[Notícia] USP: implementação da política de Ensino Remoto não Emergencial 

Foto: Montagem UàE/Originais: Banco de dados fotos USP e Pixabay

Como resultado, há precarização da formação discente e descaracterização do trabalho docente

Flora Gomes Publicado originalmente no Universidade à Esquerda – 05/07/2021

Os dilemas enfrentados pelo país durante a pandemia de Covid-19 e a crise econômica que atravessamos representaram para as universidades públicas o avanço de projetos que estavam há anos sendo pautados pelos capitais de ensino. Na Universidade de São Paulo (USP), uma das principais do país, o Conselho Universitário (CO) vem discutindo a implementação do ensino híbrido desde a instauração das aulas remotas no início de 2020. O reitor da instituição, Vahan Agopyan, vem defendendo este modelo como uma forma de “modernização dos cursos”. 

Desde junho de 2020, o CO vem tensionando a implementação do ensino semipresencial da USP. Um Grupo de Trabalho de Reformulação Curricular foi instaurado com estímulo da reitoria para promover a transformação de algumas disciplinas em modelo híbrido. 

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A Pró-Reitoria de Graduação vem insistindo nesta pauta e busca o consenso da comunidade acadêmica por meio da formulação de projetos de incentivo, como o “Novos Currículos para um Novo Tempo” e o “Consórcios Acadêmicos para a Excelência do Ensino de Graduação”. Este primeiro, conforme apontamos neste jornal, tem como objetivo realizar reformas curriculares visando “promover a modernização das estruturas curriculares buscando incorporar de forma estruturada aprendizados recentes em modelos de ensino híbrido e outras metodologias”. Chama a atenção que este teve seu edital prorrogado e dispõe de até R$ 150 mil para financiar reformas curriculares. As mudanças estão previstas para serem implementadas a partir de 2022. 

Já o segundo busca “apoiar projetos que contemplem atividades e inovações e/ou modelos a partir de experiências inovadoras de ensino”. A proposta foca no aspecto formativo e ideológico do quadro docente para adequação ao modelo semipresencial de ensino. Neste, foram selecionadas 45 propostas com previsão orçamentária de R$ 120 para cada. 

Ambos exercem o papel de ir implementando aos poucos a transformação do que hoje entende-se por ensino e formação universitária. 

Antonio Carlos Hernandes, vice-reitor da instituição, defendeu este modelo anti-pedagógico e, em nota, afirmou que houve um aprendizado por parte da administração universitária durante o ensino remoto: “com o que se aprendeu é de se esperar que teremos, mesmo após a pandemia, aulas presenciais e não-presenciais”. 

Para os ideólogos do modelo híbrido, a vantagem apresentada pelas tecnologias seria de possibilitar “metodologias ativas”, pressupondo menor passividade do aluno, Nesta, o maior trabalho do estudante seria fora da sala de aula. Evidencia-se com isso, que para além da transformação formativa no corpo estudantil, há um projeto ligado também aos professores. Estes, teriam seu papel descaracterizado.

Não à toa, alguns membros da USP têm defendido o ensino híbrido como saída à crise orçamentária das universidades públicas que afetam, dentre inúmeras questões, o quadro dos professores. Segundo Clarissa Gagliardi, professora do curso de Turismo da universidade, a proposta de reformulação curricular visa suprir a demanda de professor por meio da substituição destes por videoaulas. 

Além do curso de Turismo, cursos da Faculdade de Medicina e da Faculdade de Odontologia também passarão por reformulações completas. A fim de driblar as críticas sobre o caráter excludente deste modelo, há expectativa na continuidade do fornecimento de auxílio internet e de equipamentos. 

Para o presidente da Associação de Docentes da USP (Adusp), Rodrigo Ricupero, o modelo visaria liberar professores dos encargos com ensino para poder se dedicar às pesquisas e melhorar a posição da universidade nos rankings. Ou seja, além de defender que seria secundário o papel dos professores na relação ensino-aprendizagem, a Adusp defende que o trabalho universitário deve voltar-se para atender demandas de produtividade que se traduzem nos rankings das universidades. É bastante preocupante que o trabalho do professor na mediação dos conteúdos em sala de aula seja deixado de lado. Na prática, isso significa uma precarização da formação discente e descaracterização do trabalho docente. 

Algumas unidades de ensino montaram estúdios de produção de videoaulas para incentivar e adaptar os professores. O Laboratório de Aprendizagem e Ensino (LAE), ligado à Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA), oferece suporte para elaboração de videoaulas. No site,  o caráter redutor deste modelo de ensino fica explícito. Há a sugestão da produção de vídeos de 15 a 20 minutos para substituições de aulas presenciais. Contudo, uma aula na universidade costuma ter o padrão de 50 minutos. 

A Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto já realizava debates curriculares para implementação do EaD há pelo menos três anos. O projeto oportunamente avançou durante a pandemia. A Unidade será contemplada com a reforma curricular ligada ao edital “Novos Currículos para um Novo Tempo” e irá transformar 20% das matérias multidisciplinares em modelo híbrido. Também serão convertidas ao modelo de EaD cinco ou seis disciplinas da faculdade. 

Este projeto no interior das universidades públicas não é novidade. Na USP, desde a gestão de Marco Antonio Zago (2014-2017) a reformulação curricular vem sendo pautada. Contudo, esta ganhou novos contornos após a expansão das tecnologias a distância durante o Ensino Remoto, chamado, a princípio, de emergencial. 

O uso de tecnologias da informação para transformar o ensino presencial em Ensino a Distância (EaD) ou semipresencial se apresentam como propostas das classes dominantes por duas razões. Primeiro, reduz o espaço crítico proporcionado pela vivência universitária a telas de computadores ou similares, arruinando a formação dos estudantes e substituindo o trabalho docente por reproduções audiovisuais. Por outro, ainda permite a expansão dos grandes capitais ligados às tecnologias – e seu projeto pedagógico inerente – no interior do ensino público em geral. 

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