Foto: Julia Vieira/Fotolivre.ufsc.br.
Foto: Julia Vieira/Fotolivre.ufsc.br.

[Opinião] Boas-vindas, Calouros!

João Lemos* – Redação UFSC à Esquerda – 25/08/2022

Esse semestre não será como qualquer outro (aliás, eles nunca são como os outros): é o segundo semestre após o período de ensino emergencial a distância; nossa universidade sobrevive penosamente aos cortes orçamentários que seguem acontecendo; temos tanto uma nova gestão para a reitoria quanto para o DCE (Diretório Central dos Estudantes; a última gestão ficou quatro anos); e em outubro haverá eleições presidenciais tensas, em que a possibilidade de um golpe da direita ainda não é descartado.

Como sempre, nós estudantes devemos permanecer atentos para lutar pela nossa universidade, tanto participando do movimento estudantil dentro do campus como estando a par do cenário nacional da política e da educação. Nossos novos calouros, entretanto, estarão enfrentando isso ao mesmo tempo que diante de seus olhos se descortina toda uma nova realidade: a vida universitária; para alguns, até mesmo a vida em uma outra cidade.

O começo da experiência acadêmica é de fato muito marcante, assim como a experiência da universidade em si, e é impossível passar por essa fase de forma indiferente. Muitas coisas novas acontecem para quem entra. Toda uma profusão de novas pessoas, novos lugares, novos hábitos, novos conhecimentos, novas rotinas… e tudo isso deve ser digerido no meio da efervescência do campus. Ao mesmo tempo que a história não para seu curso e que cada qual deverá acomodar essa nova realidade com as expectativas prévias, o que, às vezes, pode ser um tanto angustiante.

Por isso, preparamos esse textinho para você, calouro (ou não) que deseja já ir se situando dentro da vida política da universidade e conseguir entender melhor as coisas que acontecerão com você nos próximos dias. Todas essas novidades podem causar um pouco de ansiedade, então vamos lhe mostrar uma breve análise de conjuntura e tentar abordar algumas dúvidas e questões clássicas dos calouros. 

 

E TODAS ESSAS SIGLAS?

A primeira coisa que pode assustar um calouro são a quantidade de siglas que preenchem o vocabulário quotidiano de um universitário. As siglas que utilizamos representam muitas coisas, às vezes das mais distintas: tanto os locais físicos da UFSC, como os centros e o restaurante universitário, quanto organizações estudantis e partidárias e, até mesmo, bares.

Talvez a primeira dica que podemos dar seja a de manter a calma. Esse novo linguajar se aprende com o tempo do contato e logo, no fim de um semestre, um calouro normalmente já consegue distinguir numa conversa quando uma sigla representa uma organização socialista ou a biblioteca universitária.

A seguir, iremos tentar abordar algumas das principais siglas que julgamos importantes para localizar os calouros dentro da vida de militância da universidade.

CA: centros acadêmicos, a entidade de base

Os CAs são a entidade de organização estudantil dentro de cada curso. Ou seja, o curso de psicologia, por exemplo, tem seu próprio CA, da mesma forma que o de física e o de cinema. Os CAs possuem suas salas que normalmente servem como espaço de convivência para os estudantes do curso. Se você quiser matar um tempo ou conversar com seus colegas no CA (local) você não precisa necessariamente integrar o CA (entidade). Os membros da gestão do CA, enquanto se comprometem com a função do centro acadêmico, têm o papel de organizar a vida e o cotidiano políticos dos cursos. O CA, dessa maneira, pode promover debates e discussões, mobilizar os estudantes para algum tipo de intervenção, podem participar junto dos professores em algumas decisões que tocam a formulação do curso… Enfim, as possibilidades de atuação são diversas, tocando diretamente os estudantes do curso e, normalmente, sendo o primeiro contato ativo que os estudantes podem ter com a militância dentro da universidade.

DCE: Diretório Central dos Estudantes a entidade geral

A história do DCE é espinhosa e vale a pena ser resgatada: foi uma entidade criada durante a ditadura para coagir os Diretórios Acadêmicos (antigos CAs) a se unirem ao DCE, a fim de vigiar e delatar as divergências políticas ao regime que surgissem na universidade. Por causa disso, os CAs implementaram “livre” em seus nomes para mostrarem-se não subordinados ao DCE, e temos essa herança até hoje.

Com a redemocratização, o DCE  passou a ter outro papel dentro das universidades. Como entidade geral, o DCE reúne estudantes de diversos cursos e tem como objetivo atuar em nível mais amplo no movimento estudantil dentro do campus. Um DCE pode, por exemplo, convocar uma assembleia geral estudantil e organizar uma manifestação que convoque toda a comunidade acadêmica.

Para que a história não se repita e o DCE não exerça qualquer tipo de determinação sobre as atividades dos CAs, foram criados alguns mecanismos,  dentre eles, o Conselho de Entidades de Base (CEB). No CEB se reúnem todos os Centros Acadêmicos da universidade para discutir sobre os diversos aspectos da política universidade (geralmente existem pautas para cada reunião); as decisões podem inclusive se sobrepor àquelas tomadas pelo DCE, pois o DCE se submete às decisões do CEB.

CUn: Conselho Universitário, o órgão supremo de deliberação

Os Conselhos Universitários têm como função tomar as principais decisões políticas e administrativas da nossa universidade. Eles são presididos pelo reitor, atualmente o professor Irineu Manoel de Souza, e composto por professores, técnicos-administrativos e também por estudantes que fazem parte do DCE e da Associação de Pós Graduandos (APG).

Nos Conselhos coisas muito importantes são decididas. No Semestre passado, por exemplo, foi decidida no CUn a nomeação para a lista tríplice, e os estudantes se reuniram na reitoria para impedir que um “interventor” fosse nomeado sem sequer ter participado das eleições da reitoria. 

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Com isso vemos um pouco das siglas importantes para um estudante se situar na militância dentro da Universidade. Ainda há outras, como as que representam as organizações partidárias, os centros, porém, como dissemos, pode-se apreendê-las tranquilamente através do tempo.

 

E PORQUE ESTÁ TUDO CAINDO AOS PEDAÇOS?

Se você é calouro e está presenciando a universidade pela primeira vez deve ter se assustado um pouco com a aparência das coisas. De fato, a UFSC não é mais a mesma do tempo quando nossos professores aqui se formaram. Estamos passando por constantes e impiedosos cortes orçamentários pelo governo federal e não foi só uma vez que houve ameaças administrativas sérias que anunciaram a inviabilidade do funcionamento do campus.

No semestre passado, com o retorno ao presencial, os estudantes enfrentaram penosamente problemas estruturais nos prédios da UFSC. Quando voltamos as aulas, os gramados da universidade estavam tomados por um mato que passava do joelho. Logo na segunda semana de aula tivemos um incêndio no banheiro do CFH (Centro de Filosofia e Ciências Humanas) devido à falta de manutenção. Os TAEs (Técnicos Administrativos em Educação) entraram em greve alegando que trabalhavam sem condições dignas, em salas tomadas por mofo e infiltração. Há relatos, vindos do CFM (Centro de Ciências Físicas e Matemáticas, o famoso “labirinto”) de que o teto literalmente cai em cima dos alunos durante as aulas.

Com isso não queremos assustar você, calouro. Quer dizer, talvez um pouco, pois a situação é verdadeiramente séria. Estamos passando por mais um período de crises dentro do ciclo capitalista. O povo está mal empregado, os índices de fome sobem ao passo que também sobem os índices de lucro dos grandes bancos. O governo de Bolsonaro se preocupa mais em investir na sua influência com o centrão, na aposentadoria dos militares e em políticas eleitoreiras que pouco mudam a situação da nossa classe, ao passo que subtrai o financiamento das universidades públicas federais.

Ou seja, em partes, está tudo caindo aos pedaços pois passamos por uma crise e a classe dominante a administra de modo que quem paga as contas somos nós, a classe trabalhadora. Porém não podemos nos deixar enganar e crer que a triste situação da nossa universidade seja apenas culpa de Bolsonaro e da etapa atual do ciclo de crises. Há décadas que as universidades públicas não são mais prioridade para as políticas de ensino superior. Há um longo e minucioso processo que visa minar a universidade pública e a gratuidade do ensino, objetivando a existência apenas de instituições privadas com objetivos educacionais exclusivamente voltados às demandas do capital e ao mercado de trabalho. Um projeto melindroso que tanto já está infiltrado na nossa universidade quanto ainda tenta, de quando em quando, dar seguimento nessa invasão.

 

E COMO DEFENDER A UNIVERSIDADE PÚBLICA?

E o que podemos fazer para impedir isso? Essa pergunta pode soar estranha logo após um parágrafo que revela um pouco o peso das forças contra nós, contra a nossa universidade. Mas, na verdade, podemos fazer muita coisa.

O que não podemos fazer é cruzar os braços e pensar que o tempo vá resolver algo, ou que a simples troca do presidente da república vá melhorar a nossa situação. Se os estudantes forem ingênuos e se abdicarem da luta, pode ser o fim da universidade pública, crítica e para a classe trabalhadora, como a desejamos.

Hoje nossa situação é severa pois, além do estado precário das estruturas físicas e das condições orçamentárias, os movimentos estudantis e sindicalistas dentro da universidade passam por um momento de imobilismo. Voltamos de mais de dois anos isolados, distantes da universidade e, agora mais distantes uns dos outros do que antes da pandemia, a articulação para grandes ações contra a invasão do capital na nossa universidade encontra muitas barreiras. No passado, os estudantes pareciam mais aptos e atentos para barrar esses projetos de precarização da nossa universidade. 

Com imobilismo não queremos dizer que não há resistência atualmente. Há, e muita. Você calouro vai perceber aos poucos a quantidade de pessoas engajadas na militância aqui dentro. Tem muita gente fazendo muita coisa pela classe trabalhadora. Porém, a maioria de nós reconhecemos que já fomos maiores, mais organizados e certeiros nas nossas reivindicações.

A universidade que você está entrando, calouro, existe como ela é por causa das lutas da nossa classe no passado. Nossa história revela que elementos hoje imprescindíveis para permanecermos estudando na universidade foram conquistados através de reivindicações dos estudantes. Não foram simplesmente dados. Como exemplo temos o nosso tão querido e necessário RU (Restaurante Universitário) como ele é hoje e muitas outras políticas de permanência.

E isso, uma vez conquistado, não significa que está assegurado. Se tivemos que que lutar para conseguir, temos que lutar para manter. Nossas conquistas são constantemente ameaçadas e, como dito, deixar de lutar por elas seria entregá-las de mão beijada para a classe dominante. Para isso, para continuarmos lutando, é importante saber que sozinhos, isolados, pouco podemos. Se você calouro quer defender o seu futuro nessa instituição, o próprio futuro desta universidade, e o direito de educação pública e de qualidade para nossa classe, é importante você se unir à militância. 

Você logo irá perceber, também, que a militância não é uma coisa só, unificada. Há diferentes frentes de esquerda atuando na universidade, de modo que estamos divididos de forma complexa aqui dentro. Perceber e entender superficialmente isso é simples, porém compreender o que nos divide é complexo e necessita de alguma dose de resgate histórico e análise de conjuntura. Com isso não queremos desincentivar você, calouro, a se juntar a qualquer forma de luta. Pelo contrário, lhe encorajamos a se envolver o máximo possível nessa causa e não temer conhecer a fundo o passado e a razão das coisas. Só assim podemos traçar caminhos verdadeiramente eficientes para nossa luta. 

Mas por onde começar? Lembra das siglas ali em cima? Participar do CA de seu curso é um bom ponto de partida. Provavelmente eles serão receptivos e não colocarão barreiras, ao contrário, vão lhe explicar, como podem, a situação das coisas. É uma boa forma de começar a socializar também, na militância desenvolvemos laços afetivos importantes. Se o seu curso não tiver um CA ativo e receptivo, nada lhe impede de participar das atividades integrativas e formativas dos CAs de outros cursos, ou mesmo de qualquer outro coletivo pelo campus. Vai ter pessoas chamando você para militar, isso é certo. Nossa dica, portanto, é de se envolver o máximo possível, de peito aberto, porém sempre atento, buscando compreender e se informar sobre nosso passado e nossa conjuntura através de fontes confiáveis e dedicadas com a educação e a classe trabalhadora.

 

TÁ, MAS E PORQUE DEFENDER A UNIVERSIDADE PÚBLICA?

É uma pergunta que pode parecer óbvia, mas não é tanto assim. Porque queremos uma universidade gratuita e de qualidade? Para quem queremos? Como queremos que ela seja? Quais propósitos ela deve servir? Estamos dentro dela, quando se entra aqui, herda-se todo um passado de luta estudantil que formou, em partes, essa instituição como ela é hoje. O que fazemos com essa herança, com essa missão?

Na verdade, nossas universidades estão em uma posição ambígua. Por muitos anos as universidades e o ensino superior no nosso país serviram principalmente em prol da manutenção da lógica capitalista, formando indivíduos da classe privilegiada para os interesses dessa classe, mantendo as relações de exploração social do trabalho. Através das lutas dos trabalhadores e a partir dos arregos da constituição federal de 88, espera-se que, hoje em dia, as universidades públicas brasileiras sejam populares.

Dessa maneira, uma universidade deve servir aos interesses da classe trabalhadora. Assim, é imprescindível que ela seja pública, gratuita, laica e universal. Mas não só isso. Ela deve deixar de ser veículo de internalização do senso comum capitalista (ou seja, alienação), deve formar cidadãos aptos a pensarem em alternativas para esse sistema e dar a esses cidadãos conhecimentos que estes possam construir condições materiais rumo à uma sociedade mais justa e igualitária.

Não podemos afirmar com toda segurança que nossa universidade é popular. Primeiro, pois as universidades federais barram do seu universo a maioria da população, que não consegue ingressar nessas instituições devido ao sistema excludente dos vestibulares (aliás, parabéns por ter passado no vestibular, calouro!). Segundo, pois ainda hoje muitos cursos lecionam saberes e práticas que, se analisados, revelam suas serventias ao modo de pensamento e produção capitalista. O capital privado consome a universidade e em vários centros de ensino dita o que é pesquisado e estudado e o que não é. A maior parte do corpo docente constrói seus respectivos cursos visando principalmente o mercado de trabalho e as expectativas imperialistas de uma formação em um país capitalista dependente. Desse ponto de vista, nossa universidade não é popular.

Porém, no coração de Florianópolis – capital reconhecida e glamourizada pelo seu “desenvolvimento”, que a cada ano que passa arrocha cada vez mais sua população com preços abusivos de alugueis e de cestas básicas – a nossa UFSC ainda parece ser um dos locais mais férteis para se pensar em uma alternativa a tudo isso. Concentramos muitos jovens, professores e servidores preocupados com os rumos que seguem nosso país e, entre eles, há pessoas com muita energia para pensar e mobilizar práticas revolucionárias.

É por esse caminho, calouro, que podemos começar nas razões que temos  para lutar pelas nossas universidades públicas e federais. Elas não são perfeitas e dentro de si carregam várias contradições – que podem ser exploradas por nós. Porém elas ainda representam, de forma muito significativa, a função de formar cidadãos críticos numa atualidade em que isto é cada vez mais desvalorizado. Deixar essas instituições serem dominadas pelo interesse privado certamente será uma enorme perda para a classe trabalhadora e, por causa desta, devemos lutar para que a universidade seja ainda mais popular e acessível.

Aliás, você já parou para se perguntar por que se chama “universidade”? Se formos remontar os primórdios idealistas que fundaram as primeiras instituições de ensino chamadas de universidade, encontraremos um objetivo de formação ampla, sem barreiras entre os cursos, em que as áreas do conhecimento pudessem conversar e se articular entre si e onde as artes e o saber estético também seriam valorizados como forma de desenvolver a cultura. Ou seja, a universidade remonta à universalidade, à totalidade do saber. Na UFSC estamos longe desse ideal, mas temos um pezinho nele.

Nosso campus, apesar de estar caindo aos pedaços e do imobilismo do movimento estudantil (se recuperando aos poucos do trauma pandêmico), ainda é um lugar que pulsa. Aqui, calouro, você vai ser impelido a estudar, conhecer, sentir e amar uma parte da cidade que, infelizmente, poucos podem vivenciar. Há muita gente, muitos problemas, muitos corações, muita arte por aí para se desfrutar. Há muitas possibilidades, realmente, e irá caber a você trilhar seu caminho por esse “universo universitário” amplo, carregando todo o fardo de seu passado e de seu futuro. 

Diante de tudo isso que se descortina diante de você, calouro, você deve tomar uma escolha: ou você se engaja, ou se torna indiferente.

Lembre-se que você ocupa uma cadeira em uma universidade pública, que muitas outras pessoas desejariam estar em seu lugar e que ele tem uma função social. Esperamos que você não tome o caminho da indiferença, esperamos que você escolha se unir conosco e participar da luta para que possamos sobreviver. É um desafio, certamente. Mas talvez seja um bom motivo para dar à existência, às vezes tão assolada pelo individualismo sem sentido da pós-modernidade.

É um desafio, mas você não estará sozinho. Muitos estarão contra você, certamente, porém muitos estarão do seu lado. Nós estaremos aqui te apoiando, te informando e te auxiliando nessa missão, tentando trazer o mais importante para a vida da UFSC aqui no jornal.

 

Acompanhe e conheça nosso jornal

O UFSC à Esquerda é um coletivo jornalístico formado em meados de agosto de 2013 em Florianópolis (SC). Em 19 de agosto de 2013, publicamos nosso primeiro texto “A UFSC foi cercada pelo imobilismo” em que fazíamos duras críticas às forças da esquerda que atuam na Universidade por meio da crítica ao cercamento físico do campus da Trindade (UFSC).

Tratava-se naquela época de um conjunto de militantes, provindos de diferentes organizações e partidos políticos, inconformados com os rumos tomados pela esquerda e pela universidade brasileira. Aquele texto deu vazão a essa angústia e, quando percebemos a necessidade de uma retomada rigorosa das análises socialistas e marxistas, nos tornamos um coletivo.

Leia nossa apresentação na íntegra. 

 

* Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, as posições do Jornal.

 

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