Imagem: Montagem UFSC à esquerda com fotos de arquivo do Jornal. Foto Alacoque: Silvio Teixeira e Júlio Cancellier/ Flicker. Foto: Cátia arquivo pessoal/ noticias ufsc.
Maria Fernandez – Redação UFSC à Esquerda– 10/04/2021
Antecedentes da falta de sincronia de mandato de reitor e vice:
A UFSC viveu uma situação incomum em relação às eleições de reitoria no último período. Com a morte trágica do reitor Luis Carlos Cancellier em outubro de 2017, pairou por um longo tempo na universidade a questão da sua sucessão. Optando a vice-reitora à época, Alacoque Erdmann, por continuar no cargo de vice, tivemos a eleição de um novo reitor em 2018, Ubaldo Cesar Balthazar, que manteve a vice eleita do processo anterior. Esse fato acarretou uma falta de sincronia entre os mandatos de reitor e vice.
Assim, o prazo do mandato da vice-reitora se findou e ela ainda chegou a ter o cargo prorrogado por portaria do reitor até 31 de dezembro de 2020, já que seu mandato inicial era de maio de 2016 a maio de 2020. Enquanto isso, o reitor Ubaldo tem previsão para o fim do seu mandato só em 03 de julho de 2022.
O mandato de vice-reitor é uma prerrogativa do Reitor, enquanto o reitor tem que ser nomeado pelo Ministério da Educação (MEC). Assim foi em 2016 quando o Reitor Luís Carlos Cancellier foi investido por meio de lista tríplice, e que uma vez investido e empossado designou a vice-reitora Alacoque. Cabe ressaltar que esta lista tríplice foi formada após processo de consulta à comunidade universitária, que participou de um processo de campanha e debate entre os candidatos, antes que o conselho universitário pudesse definir uma lista com três nomes a serem enviados ao MEC.
Anúncio da indicação do reitor
Este imbróglio já era conhecido na universidade desde a eleição do Ubaldo e, portanto, houve tempo hábil para ser debatido com a comunidade de forma aprofundada. Entretanto, foi levada ao Conselho Universitário (CUn), em Sessão Solene do dia 18/12/2021, apenas como um informe já anunciando a nova vice-reitora. É possível verificar nas notícias institucionais que, no dia 18/12, Ubaldo anunciou Cátia Regina Silva de Carvalho Pinto para o cargo de vice-reitora da UFSC com mandato a iniciar em janeiro de 2021. Já no dia 23/12/2021 há uma notícia institucional apresentando Cátia como nova vice-reitora.
Como um informe no final de uma sessão solene, em comemoração aos 60 anos da universidade, sem ter sido trazida à discussão, o anúncio gerou grande surpresa e mesmo indignação diante da falta de participação da comunidade diante de tema tão sensível para a universidade. Afinal uma vice-reitora pode vir a assumir um papel significativo nos rumos da gestão universitária.
A indicada
Cátia Regina Silva de Carvalho Pinto, segundo notícias da UFSC, foi diretora do Campus de Joinville entre 2014 e 2020. Ela é “professora do Departamento de Engenharias da Mobilidade do Centro Tecnológico de Joinville, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental do Centro Tecnológico (CTC) e do Mestrado Profissional em Perícias Criminais Ambientais do Centro de Ciências Biológicas (CCB), com atuação nas áreas de controle de poluição e avaliação de impactos ambientais”.
Ainda sobre a candidata, em matéria veiculada na edição nº 138 de janeiro de 2021 do Jornal Circulação do Sintufsc, Cátia é apresentada como pessoa de perfil controverso. A matéria expõe relatos de assédio moral no trabalho durante sua gestão em Joinville. Há relatos de coação dos trabalhadores para que se posicionassem em favor do então candidato Ubaldo durante as eleições de reitoria. Cátia também atuou no CUn atrasando o processo do Regimento do Centro Sócio-Econômico (CSE).
Cátia também teve importante papel na articulação da ida do campus de Joinville para o Perini Business Park. No momento de inauguração das instalações o então reitor pro tempore, Ubaldo César Balthazar, afirmou que “aqui é a semente de um novo modelo institucional que começamos”, demonstrando já nesse momento um alinhamento com uma determinada concepção de universidade de ambos. Cátia tem sido aclamada por muitos professores por ser uma representante de um dos campi, e não da sede, podendo esse fato contribuir com o olhar para os demais campi. Entretanto parece que é esse posicionamento vinculado ao empresariamento cada vez maior da universidade, sua completa submissão aos interesses privados o ponto mais importante de sua designação.
Apreciação no Conselho Universitário
Por conta repercussão da indicação abrupta da vice-reitora, inclusiva com manifestações do sindicato dos professores , a reitoria retrocedeu e na sessão do CUn de 23/02/2021 a apreciação da indicação de docente para função de vice-reitor(a) entrou na pauta. O processo digital nº 23080.003220/2021-81 proposto pelo Gabinete da Reitoria teve o professor José Isaac Pilati como relator.
O Parecer
No seu parecer o relator contextualiza que o reitor Ubaldo realizou uma consulta a procuradoria federal questionando sobre a possibilidade do reitor nomear vice-reitora sem a necessidade de submeter o nome escolhido a apreciação do MEC e do CUn, demonstrando uma insegurança jurídica da gestão nos procedimentos necessários legalmente para essa escolha.
