[Opinião] A greve dos caminhoneiros e a intervenção militar

Foto: UFSC à Esquerda/Greve dos caminhoneiros – Palhoça/SC

Gustavo Bastos e Morgana Martins* – Redação UàE – 29/05/2018

Na manhã de hoje (29/05) o UFSC à Esquerda esteve presente na concentração dos caminhoneiros em Palhoça – SC e acompanhou um pouco da rotina dos motoristas sobre suas pautas e anseios, bem como sobre a vida nas estradas. Eles relatam que a pauta foi se expandindo com a continuidade do movimento, antes pediam para que diminuísse o preço do diesel, porém hoje a pauta mudou: a baixa nos preços dos combustíveis no geral e uma intervenção militar.

Ao primeiro olhar parece-nos realmente estranho que a esquerda apoie uma greve que tenha como pauta uma intervenção militar. Porém, por mais incoerente que possa ser, não existe outro lado para apoiarmos; ser socialista envolve conseguir compreender que a classe trabalhadora é cheia de contradições. É compreender que nesse momento a única saída que se apresenta diante deles para a greve é pedir intervenção. Essa falta de horizontes acontece justamente porque a esquerda falhou, e muito, em todos esses últimos anos e principalmente nesses dias de greve. Compreender e reparar isso não é fácil. Mas deve residir aí o problema da esquerda que não entendeu também Junho de 2013 e que hoje se vê discutindo abstratamente a democracia e outras questões.

Escutando os relatos dos caminhoneiros, foi possível perceber que a pauta da intervenção só surgiu porque eles compreenderam que “de cima” nada viria para lhes ajudar e melhorar suas condições de vida. Ou seja, eles não acreditam mais numa saída dentro da ordem burguesa democrática estabelecida. O esfacelamento do sistema político em crise e o descrédito nos poderes estabelecidos é o que predomina. Logo, eleger qualquer outro presidente, ou o que seja, não iria resolver nenhum de seus problemas.

Vejam o potencial que tem esse pensamento, o qual se configura por visar uma ruptura ao que está dado e visar uma nova saída para os dilemas de sua classe. Por mais contraditória que possa ser a saída que encontram para essa insatisfação geral, isso não significa que os caminhoneiros querem menos democracia ou controle total do exército. Eles mesmos afirmam que o povo é quem deveria decidir sobre as grandes questões nacionais; citaram, por exemplo, o preço do diesel e da gasolina, as questões de armamento e os salários dos políticos, mas nós sabemos que são capazes de muito mais.

A ideia que nos faz acreditar que os caminhoneiros seriam completos brutamontes, sem disposição para o diálogo se prova completamente equivocada, pelo contrário, os caminhoneiros se demonstraram abertos a escutar e conversar sobre assuntos fundamentais, abertos às discordâncias e a apresentação de outras alternativas sobre tudo isso que estão passando.  Mas claro, essa questão é complexa. Não bastam idas esporádicas a esses lugares e conversas individuais.

E nisso é que podemos trabalhar. A esquerda precisa ser capaz de reformular as saídas para nossa classe, dar uma direção e uma outra forma para essa sociedade que parece imutável, mostrar que existem outros horizontes. E que isso passa necessariamente por mostrar a nossa classe o poder que possui em mãos. Vejam, por exemplo, como a greve dos caminhoneiros foi capaz de interferir em todas as esferas da sociedade, alterando completamente a circulação das mercadorias. Imagina se tivesse como seu anseio muito mais do que a manutenção dos preços dos combustíveis…

Agora, não basta arrogantemente começarmos a impor e dizer como que eles, os caminhoneiros, devem tocar as suas greves, construir as suas pautas ou o que devem defender. É compreensível que após tantos anos de abandono vejam com receio as organizações da classe trabalhadora, que desconfiem dos partidos, dos sindicatos. Nos últimos anos não estivemos presentes quando precisaram. É preciso construir, desde a base, uma outra relação com esse setor da classe trabalhadora, dizer que, por mais que não concordemos com a intervenção militar, estaremos junto com eles defendendo o que importa, aquilo que nos une, as condições de vida da classe trabalhadora, e que, quando a situação apertar pro lado deles, encontrarão em nós, os socialistas, aqueles com quem poderão contar.

Por fim, sabemos que esse debate é complexo, principalmente quando diz respeito às falhas históricas da esquerda e as contradições de nossa classe. Mas é justamente isso que pretendemos colocar em reflexão neste texto. É duro mesmo compreender que os caminhoneiros hoje pedem intervenção militar, questão a qual nos dá um arrepio na espinha somente ao lembrar. Porém, isso também nos mostra a necessidade de reinventar as atuações da esquerda, de colocar a ordem do dia a formação política e o trabalho de base, e de construir estratégias as quais possuem base na realidade e história de nossa classe.

*O texto é de inteira responsabilidade do(s) autor(es) e pode não refletir a opinião do Jornal.

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