[Opinião] Até quando a Engenharia Mecânica será conivente com as atitudes do Sérgio Colle?

Imagem: Departamento de Engenharia Mecânica. Foto: Agecom

Maria Gonçalves* – Redação UFSC à Esquerda – 31/03/2020

No contexto da comunidade universitária da UFSC diversos grupos convivem, com diferentes posicionamentos sobre os mais variados assuntos. Algumas figuras representam determinados comportamentos e por isso são vistas como referências, mesmo que não tenham relação direta com os que se sentem representados. Nesse sentido, o professor Sérgio Colle representa um padrão de comportamento desrespeitoso, reacionário, machista e preconceituoso. A partir da sua postura midiática e exibicionista, todo o departamento de engenharia mecânica, quiçá todo o CTC, é visto como um lugar onde essas atitudes são admitidas e respaldadas.

No final do ano passado, quando veio à público que o professor Sérgio Colle seria aposentado compulsoriamente, por ter atingido a idade limite para atuar como servidor, mas estava solicitando ao Departamento de Engenharia Mecânica uma autorização para continuar atuando como professor voluntário, diversos estudantes se mobilizaram, manifestando-se contra a permanência dele e procurando pressionar o restante dos professores a votarem contra seu pedido.

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A pauta foi votada no Departamento em dezembro. A reunião foi conturbada e a votação foi secreta, diferente do que vinha acontecendo nas outras reuniões do colegiado. Mas o colegiado pleno do Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC votou pela admissão do professor Sérgio Colle como um de seus membros na forma de professor voluntário, permitindo que ele continuasse a dar aulas na graduação. A votação terminou com 32 votos a favor, 20 contra e 2 abstenções. A decisão ainda passará pelo conselho de unidade do CTC e precisará ser aprovada pelo reitor.

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Agora em março, a mesma pauta foi discutida no âmbito do Programa de Pós Graduação da Engenharia Mecânica, o POSMEC. Foi proposta uma reunião extraordinária para tratar somente deste assunto. No início da reunião foram apresentados os relatos enviados por mestrandos e doutorandos do POSMEC, por meio de formulário organizado pela representação discente com identificação dos autores.

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Reproduziremos alguns dos relatos para que os leitores possam ter ideia do tipo de situação aos quais são submetidos os pós-graduandos que têm contato com Sérgio Colle. Entretanto, publicamos anonimamente, afim de evitar qualquer prejuízo a quem se manifestou.

Relato 1:

“No início do ano passado, ainda durante as aulas presenciais, ele expôs para a turma a opinião dele relacionada ao aborto, onde segundo sua análise: uma vez que o feto seria inutilizado ele proporia que as mulheres que desejassem realizar tal ação deveriam se sentar em um vaso que sugaria o feto de seus úteros e cairiam numa esteira e em seguida seriam despejados em um caldeirão de soda cáustica que produziria sabão, então esse sabão seria embalado e teria impresso a marca anjinhos, pois essas crianças são verdadeiros anjinhos. Mesmo que absurdo e completamente fora do assunto, ele teve a capacidade de pensar e ainda por cima falar isso em sala de aula.”

Relato 2:

“Estudei durante a graduação na UFSC também e fui aluno do professor Colle na disciplina de termodinâmica. Terror psicológico, insultos e tangentes políticas eram fatos comuns na sala de aula. O programa de ações afirmativas havia recém começado na Universidade, e o professor Colle fazia questão de dizer que se descobrisse que algum aluno era cotista, iria reprová-los, pois era contra as cotas. Este é apenas um dos exemplos que mostram que o professor Colle não é um bom professor. Notória também é sua inépcia com computação moderna e atividades de comunicação pela rede. Diversas são as histórias em que sua secretária, Roselane, teve que digitar documentos, ou que algum aluno de pós-graduação teve que ir em classe ensinar os alunos como funcionava o EES, software usado em termodinâmica. […]”

Relato 3:

“Como graduado pela UFSC, não tive aula com o Sérgio Colle. Justamente pela fama amplamente difundida, também pelos e-mails pela comunidade acadêmica cheios de preconceitos (mesmo antes da graduação, eu já havia visto um dos e-mails da lista de discussão dos professores. Durante a graduação, fui aluno de IC de um dos laboratórios que fazem parte do Lepten e recebia os e-mails do grupo cheios de misoginia). Tive uma conhecida/colega que teve aula com ele. Essa colega era cotista e ela diz que no primeiro dia de aula ele falava que os cotistas não deveriam, por direito, estar naquela aula. Uma vez que haviam ocupado o lugar de um aluno não cotista. Essa minha colega chorava sempre depois da aula dele.”

Relato 4:

“Um professor com tantas opiniões preconceituosas que não faz a menor questão de mudar ou esconder seu ódio não merece continuar como professor numa universidade de prestígio como a UFSC. Seu desempenho como pesquisador não importa quando ele não é respeitável perante outros seres humanos. Sempre foi preconceituoso e tratou seus alunos mal. Chegamos ao ponto onde a quantidade de artigos é mais importante do [que] o respeito básico entre seres humanos? É ultrajante que ele tenha sido aprovado pela maioria dos professores para permanecer como professor voluntário. Me sinto mal em saber que é nesse ambiente que estou me formando como doutora.”

Depois de serem confrontados com relatos como esse, os onze professores que fazem parte do colegiado delegado representando suas áreas tiveram posturas divergentes entre si.

A professora Márcia Mantelli, que é a única docente mulher do departamento e relatora do processo, defende que a permanência do Colle contribuiria com o POSMEC, focando somente nas pesquisas realizadas pelo professor e não comentando nada sobre a qualidade do ensino, relação com outros seres humanos e posturas em geral que ele representa. Com isso, a professora Márcia demonstra sua opinião de que uma pessoa pode ser racista, preconceituosa, misógina que não há problema algum.

Além disso, ela demonstra sua opinião de que não tem problema que a Engenharia Mecânica da UFSC seja vista como um local onde essas atitudes são admitidas.

Quanto aos outros professores, a maioria manifestou desacordo com a forma como o Colle leciona suas aulas e tratas as pessoas. Comentaram, por exemplo, que a liberdade de expressão tem um limite, e o professor Colle por diversas vezes não o respeitou. Chegou a ser comentado na reunião que a reputação do prof. Colle não é bem vista pela sociedade, sendo algo negativo para o POSMEC.

Entretanto, os professores também relativizam as atitudes e minimizam as ocorrências. Uma das falas de um docente representante de área foi de que, mesmo o Colle se comportando dessa maneira (o que ele repudia, é claro), “essas ações são muito pequenas diante de tantas coisas boas que o professor Colle já fez e pode fazer”, se referindo à pesquisa desenvolvida pelo professor.

Mesmo entre os representantes discentes, há divergência. Um deles, que é orientando do prof. Colle, defendeu em reunião que, diferentemente dos relatos que se tem disponível, o Colle trata muito bem seus alunos cotistas, mas que muitos cotistas não sabem aproveitar as oportunidades na universidade.

Ao avançar da reunião, com muitos dos presentes indicando que votariam contrários ao pedido do Colle, começaram os recuos e manobras. Alguns indicaram que se sentiam desconfortáveis por votar em nome da sua área de pesquisa e não representar adequadamente a opinião dos professores da área, sugerindo que a pauta fosse levada ao colegiado pleno do POSMEC. Feita a votação, não foi aprovado que a pauta fosse levada para o colegiado pleno. Porém, como vinha sendo feito em todas as reuniões, estavam sendo computados os votos tanto dos representantes titulares quanto dos suplentes. Isso está em desconformidade com o regimento. Então, foi solicitado que a votação fosse refeita, somente com os votos dos titulares. Na segunda votação foi aprovado que a pauta fosse levada para o colegiado pleno por 7 votos contra 3.

Prestando mais atenção no regimento, o que pelo jeito não tinha sido feito até agora, a Coordenação do POSMEC notou que havia sido feita uma eleição para representantes discentes que não elegeu a quantidade necessária de representantes para o colegiado pleno, que são 10 titulares e 10 suplentes. Por isso, serão realizadas novas eleições e até os representantes que já tinham sido eleitos precisarão se candidatar novamente. O período de inscrição de candidatos já está aberto e é até dia 2/4, próxima sexta-feira, às 18h.

Mais do que decidir se um determinado professor vai ou não continuar dando aula, o que está sendo discutido é que tipo de ambiente universitário estamos construindo e quais falas e comportamentos serão admitidas nesse ambiente.

Precisamos prestar atenção também, em quais argumentos estão sendo emitidos por quem procura defender o professor Colle. Por exemplo, mesmo depois de vários relatos sobre como o ele trata os estudantes cotistas, o discente orientando dele é capaz de dizer que são os cotistas que não sabem aproveitar as oportunidades na universidade, não que o Colle os trate mal.

É importante que percebamos que esse tipo de argumento preconceituoso em relação aos estudantes que entram na universidade através das políticas de ações afirmativas, sejam eles advindos de cotas raciais ou de escolas públicas, permanece na universidade, mesmo depois de mais de 10 anos da implementação dessas políticas de ingresso.

Em relatório desenvolvido pela UFSC como forma de avaliação do sistema de cotas entre 2008 e 20121, foi demonstrado que a média de reprovação dos cotistas de escola pública na UFSC é considerado igual à da classificação geral. Sendo 17,1% de reprovação na classificação geral e 17,0% entre os cotistas de escola pública. Na análise por centros de ensino, a reprovação dos ingressantes por classificação geral foi maior do que os ingressantes pelo Programa de Ações Afirmativas por escola pública por mais de 2% em 5 centros, igual em 4 e menor em somente 2 centros, sendo eles o CTC e o CCJ (Centro de Ciências Jurídicas) que só tem o curso de direito.

Até que ponto a maior reprovação de cotistas do CTC é advinda da falta de base em matemática e física, como querem supor a maioria dos professores e até que ponto é devida à forma como esses estudantes são tratados e se sentem do Centro Tecnológico? Certamente a postura do professor Colle presente nos relatos não contribui para o aprendizado dos estudantes cotistas, que enfrentam em todas as aulas o peso do preconceito.

Qualquer pessoa que escutasse o relato desta reunião do POSMEC poderia se perguntar, diante das defesas proferidas em favor do professor Colle, se essas atitudes são apenas um caso isolado de um indivíduo ou se não mais comuns neste lugar do que gostaríamos de supor.

Um estudante pobre, por exemplo, com dúvidas se consegue formar-se engenheiro escuta de um professor que ali não é seu o lugar, pois ele entrou por cotas ocupando o lugar de alguém que merecia a vaga, que estaria mais preparado. Este estudante pode ser afetado de forma significativa, desmotivando-se, contribuindo para a piora do seu aprendizado.

Como engenheira que entrou na graduação com cota de baixa renda e hoje mestranda no CTC, que entrou na pós graduação sem cota alguma, digo que as minhas maiores dificuldades na graduação não foram decorrentes dos conteúdos, da matemática ou da alta carga de estudo necessária, mas sim decorrentes da dificuldade nas relações em um ambiente preconceituoso, machista, intolerante e desumanizado. Acredito que também seja assim para muitas outras pessoas.

Ainda a partir do relatório da UFSC, a análise da proporção de evasão mostra que a evasão foi maior entre os ingressantes por classificação geral do que entre os ingressantes pelas cotas, tanto de escola pública quanto negros. No CTC também é assim, os cotistas de escola pública evadem menos que os da classificação geral.

Nós, cotistas, podemos enfrentar dificuldades, mas não desistimos fácil. Nós não deixamos de aproveitar as oportunidades na universidade. Nós persistimos enfrentando, às vezes no primeiro semestre do curso, professores como o Sérgio Colle.

Por mais que seja importante debatermos a política de cotas na pós graduação, que possamos nos posicionar a favor ou contra elas, relacionando-as com o objetivo da pesquisa na pós graduação e a função da universidade na sociedade, não será culpabilizando os estudantes cotistas que conseguiremos avançar nesse debate.

O que está em jogo aqui é o papel que a universidade deve cumprir em nossa sociedade. No seu estatuto a UFSC afirma que tem por finalidade produzir, sistematizar e socializar o saber filosófico, científico, artístico e tecnológico, ampliando e aprofundando a formação do ser humano para o exercício profissional, a reflexão crítica, a solidariedade nacional e internacional, na perspectiva da construção de uma sociedade justa e democrática e na defesa da qualidade da vida. Quando professores como Sergio Colle emitem as suas opiniões asquerosas, contando com o apoio explícito e implícito de seus colegas de departamento, a universidade falha em seu principal objetivo. Seleciona quem pode e quem não pode ter acesso ao conhecimento, expulsa os filhos dos trabalhadores, constrangendo-os dentro de sala de aula, da universidade.

Esperamos que o Departamento de Engenharia Mecânica esteja à altura da missão que a UFSC se coloca, e apareça na mídia por suas pesquisas e contribuições relevantes para a sociedade. Certamente há inúmeros professores comprometidos com essa missão.

Não deveria existir uma dicotomia entre ser um bom pesquisador e respeitar os diferentes. De fato, é fundamental que um professor universitário desenvolva pesquisas relevantes, assim como é fundamental que ele aja de acordo com os valores da universidade e respeite as pessoas, independentemente de serem mulheres, cotistas, negros, ou qualquer outro grupo que aparentemente é abominável para o Colle.

Os docentes e discentes do POSMEC podem refletir sobre qual ambiente universitário pretendem construir e qual imagem o POSMEC quer passar para o restante da universidade e para a sociedade. O Programa de Pós-graduação em Engenharia Mecânica tem a chance de mostrar que está comprometido mais do que com o respeito às mulheres, aos cotistas, aos negros, mas com a missão universitária, com a socialização do conhecimento, em seu mais alto nível, sem olhar classe social, gênero, cor de pele.

Assim, convido os pós-graduandos e pós graduandas da Engenharia Mecânica a participarem das eleições para a representação discente do PÓSMEC. A votação ocorrerá no dia 05/04/2021. Se quiser ajudar de alguma forma, o e-mail [email protected] está disponível para contato.

Acredito que juntos conseguimos mostrar que a Engenharia Mecânica e o CTC evoluem e não vão mais tolerar desrespeito, preconceito e atitudes retrógradas, seja do Colle, seja de qualquer outro.

 

*O texto é de responsabilidade dos autores e pode não refletir a opinião do jornal.


1 – Relatório do Programa de Ações Afirmativas (PAA) para ampliação ao acesso à Universidade Federal De Santa Catarina com diversidade socioeconômica e étnico-racial – Avaliação do período 2008-2012 e Proposta De Revisão

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