utilizados para pagamento de serviços básicos como água, luz e outros. A UnB já comprometeu 99,7% de seu orçamento discricionário. Além de atingir a infraestrutura, a nota aponta os impactos que serão sentidos no que tange à permanência estudantil.
É importante apontar que o retorno presencial não tem sido fácil para os estudantes, tanto de graduação quanto de pós-graduação. Com a crise que se enfrenta no país há uma grande parte de estudantes que tem sido obrigada a desistir do sonho da universidade por não ter condições de arcar com moradia e alimentação nas cidades, sobretudo nas capitais. As universidade tão pouco têm conseguido dar conta disso, uma vez que as políticas de permanência são extremamente insuficientes; não foram poucas as notícias que circularam nacionalmente de problemas nos Restaurantes Universitários que demoraram para retornar após a pandemia e que tiveram seus preços reajustados. Quanto à moradia, a maioria das universidades é capaz de alocar uma porcentagem muito baixa de estudantes em suas estruturas, e os auxílios não dão conta da especulação imobiliária que se enfrenta nas cidades.
Na pós-graduação a situação com cortes progressivos de bolsas é lamentável. Há uma parcela muito grande de pesquisadores com grande interesse e desejo de retornar presencialmente e de se dedicar exclusivamente às atividades de pesquisa, mas que sem bolsa se torna quase que impossível para a ampla maioria. E com mais esse novo corte orçamentário, a tendência é que a situação apenas piore.
Na UFRJ, parte da comunidade universitária se reuniu na tarde de hoje (30) no Campus Fundão em ato. A UFRJ no ano passado já havia anunciado o risco de fechar sua estrutura por falta de verba. O ato contou também com um debate sobre o papel da ciência e tecnologia para reconstrução do Rio de Janeiro e de como esses cortes no orçamento podem interromper atividades e projetos já em curso.
De acordo com o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), que também criticou publicamente a política, os cortes irão comprometer as atividades de 38 Institutos Federais (IFs) que já funcionam sem orçamento suficiente. A entidade afirma que, se somado com as Universidades Federais, o contingenciamento passa de R$1 bilhão.
“Atividades essenciais de ensino, pesquisa e extensão, visitas técnicas e insumos de laboratórios serão cortadas dos estudantes”, diz o Conselho em nota.
O cenário nacional das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) é catastrófico e o Estado segue aplicando, ano após ano, a política de desmantelamento dessas instituições públicas. Enquanto isso, o ensino superior privado segue crescendo e lucrando às custas do fundo público. É urgente que as comunidades debatam e se organizem para disputar politicamente o sentido do ensino superior no Brasil.