[Opinião] A fonte de toda a corrupção

Allan Kenji Seki* para UFSC à Esquerda – 15/09/2017

A comunidade universitária da UFSC foi constrangida ontem com a revelação de um esquema de corrupção com recursos da Educação à Distância (Universidade Aberta do Brasil) e que envolve servidores da universidade, as Fundações de Apoio e empresários.

Ao contrário do que inicialmente noticiado amplamente pela grande imprensa, não se tratam de R$ 80 milhões, essa cifra é o total dos recursos repassados para a UFSC pela CAPES para a realização do programa. Os valores desviados devem girar em torno de 500 mil à R$ 2 milhões. Mas não é o tamanho dos recursos o que importa, todas as formas de corrupção com o orçamento público precisam ser duramente combatidas.

A esquerda sempre combateu a corrupção no Brasil, seja essa que envolve o roubo de dinheiro público ou outras, inclusive, as que hoje são formas de corrupção institucionalizadas em lei. Como são os casos do sistema da dívida pública, das privatizações, do financiamento privado de campanha, das fundações de apoio à pesquisa e das parcerias público-privadas, apenas para citar algumas. Afinal, são todas diferentes formas de fazer a mesma coisa: esculhambar com o orçamento público enriquecendo esse empresariado estéril e fútil que alimenta a fantasia de que os socialistas querem fazer o povo mamar nas tetas do governo. Fantasia à serviço de nos despistar que são eles – os corruptores, os sonegadores de impostos, os fraudadores – que arrematam o fundo público.

Portanto, todas as acusações desdobradas da investigação em andamento devem ser levadas às últimas consequências. Os culpados devem ser devidamente punidos, obrigados a ressarcir o erário público e, sendo servidores, exonerados das funções e dos cargos que ocupam. Tudo isso com o máximo de transparência e discernimento político. Contudo, vejo com muita apreensão as prisões temporárias realizadas pela Polícia Federal no dia de ontem (14/9) contra professores da instituição e, inclusive, o Reitor da universidade.

Não se trata de defender o corporativismo banal, a universidade não é um reino fantástico no qual todas as suas questões devam ser resolvidas única e exclusivamente em seu interior ou pelas mãos de “pares” monocromáticos – ao contrário do Judiciário, por exemplo, no qual a pena que os juízes enfrentam é a aposentadoria compulsória, muito bem remunerada, aliás. Nas universidades, em se tratando de crimes, é imprescindível que sejam apurados com rigor e tratados pelos meios e métodos adequados. Mas isso não pode ser feito sem perdermos de vista que a prisão de qualquer servidor da universidade precisa ser considerada sob o contrapeso da autonomia universitária. Caso contrário, poderíamos nos ver forçados a aceitar a reinstalação de prisões políticas nas universidades, afinal, toda prisão política é disfarça por certo conteúdo legal. Não esqueçamos disso. Porque bastaria que qualquer servidor, técnico ou docente, com ideias “mal vistas” fosse acusado falsamente de corrupção para que ele fosse preso ou afastado das funções. Mesmo que mais tarde se demonstre a inocência, as marcas deixadas na pessoa e em sua imagem são irreparáveis.

Também não se trata de defender a pessoa do reitor Cancellier. Como todos sabem, ele está ao lado daqueles que pensam que a universidade deve ser um ambiente de negócios. Assim como os demais professores indiciados, figuras bastante conhecidas pelas posições que adotam em favor da aprovação de prestações de contas das fundações a toque de caixa, cursos pagos na universidade e assim por diante; o reitor tem trabalhado para realizar inúmeras parcerias público-privadas que comprometem o desenvolvimento da ciência na UFSC e restringem o papel da universidade ao de prestadora de serviços. Nesse terreno, bastante pantanoso, certamente a universidade nunca esteve tão vulnerável a se desmanchar em atos de corrupção. Afinal, entre todas as duras lições que tivemos nos últimos anos, é que o empresariado – ou seja, o capital – é o principal causador e beneficiário da corrupção, com dinheiro público e com tráfico de influência. O que a história tem nos mostrado é que é através da fraude e do roubo, e não do “empreendedorismo”, que se constroem grandes impérios empresariais.

Preocupo-me porque a prisão temporária é um dispositivo desproporcional se o objetivo fosse interromper a prática criminosa e impedir a destruição de provas. Precisamos estar além desse tipo de ingenuidade. Para isso seria razoável que a Justiça determinasse a suspensão do exercício dos cargos e funções públicas dos envolvidos, determinasse a quebra do sigilo bancário e telefônico dos investigados, impedisse eles de entrarem na universidade e os notificassem de que, ao menor sinal de que, mesmo afastados dos cargos, praticassem qualquer ato de obstrução da justiça, suas prisões preventivas seriam determinadas pelo juízo. Aliás, a justiça determinou todas essas medidas e outras mais. Portanto, a prisão temporária estava à serviço de quê?

