[Opinião] AME Antonella: o debate que falta

Beatriz Costa – Redação UàE – 16/12/2019

A cidade de Blumenau está tomada pela campanha de arrecadação de dinheiro para o tratamento da pequena Antonella, que tem um ano e seis meses e no começo de 2019 foi diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 1. 

A AME é causada pela ausência ou defeito no gene que produz SMN, uma proteína que “protege” os neurônios motores, os responsáveis por levar o impulso nervoso da coluna vertebral para os músculos. Sem essa proteína, os neurônios morrem e os impulsos não chegam, o que provoca uma perda progressiva da função muscular e as consequentes atrofia e paralisia dos músculos, afetando a respiração, a deglutição, a fala e a capacidade de andar. No caso da AME tipo 1, considerada a mais grave, a expectativa de vida não ultrapassa os 2 anos.

O medicamento indicado para o caso da Antonella é vendido somente nos Estados Unidos e é o remédio mais caro do mundo: 2,125 milhões de dólares, equivalente a cerca de 9 milhões de reais. Trata-se do Zolgensma, uma terapia gênica desenvolvida pela AveXis (adquirida no ano passado pelo grupo Novartis).

A campanha da Antonella nos pega pelo coração: Quanto vale uma vida? Como precificar a saúde? A vida não tem preço. A maioria das pessoas faria qualquer coisa para salvar a vida de uma criança doente se soubesse que existe solução, que existe cura. Por isso é difícil encontrar um blumenauense que não tenha se mobilizado pela menina. Seja com doações em dinheiro, compartilhando vídeos nas redes sociais ou trabalhando em pedágios solidários.

Apesar disso, é muito comum encontrar pessoas nessa cidade conservadora e obtusa que defendem o desmonte do SUS. Pessoas que não veem nada de errado em Bolsonaro  cancelar contratos de produção de remédios e vacina em uma canetada. Pessoas que apoiam a Emenda 95, conhecida como PEC do congelamento dos gastos por 20 anos, que limita os gastos sociais (saúde, educação). A situação paradoxal é exemplificada pelo fato de na página de Instagram da campanha @ameantonella, um dos vídeos ser com o Luciano Hang, conhecido como véio da Havan. Bolsonarista convicto e sonegador de impostos que poderiam ajudar a salvar vidas através do SUS.

Em países que não possuem um sistema de saúde universal, endividamentos para compra de medicamentos são comuns. Nos Estados Unidos idosos se suicidam por não ter dinheiro para arcar com os custos de saúde. É importante percebermos o quanto o SUS salva vidas, desde a distribuição gratuita de vacinas, a serviços como SAMU, postos de saúde, exames e medicamentos de alto custo. 

É evidente que é irrepreensível que uma cidade se mobilize para que a menina Antonella consiga a cura para a doença que a aflige. Porém devemos pensar para além disso. Devemos nos indignar com o fato de existir um remédio que custe 9 milhões de reais; com o fato de tudo ser mercadoria e tudo visar o lucro no sistema capitalista no qual vivemos. 

Devemos nos mobilizar para que todas as cerca de 8000 crianças diagnosticadas com AME no Brasil também tenham acesso à melhor medicação possível. Na verdade, devemos nos mobilizar para que todas as pessoas no mundo tenham acesso a todos os medicamentos e tratamentos que forem necessários, independente de qualquer condicionante. Temos que visualizar um sistema onde a vida de fato venha em primeiro lugar, onde a saúde seja um direito de todos e investimento prioritário. Após visualizar, temos que nos mobilizar e lutar por esse sistema, para talvez um dia não termos mais nenhum caso como o da Antonella.

*O texto é de responsabilidade da autora e pode não refletir a opinião do jornal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *