Flora Gomes – Redação UàE – 08/06/2020
Publicado originalmente em Universidade à Esquerda.
Com o estopim gerado pelo brutal assassinato de George Floyd pelas mãos da violenta polícia norte americana dia 27 de maio, diversas manifestações têm eclodido pelo mundo questionando o aparato repressor da polícia e o caráter estrutural do racismo. No Brasil, o movimento “Vidas Negras Importam” também ganhou força social. Ontem (7), as manifestações de caráter antirracista e antifascista foram marcadas também pela oposição da classe trabalhadora frente ao Governo Bolsonaro.
Ainda que os trabalhadores já estivessem expressando indignação contra as terríveis condições de vida durante a pandemia, como o fizeram grupos de trabalhadores de aplicativos e motoboys, os atos pró-democracia iniciados no domingo (31), em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, expressaram a expansão a nível nacional da indignação popular nas ruas. Ontem, foram ao menos 11 capitais em manifestações contra o atual governo.
A convocação dos atos que ocorreram ontem já foi marcada pelas contradições do período peculiar no qual os trabalhadores se encontram. Falas públicas, como a do cantor Emicida e do sociólogo Luis Eduardo Soares, ressoaram ao longo da semana expressando receio com a possibilidade de recrudescimento da violência, bem como o rompimento do isolamento social .
Os chamados foram feitos por partidos de esquerda, como Partido Comunista Brasileiro (PCB) , Unidade Popular (UP) e algumas correntes do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), além de grupos anarquistas, coletivos negros e grupos independentes.
Já o Partido dos Trabalhadores (PT) carregou algumas divergências internas quanto às convocações do ato. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) esteve presente em alguns dos atos mas não convocou massivamente a população.
Parte do PT manifestou-se contrário aos atos do último domingo. Jaques Wagner, vice-líder do PT no Senado, assinou carta junto com senadores de centro-direita, como Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Eliziane Gama (Cidadania-MA), Weverton Rocha (PDT-MA), Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB) e Otto Alencar (PSD-BA), reivindicando adiamento dos protestos alegando “o bem da população” e o “respeito às famílias vítimas de coronavírus”. A justificativa seria a possibilidade de disseminação do novo coronavírus durantes os atos, bem como o aumento da repressão no país:
“Nosso pedido parte da avaliação de que, não tendo o país ainda superado a pandemia, que agora avança em direção ao Brasil profundo, saindo das capitais e agravando nos interiores, precisamos redobrar os cuidados sanitários e ampliar a comunicação com a sociedade em prol do distanciamento social (…) Ademais, observando a escalada autoritária do governo federal, devemos preservar a vida e segurança dos brasileiros, não dando ao governo aquilo que ele exatamente deseja, o ambiente para atitudes arbitrárias.”
Muitos dos trabalhadores sequer puderam exercer o direito ao isolamento seguro desde o início da pandemia, já que o país está marcado pelo elevado índice de informalidade laboral. Ademais, o cenário brasileiro está marcado pela completa ausência de políticas de renda mínima para além do auxílio emergencial, que, além de representar apenas 57% do salário mínimo, é pago com atrasos e exclui quantidade significativa de trabalhadores que cumpririam os requisitos para aquisição. Além disso, o Governo Bolsonaro tem expressado ameaças de violência mesmo diante da miséria cotidiana dos trabalhadores.
No Ceará, o governador Camilo Santana (PT) declarou ser absolutamente contra os atos devido a possibilidade de disseminação do novo coronavírus. Em contrapartida, Santana manteve a indústria aberta mesmo durante o período de lockdown, não impediu demissões ou garantiu renda aos trabalhadores não essenciais para que estes pudessem realizar isolamento. Além disso, não foram disponibilizados Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) suficientes aos trabalhadores da saúde. O Ceará foi um dos primeiros estados brasileiros a manifestar colapso do sistema de saúde devido a pandemia.
A política contraditória do Governador marcou as ruas da capital cearense no último domingo. Em Fortaleza, apesar de o ato estar marcado com concentração na Praça Portugal, os manifestantes foram impedidos de chegar ao local devido a presença massiva de policiais. Antes de iniciar o ato, sete pessoas foram detidas sob pretexto de rompimento do decreto de isolamento social em vigor no estado e pelo uso de substâncias ilícitas. Uma mulher foi presa por desacato à autoridade e os demais responderão a Termos Circunstanciados de Ocorrências (TCOs).No momento da ofensiva policial, moradores dos prédios dos arredores gritavam palavras de apoio e aplaudiram manifestantes. O ato ocorreu em caminhada à Praia de Iracema.
Em Manaus, as ruas já haviam sido tomadas por trabalhadores em defesa da democracia na última terça (2). No sábado (6), em resposta, um grupo de bolsonaristas realizou a “Patriótica Pró-Bolsonaro”. No domingo (7), os manifestantes foram novamente às ruas para pautar a luta antirracista e pelos direitos dos povos indígenas.
Os atos percorreram a Avenida Itaúba, no bairro Jorge Teixeira, Zona Leste de Manaus. Segundo a organização do ato, convocado pelo Fórum de Juventude Negra do Amazonas e diversos coletivos como a União de Negros e Negras pela Igualdade (UNEGRO), a escolha do local foi orientada pela alta concentração da população negra da capital no bairro, constante alvo de violência policial. Além disso, os presentes pautavam indignação contra as fraudes ao sistema de cotas raciais nas universidades do norte do país.
Na capital paraense a repressão policial marcou presença ostensiva. Antes do início do ato, marcado para ocorrer no Mercado São Brás, região central de Belém, a Polícia Militar prendeu arbitrariamente 60 manifestantes sob pretexto de “aglomeração”. Ao final do dia, foram totalizadas 112 pessoas detidas. A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do estado informou que agiu para cumprir o decreto emitido pelo governador Helder Barbalho (MDB), que proíbe aglomerações com mais de dez pessoas.
Marcado para ocorrer em frente ao Shopping da Bahia, no ato de Salvador estiveram presentes coletivos como o Reação Antifascista Salvador (Rantifas) e grupos de torcidas antifascistas de times de futebol. Segundo os organizadores, a manifestação foi motivada pela onda de protestos antirracistas iniciados após o assassinato de George Floyd e pela oposição ao Governo Bolsonaro.
No Distrito Federal o ato estava marcado para iniciar em frente à Biblioteca Nacional para seguir em Marcha em direção à Esplanada dos Ministérios. Brasília estava sendo palco de diversos protestos pró-governo nas últimas semanas, contando com a presença assídua do atual presidente, inclusive em atos contra o Supremo Tribunal Federal (STF), sem qualquer represália estatal. Entretanto, as manifestações de oposição ao governo do último domingo foram marcadas pela presença militar, que barrou o acesso à Praça dos Três Poderes.
Estiveram manifestando no último domingo em Brasília tanto defensores da democracia quanto apoiadores do atual governo. Estes últimos, com presença significativamente menor.
Estavam presentes diversos grupos que pautam a luta antifascista, além de profissionais de Saúde defendendo o Sistema Único de Saúde e torcidas organizadas de futebol – uma caravana do Corinthians saiu de São Paulo para participar do ato na capital federal. A grande maioria dos manifestantes estava usando máscaras de proteção para diminuir a possibilidade de contágio do novo coronavírus durante o ato.
Em Teresina, o ato foi convocado através das redes sociais pela Associação Antifascismo e Fórum pelos Direitos e Liberdades Democráticas, contando com a participação de estudantes, sindicatos e partidos.
Na capital mineira, os grupos antifascistas já haviam ido às ruas de Belo Horizonte (BH) na segunda-feira (1), convocados pelas redes sociais. Ontem BH esteve novamente com trabalhadores às ruas, contando com torcidas organizadas, como a do Cruzeiro, e grupos pró-democracia. Durante o ato foi realizada uma homenagem a George Floyd e a todas as vidas negras perdidas nas mãos de policiais.
Na capital paulista, pelo segundo final de semana consecutivo, ocorreram grandes atos antifascistas mesmo com a imposição de dificuldades por parte do Estado. Uma liminar foi concedida na sexta-feira (5) pelo juiz Rodrigo Galvão Medina à pedido da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, proibindo a manifestação pró-democracia de ocorrer na Avenida Paulista, como havia sido previamente agendada. O motivo foi a predileção pela ocorrência de atos pró-bolsonaristas no local, sob alegação de possíveis confrontos entre as posições antagônicas dos grupos. O ato foi realocado para o Largo da Batata.
O Governador de São Paulo afirmou que convidou representantes do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para acompanhar o Centro de Operações da Polícia Militar, convocado para comparecer às manifestações. Após anúncio de finalização do ato por parte de alguns grupos e partidos presentes, um grupo pequeno que havia saído em caminhada foi confrontado pela PM na região de Pinheiros. Os policiais usaram bombas de efeito moral para dispersar o grupo.
No Rio Grande do Sul, além da capital houve ato também em Novo Hamburgo. Em Porto Alegre foram cinco domingos consecutivos com atos contra o atual governo. As manifestações de ontem ocorreram na Esquina Democrática no centro e contaram com apoio dos moradores do bairro pelas janelas dos apartamentos.
No Rio de Janeiro, o ato foi marcado pela memória do menino João Pedro, de apenas 14 anos, assassinado pela polícia em fevereiro deste ano; de Marielle Franco, vereadora assassinada em caso envolvendo milícias, com policiais e agentes do Estado até hoje impunes; e de Evaldo dos Santos, assassinado em operação do Exército na Zona Oeste do Rio. Um grupo de manifestantes caminhou do monumento de Zumbi dos Palmares para encontrar-se com os demais no trajeto até a Candelária. Sob argumento de que os manifestantes teriam jogado pedra contra a Polícia Militar, 40 pessoas foram detidas. Em vídeos na internet, integrantes do ato negaram qualquer ataque violento.
Marielle e João Pedro também foram lembrados no protesto em Aracaju. Em sua maioria vestindo preto, os manifestantes exibiram cartazes contra racismo e fascismo em ato que durou cerca de duas horas.
Recife foi marcada por manifestação pacífica. Ainda assim, houve intimidação com a presença da Polícia Militar, Companhia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU) e da Guarda Municipal. Havia cerca de 180 policiais acompanhando o ato. Um homem tentou intimidar o ato mas mas foi contido por um dos manifestantes. Em Recife lembrou-se também da morte do menino Miguel, que sensibilizou muitos brasileiros na última semana.Em Florianópolis, o ato contou com cerca de mil pessoas. Confira a cobertura completa pela página do UFSC a Esquerda.