Sou da opinião de que somente em casos de crimes contra a vida, que envolvem violência ou forte ameaça à integridade do outro a prisão pode ser considerada como cabível. Corrupção, fraude, falsificação de documentos não são crimes violentos. Não devemos corroborar com aprisionamentos em casos assim, ainda mais quando se tratam de prisões temporárias e preventivas. Se caímos no discurso de sede de sangue contra a corrupção, reiteramos, mesmo que sem querer, o aprisionamento em massa da juventude pobre e negra brasileira cuja maioria absoluta está encarcerada por crimes que não atentam contra a vida, não envolveram violência ou armas e, na maioria dos casos, relacionados com a necessidade de sobrevivência.

Claro, não se trata de discutir as questões técnicas do direito penal, mas de analisar os efeitos políticos que o manejo dessa técnica teve e terá sobre todos nós na universidade. Portanto, não devemos esquecer que enquanto a Polícia Federal busca se apresentar isenta e destemida diante das elites (como se ela mesma não fosse parte de uma representação elitista da função policial) prendendo o reitor Cancellier, está em andamento o inquérito contra cinco trabalhadores da universidade envolvidos arbitrariamente pela Polícia Federal a partir do “Levante do Bosque”. Naquele evento, um dos episódios mais brutais de repressão já ocorrido no interior de uma unidade universitária brasileira, foi desencadeado pela ação desproporcional e política da Polícia Federal e da Política Militar sob a suposição de reprimir o tráfico de drogas. Também naquele episódio, dezenas de estudantes foram identificados como alvos da polícia, apesar de terem sido, isso sim, vítimas de uma violência indescritível.

Lembremos o vergonhoso debate público entre a Polícia Federal e a Reitoria da universidade, na qual a polícia empenhou-se em utilizar expressões baixas e vulgares contra a comunidade universitária. Taxados de “antro de vagabundos” e “república de maconheiros”, ficou evidente que, entre outros, aquela operação visava destruir o prestigio da universidade federal e tornar seus membros suscetíveis de inquéritos e investigações às vésperas dos grandes jogos – portanto, momento no qual interessava a inteligência das polícias monitorar os movimentos políticos no interior das universidades em todo o país para infiltrar agentes e controlar possíveis manifestações.

Naquela época, quando as campanhas da elite catarinense miravam o “crack” como a fonte de todas a mazelas de nossa sociedade, a acusação sobre o “tráfico” de drogas se alinhava ao tom da moda e capitaneava o apoio das frações mais conservadoras das famílias catarinenses. Hoje em dia, a moda é outra, toda a moralidade da família brasileira está concentrada na corrupção dos políticos.

Esses rituais nos fazem balançar nas horas mais decisivas. Mas se a gente começar a achar que servidores da universidade são como quaisquer outros servidores, sem distinguir a especificidade da vulnerabilidade que esses cargos possuem, ainda mais em tempos de “escola sem partido”, corremos o risco de imaginar que os inimigos de nossos inimigos são nossos amigos. Aí, estamos perdidos. Cancellier e tudo o que ele representa com seu grupo político na universidade, inclusive sua degradação e privatização precisa ser derrotado, mas precisamos que essa derrota seja justa e realizada pelas nossas próprias mãos.

Não sabemos ainda se a Polícia Federal pretende, com atos exacerbados como esses, fazer mais um uso político de devassa na nossa universidade, mas, no que diz respeito à relação desta com a UFSC, a história demonstra que há um forte verniz de perigo.

A esquerda precisa recompor a pauta do combate à corrupção. Além de exigir investigações sérias e transparentes administradas pelas mãos das corregedorias e tribunais de contas – e não das polícias – precisamos avançar positivamente, atacar a fonte de toda a corrupção no Estado brasileiro. A fonte de toda a corrupção no Brasil é a relação entre o Estado e o empresariado “empreendedor”. O único mérito, para nós, dessa investigação desastrosa é lançar luz para as parcerias público-privadas geridas pelas fundações de apoio. A esquerda universitária foi a única ao longo dos últimos vinte anos a firmar os pés contra as fundações, acusando desde o início as formas pelas quais elas permitiriam que a lógica privada se infiltrasse em um ambiente de conhecimento. Agora, nós temos todo o direito de afirmar mais alto. Toda essa gente mesquinha que se beneficia de contratos mais ou menos limpos nestas fundações vai ter que ouvir de cabeça abaixada outras verdades que nós temos a dizer.

Minha opinião é a que de nossas agendas de luta nas entidades universitárias, do movimento estudantil aos sindicatos, precisam incorporar o combate à corrupção a partir dessa perspectiva, pois ela nos separa do uso oportunista que a direita torpe, como o MBL, faz da corrupção. E, além disso, precisamos de entidades firmes, de esquerda, comprometidas com o combate à raiz da corrupção, mas capazes de defender firmemente trabalhadores e estudantes que realizam as denúncias. O assédio denunciado pela corregedoria da UFSC e pela professora que denunciou demonstram que precisamos tomar lado nessa história e com urgência fazer nossas entidades saírem das mãos da reitoria.

*Os textos de opinião refletem unicamente as ideias de seus autores, devidamente identificados no texto, e podem não corresponder às posições políticas do UFSC à Esquerda.

Um comentário

  1. Seu argumento é burguês. Porque você nunca evocou ele quando um preto e pobre é suspeito e vai logo preso, ou executado? Reconhece o viés equivocado que você toma? Ou a toga de reitor não deixa ver um bandido? Ou bandidos são apenas os pretos pobres?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *