[Opinião] A corrupção no EàD: como poderia ter sido o processo?

Luiz Costa e José Braga* – Redação UàE – 19/10/2017

Há cerca de um mês, o processo que investiga supostos desvios de bolsas e recursos de custeio nos cursos de Educação à Distância na UFSC surpreendeu a todos quando culminou na prisão do reitor, de cinco professores e de um funcionário da FAPEU. A prisão e as medidas tomadas pela Justiça Federal foram tomadas sem que a universidade tivesse a chance de concluir seus procedimentos de apuração e disciplinamento.

Em 14 de setembro, o UàE conversou com o Corregedor Geral da UFSC, que relatou a nossos jornalistas que aquele órgão havia instaurado um processo de investigação preliminar que alcançava naquele momento a medida de 1300 páginas. No entanto, na medida em que esta investigação preliminar corria, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Controladoria Geral da União realizavam uma investigação própria que peticionou à Justiça Federal a prisão temporária dos envolvidos. Ou seja, passando por cima da possibilidade que a universidade pudesse conduzir uma rigorosa investigação pelos meios administrativos.

Quando se trata de faltas disciplinares cometidas por servidores públicos, infrações ou suspeitas de crimes contra o serviço público, há duas formas de processo: sindicância e processo administrativo disciplinar propriamente dito.

Segundo os artigos 143 a 152 da Lei 8112/90, a sindicância administrativa é um procedimento apuratório sumário que tem o objetivo de apurar a autoria ou a existência de irregularidade praticada no serviço público que possa resultar na aplicação da penalidade de advertência ou de suspensão de até 30 (trinta) dias. Ou seja, a sindicância se trata, num primeiro momento, de um processo de investigação e, num segundo momento, de um processo punitivo.

De acordo com o art. 143 da Lei citada, “a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa”.

A comissão sindicante, composta por dois ou três servidores, é responsável por investigar o que realmente aconteceu. No caso de inexistência de irregularidade ou de impossibilidade de se apurar a autoria, o processo deve ser arquivado, conforme o inciso I do art. 145. Todavia, caso haja irregularidades, é dever da sindicância aplicar penalidade de advertência ou suspensão de até 30 dias (Inc. II). Essa forma punitiva é referente apenas às penas leves. Se tratando de falta grave, entretanto, deve-se interromper o processo de sindicância e instaurar o processo administrativo disciplinar (Inc. III).

Conforme o art. 146, “sempre que o ilícito praticado pelo servidor ensejar a imposição de penalidade de suspensão por mais de 30 (trinta) dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo disciplinar”.

Se havia um processo de investigação preliminar aberto pela Corregedoria da UFSC sobre os desvios dos recursos do EaD, ele deveria ter sido desdobrado em uma sindicância, para que fossem realizadas as investigações necessárias e, se comprovadas as suspeitas, instaurado um processo disciplinar levando até mesmo o afastamento das funções e a exoneração dos cargos públicos. Contudo, a Polícia Federal, a Justiça Federal, e os demais órgãos se anteciparam as investigações da universidade, e, ao que tudo indica, contaram com a anuência da Corregedoria e passividade do Gabinete da Reitoria.

É preciso destacar que a Corregedoria cumpre um papel disfuncional no interior da Universidade Federal. Não é à toa que apenas a UFSC e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) contém uma unidade seccional de Corregedoria em seu interior. A Corregedoria, como alega o próprio corregedor, não é subordinada a universidade, mas aos órgãos de controle externos à instituição. Logo, se cria uma duplicidade. Como um órgão que não responde à universidade ser o responsável pela condução de investigações e processos disciplinares internos? Isto não retira da instituição a responsabilidade de levar a cabo seus procedimentos?

Com isto não se trata, de modo algum, de acobertar qualquer forma de corrupção ou outra atividade indevida no interior da universidade. Menos ainda de defender o corporativismo tão próprio do poder Judiciário, em que o julgamento é realizado pelos pares. Pelo contrário, qualquer ato de infração deve ser apurado e levado às últimas consequências. Aliás, é através do processo administrativo disciplinar que seria possível, se necessário, exonerar os culpados dos seus respectivos cargos públicos. E é preciso acrescentar: comprovados os desvios, os envolvidos deveriam ser obrigados a ressarcir o erário público.

O problema maior é que, quando a instituição não leva a cabo as apurações pelos métodos que têm à disposição, a sindicância e o processo disciplinar, abre-se a possibilidade de naturalizar a intervenção policial dentro das universidades públicas sob a insígnia moral do combate à corrupção. Um fato notório é o Levante do Bosque. O maior ato de agressividade dos últimos anos da polícia militar e federal dentro de uma universidade pública brasileira resultou no inquérito contra cinco trabalhadores da universidade, uma arbitrariedade da Polícia Federal.

Esses mecanismos internos de investigação e disciplinamento servem justamente para que as universidades não fiquem à mercê do poder policial. A prisão eventual de um servidor pode naturalizar um procedimento como esse, abrindo margem para o retorno das prisões políticas de servidores públicos, já que toda prisão política é disfarçada por certo conteúdo legal. Bastaria que um técnico ou docente fosse acusado falsamente de corrupção para que ele fosse preso e, mesmo que comprove a inocência posteriormente, as marcas deixadas são irreparáveis. É o que argumenta Marco Meira em nosso jornal, no artigo “A Fonte de Toda Corrupção”.

A relação entre a Universidade e o poder policial é marcada por uma história de perseguição, prisão, tortura e violência generalizada. Esta história que não é nova apenas tem sido confirmada nos anos recentes. A presença naturalizada de fardas e togas na Universidade está a serviço apenas da destruição do livre-pensar. Por isso é necessário que a universidade leve a cabo as investigações com rigor por seus meios e procedimentos, identifique os responsáveis e leve seus processos às últimas consequências.

 

*O texto é de inteira responsabilidade dos autores e pode não refletir a opinião do Jornal.

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