HH da Geografia em Abril de 2016 - Foto: Página Festas UFSC.

[Opinião] Resolução para a (não) realização de festas na UFSC

Júlia Vendrami* – 11/05/2023 – Redação UFSC à Esquerda

Para a maioria dos estudantes, a universidade é uma segunda casa, onde passam a maior parte do dia. Estudam, pesquisam, almoçam, jantam, socializam e descontraem. E é assim mesmo que deve ser. A universidade é um espaço para a formação integral do ser humano, não somente para a formação para uma profissão.

Desta forma, o uso e ocupação do espaço da universidade é um assunto da primeira importância para a comunidade universitária. Durante a pandemia perdemos muito em termos de socialização e uso do espaço de forma coletiva. Quem é mais antigo na universidade pode sentir que se tratando de vida pulsante do campus, parece que as coisas ainda não voltaram a ser como eram antes da pandemia. Nesse sentido, as festas que ocorrem na universidade devem ser discutidas e a discussão da vez é a proposta de regulamentação delas.

Em uma comissão atualmente formada por quatro membros indicados pela reitoria e um do DCE, está sendo elaborada uma normativa para regulamentar as festas universitárias. Semana passada o DCE promoveu uma plenária sobre a minuta das festas e o próximo passo programado é uma audiência pública com toda a comunidade universitária, que está programada para final de maio ou início de junho.

É importante que a comunidade, e especialmente os estudantes, estejam atentos a esse debate, se apropriem das propostas e percebam como elas impactam na sua vida, na vida de quem procura viver o espaço universitário de maneira integral. Por isso, proponho aqui uma reflexão crítica a respeito da minuta de resolução das festas na UFSC, buscando contribuir com os movimentos e trazer o melhor da situação.

Quem está elaborando uma norma pode até tentar encontrar as melhores soluções, mas pensa nas dificuldades de aprovar, pensa nos outros que não vão gostar, pensa em mil coisas. Quem fica com a posição de criticar a norma, naturalmente consegue perceber melhor onde o calo pega e criticar o que está proposto. Por isso que esta é a melhor posição para o movimento estudantil ficar. Nesse momento é preciso que a norma seja criticada para que seja melhorada. Vamos lá!

A resolução se propõe a normatizar qualquer atividade comemorativa, de confraternização e de integração realizada na UFSC. Desta forma, estrariam na conta eventos que vendem bebidas, como HHs e festas fechadas; e eventos de outras ordens, como recepções de calouros, saraus, geosamba, eventos esportivos, etc.  Isso pode burocratizar em exagero atividades que podem ser simples de organizar e não causam nenhum problema hoje.

Está delimitado na resolução quem pode organizar essas festas, que são entidades. Então se sou pós-graduanda e junto com o pessoal do meu programa quisermos organizar um samba para confraternizar no Pavilhinho da arquitetura, só poderíamos fazer se alguma entidade estudantil, sindicato, ou – estranhamente – atlética e empresa júnior, fizer a solicitação por nós. A mesma coisa se formos um grupo de formandos, um PET, a turma de veteranos, organizadores de uma semana acadêmica, uma galera de um laboratório, etc.

Talvez isso não seja de todo problemático, pois obriga que qualquer grupo tenha que dialogar e dividir responsabilidade com a sua representação estudantil, mas é interessante que se reflita sobre quais situações podem ser causadas.

Conseguindo fazer a nossa solicitação, podemos descobrir que a nossa atividade não foi autorizada porque há outra marcada para o mesmo dia em um espaço contíguo ao que almejamos. Considero que uma das coisas mais legais que havia em algumas épocas da UFSC era andar na sexta-feira à noite pelo campus e ter uma festa no entre blocos do CFH, outra no varandão do CCE e mais uma no toco (entre o CSE e CCJ). De forma que era possível transitar pelo campus, participar daquela que estivesse mais animada e além disso, não passar por lugares muito vazios, que se tornam mais perigosos.

A proposta de normativa restringe as festas a seis pontos nos Centros de Ensino do campus da Trindade, mais a praça da cidadania, onde são normalmente realizadas festas fechadas que cobram ingresso. Desses seis pontos, metade fica no Centro Tecnológico e nenhum no CFH ou no CCB. Também não seria possível realizar festas na sala da APG ou qualquer lugar do Centro de Convivência.

Outra restrição importante é em relação ao horário das festas, que durante a semana só podem ocorrer entre às 22h e às 23h59. Uma festa que inicie um pouco mais cedo que isso, mesmo que afastada dos locais onde acontecem aulas, já não é permitida. Por exemplo, o Pavilhinho e o CETEC não ficam próximos a prédios que possuem aulas noturnas. A mesma coisa seria o Convivência. Uma atividade como a festa junina que a APG organizou ano passado, que iniciou a venda de quentão às 19h e à meia noite já estava com tudo limpo e fechado, já não seria possível segundo esta resolução.

Entre as obrigações elencadas para o “Plano de Execução” da festa, está a necessidade de que o local seja limpo e as eventuais estruturas montadas para o evento sejam desmontadas imediatamente após a festa, o que é muito pertinente. Porém o que me aflige são as medidas que necessitam de desembolso de dinheiro, que são: a contratação de seguranças (no mínimo dois) e a locação de banheiro químico (no mínimo dois).

Pesquisei e obtive um orçamento de que a locação de dois banheiros químicos por um dia (tempo mínimo de locação) e a contratação de dois seguranças por duas horas sairia por R$ 1.400,00. Esse valor é maior do que vários eventos de centros acadêmicos conseguem lucrar, isso que normalmente vendem bebidas a noite toda para obter tal valor. Se a entidade for obrigada a fazer todo esse investimento, são favorecidos somente os eventos maiores, que cobram ingressos e por isso não estão disponíveis para toda a comunidade universitária.

O documento cita que os banheiros químicos não precisam ser alugados se a entidade conseguir autorização para acesso aos banheiros dos prédios. Esse acesso é muito mais fácil antes das 22h, quando os prédios ainda estão abertos, do que depois desse horário.

Uma questão também bastante importante de ser discutida é em relação ao limite de volume da festa. A partir de uma lei municipal de Florianópolis que define limites de ruídos em decibéis, a resolução transpõe de maneira direta para as festas na UFSC, limitando o ruído a partir das 22h para 50 decibéis. O problema é que para a lei, o ruído será medido dentro da propriedade onde se dá o incômodo. No caso das festas, não é especificado onde esse som será medido. É importante ressaltar que 50 decibéis equivalem ao volume de uma conversa em tom normal. Uma conversa em tom mais elevado entre duas pessoas atinge facilmente 60 decibéis, imaginem com muitas pessoas juntas.

Nessa parte, é apresentado também a restrição de festas nos arredores da maloca, que é a moradia dos estudantes indígenas. A maloca está localizada no prédio que abrigava o restaurante universitário anteriormente, por isso não poderiam ocorrer festas na sede do DCE e área do laguinho.

A organização da festa precisa também elaborar um protocolo de ação em caso de violência, com foco especial no atendimento em caso de violência sexual e de gênero. Esse ponto inicialmente pode parecer difícil de ser executado, mas me parece importante, e pode iniciar com uma pessoa bem identificada para a qual são reportados quaisquer casos que possam vir a ocorrer e que seja responsável por iniciar a tomada das medidas cabíveis, como algum auxílio à pessoa que sofreu qualquer tipo de violência.

O mais difícil, me parece, é que os organizadores obtenham todos os seguintes documentos, mesmo que com auxílio da UFSC:

  1. atestado de funcionamento do local expedido pelo Corpo de Bombeiros;
  2. autorização para liberação de fonte sonora emitida pela FLORAM;
  3. atestado de “Nada consta” fornecido pela 5ª Delegacia de Polícia da Capital;
  4. licença emitida pela Gerência de Fiscalização de Jogos e Diversões – Polícia Civil.

Eu apontaria até que se não o faz nos outros pontos, neste a resolução praticamente torna inviável a realização de qualquer HH organizado por entidades na UFSC, tornando-se, da forma como está escrita, uma resolução contra a realização de festas na UFSC.

Por fim, a Comissão Permanente para Acompanhamento da Resolução, da maneira como está proposta, possui cinco cadeiras para membros da reitoria, uma cadeira para cada Unidade de Ensino (em Florianópolis são 11), uma para APUFSC, uma para o SINTUFSC, uma para a maloca e somente duas para entidades estudantis (APG e DCE). Então os estudantes teriam uma situação bastante desfavorável em qualquer disputa, com somente duas das 21 cadeiras da comissão.

Para a elaboração deste texto, conversei com o DCE e a conversa ajudou a entender melhor alguns pontos da minuta. A versão que tive acesso da minuta pode se acessada aqui.

Procurei abordar alguns pontos para reflexão a partir da experiência de ter participado e organizado algumas festas no campus universitário. Porém além de pensar no que já aconteceu, imaginar que as coisas podem ser diferentes do que já foram é uma qualidade importante. O movimento estudantil ganha força quando os estudantes usam sua criatividade para imaginar outras possibilidades para o futuro.

Por isso convido à reflexão para além dos breves pontos que elenquei aqui, que se reflita sobre o que poderia ser a melhor ocupação do campus universitário. De que formas criativas poderíamos usufruir coletivamente desse espaço. Acredito que isso possa ajudar nas elaborações sobre essa minuta de festas na UFSC. Conto com vocês!
*Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e podem não refletir a opinião do jornal

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