Foto por Lionel Baur.

[Opinião] A um passo do ensino remoto: entre angústia e solidão

Interior de um Centro de Ensino da Universidade Federal de Santa Catarina. Foto: Lionel Baur. CC BY-SA 3.0

Morgana Martins – Redação UàE – 28/08/2020

Estamos a uma semana do início das aulas remotas na Universidade Federal de Santa Catarina. Nessa semana, iniciou o período de ajuste on-line das matrículas e também a possibilidade de cancelamento do semestre. Em meio a confusão, falta de informação e cansaço, esse processo marca para alguns estudantes o início de sua experiência com o ensino remoto, enquanto para outros representa o fim de sua experiência com a universidade. 

Desde a aprovação do retorno das atividades letivas obrigatórias, no dia 17 de julho, nosso jornal realizou diversos debates, tanto em textos quanto por transmissões, do quanto essa decisão impactaria na vida e no cotidiano estudantil. Tivemos também a experiência de outras universidades que iniciaram antes de nós o ensino remoto, a UDESC e a USP por exemplo, em que os estudantes relataram o quanto a experiência com o ensino remoto nos afasta daquilo que conhecíamos como universidade e nos contavam sobre um possível futuro a UFSC.

Agora, serão os alunos de nossa universidade que sentirão na pele a experiência degradante do ensino remoto: a relação com o conhecimento nu e cru, sem a mediação de professores e colegas; a solidão e isolamento, que fazem com o que o fracasso da educação pela forma remota seja transformado em um fracasso individual do estudante, em frustração; e a perda do espaço universitário, como a biblioteca e computadores para estudar, locais de lazer, o convívio com o clima de um local organizado para a produção de conhecimento. 

Os estudantes farão a experiência com a universidade em sua casa, completamente sozinhos em frente aos computadores e celulares, em relação direta com o conhecimento, sem seus colegas e muitas vezes sem seu professor. Portanto, ao sentirem dificuldades, o que os estudantes irão sentir é fracasso, que sua internet/computador não dão conta, que está sobrecarregado, como apontou Nina Matos, no texto “O ensino remoto e a individualização do sofrimento”.

Insisto nesses aspectos pois levantar tão cedo e pegar um ônibus lotado para assistir uma aula ruim só era um esforço possível a ser realizado pois sabíamos que ao chegar estariam do nosso lado nas aulas nossos amigos; naquelas aulas ruins, mas também nas boas, podíamos apresentar nossos argumentos e discussões, destrinchando o assunto exaustivamente e na hora do intervalo tomaríamos aquele café amargo em companhia. 

Com o ensino remoto, nada disso é possível. Nossa relação com a universidade passa pela experiência com o nosso equipamento, celular e computador, que nada tem a ver com o que é uma universidade. Nossa relação com os conteúdos apresentados não tem nada que podemos chamar de educação e nada do que podemos considerar como construção de conhecimento; vocês todos devem ter visto o quanto as mudanças nos planos de ensino foram extremamente impactantes.

Foi na última semana que a maioria dos cursos disponibilizou seus planos de ensino alterados para modalidade remota. E foi nesse momento que uma visualização de como seriam nossas aulas que a indignação tomou um delineamento mais visível; cursos que descaracterizaram totalmente seus currículos, alteraram disciplinas fundamentais do curso com uma transposição de atividades mal planejada. 

Foi ali que vimos que uma parcela dos professores haviam abraçado o ensino remoto e o aceitado sem nenhuma reflexão sobre o assunto, principalmente pensando no que foram transformadas as disciplinas. Não raro vemos nos planos de ensino trabalhos finais que foram transformados em confecção de vídeos e podcasts, atividades práticas perdendo totalmente seu principal objetivo e aulas com vídeos gravados, em que mal sabemos onde e como estão nossos colegas de turma.

Aos calouros, imagino que não foi essa a entrada na universidade que vislumbravam, que não foi isso que via nos seus sonhos como a experiência universitária. Não conhecerão seus colegas de fase, nem mesmo de curso, e mal poderão estabelecer os vínculos e amizades que tanto nos ajudam nesse processo de iniciação. 

Enfim, a comunidade universitária foi colocada em cheque a obrigada a aceitar a política da reitoria e dos setores da classe dominante do estado para a universidade. Agora, estamos vendo esse processo se materializar e, ao mesmo tempo, percebendo a maioria dos estudantes e professores permeados por angústias, dificuldades e inseguranças. E é justamente isso que o ensino remoto irá aprofundar cada vez mais: a individualização  dos problemas e o sofrimento, sintoma de um processo de aprofundamento da deterioração da educação.

*O texto é de inteira responsabilidade da autora e pode não refletir a opinião do Jornal.

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