O parecer da procuradoria ressalta que a legislação prevê explicitamente a necessidade de lista tríplice na escolha de “Reitores e Vice-Reitores de universidades”, esta lista pode ser formada no CUn sem prévia consulta informal à comunidade universitária. A consulta informal é procedimento facultado segundo a legislação (lei 5.540/1968, com a redação da lei 9.192/1995; Decreto n° 2.014, de 26 de setembro de 1996; Portaria MEC nº 1.048, de 14 de outubro de 1996).
Ainda em seu parecer, a procuradoria indica que não há necessidade de envio de lista tríplice ao MEC já que se delegou aos reitores a tarefa de designar o vice. Outro ponto considerado no parecer é a vigência do mandato já que não seria interessante que a aberração de um mandato não coincidente entre reitor e vice continuasse. Apesar de haver previsão legal para um mandato de 4 anos, há a indicação da possibilidade do reitor indicar como vice-reitor pro tempore por período inferior.
A partir desse parecer da procuradoria, o relator Pilati constrói seu relato defendendo que não haveria necessidade de composição de lista tríplice, mesmo quando a procuradoria deixa clara a necessidade de sua realização. Após a leitura do relator houve intenso debate entre os conselheiros, primeiro pontuando os principais problemas jurídicos, visto que o parecer contraria as orientações da procuradoria e deixaria a indicação do reitor em uma posição de fragilidade jurídica.
Além disso, alguns conselheiros trouxeram o problema de tratar a eleição de vice-reitor como mera formalidade burocrática sem um real processo de defesa de um determinado programa político de gestão pelos possíveis candidatos, sem a exposição dos candidatos a um real escrutínio público que os comprometesse minimamente com a comunidade universitária.
Essas defesas pela democracia foram ridicularizadas por grande parte do conselho, que chamou os críticos de “legalistas” e que questionaram a quem interessaria uma “defesa da democracia”. O conselho e a gestão desta universidade reduziram um processo político de escolha de um dirigente de uma universidade pública a uma mera formalidade.
Apesar de a maioria do conselho caminhar para uma aprovação do parecer do professor Pilati, a gestão decidiu recuar diante da falta de amplo apoio. Assim acabou por ceder a possibilidade da criação de uma comissão com atribuição de sugerir ao conselho um procedimento para escolha de um vice a partir da criação de uma lista tríplice.
Criação de comissão para composição de lista tríplice
A comissão sobre o processo de escolha dos candidatos para compor lista tríplice para eleição da vice-reitoria. As inscrições ficaram abertas até 15/03, data em que foram homologadas.
A lista, conforme o edital nº 02/2021 do Conselho Universitário (CUn), foi composta pelos inscritos:
1.Alexandre Verzani Nogueira,
2.Cátia Regina Silva de Carvalho Pinto e
3.Edmilson Rampazzo Klen.
A formação da lista tríplice no CUn
Os candidatos passaram por escrutínio secreto na plataforma digital e-Democracia, durante sessão especial do Conselho Universitário em 06/04. A reunião quase não teve espaço para debate, mesmo assim alguns questionamentos surgiram como questão de ordem. Houve um questionamento sobre o tempo de mandato que o eleito para vice teria, e o reitor Ubaldo inicialmente afirmou ser de 4 anos, o que manteria a disparidade entre os mandatos de reitor e vice.
Ao longo do debate vários conselheiros pontuaram o problema de manter essa disparidade e houve quem afirmasse a necessidade minimamente dos candidatos se comprometerem publicamente com o prazo do mandato. Entretanto, a comissão explicou que a Resolução nº 01/2021/CUn, que constituiu a comissão, previu a eleição de vice-reitor pro tempore, o que já desobrigaria do cumprimento dos 4 anos de mandato e permitirá que a vice termine o mandato junto do reitor.
Houve uma solicitação de que os candidatos se apresentassem, mas Ubaldo informou que os candidatos não teriam sido convidados para fazer fala na reunião, e que eles “eram pessoas conhecidas”. Novamente a gestão da universidade minimiza a importância do debate público e da participação universitária.
Durante a sessão houve um atraso para o cadastro dos votantes na plataforma, a sessão ficou aberta até as 22h para permitir a votação dos conselheiros, como nesse horário já não havia quórum, nova sessão foi convocada para encerrar o processo e homologar o resultado no dia 09/04.
O resultado da votação secreta foi que de um total de 69 votantes cadastrados, 59 realizaram a votação. Destes 4 votaram em Alexandre Verzani Nogueira; 37 na candidata já previamente indicada pelo reitor Cátia Regina Silva de Carvalho Pinto, 4 votaram em Edmilson Rampazzo Klen e 14 conselheiros votaram em branco.
Na sessão chamada para 09/04 o único ponto de pauta foi a homologação dos nomes para compor a lista tríplice e aprovação da ata da sessão do dia 06/04. A sessão ainda se estendeu para que os conselheiros pudessem aprovar a ata do mesmo dia, devido a pressa da gestão para poder designar a candidata de sua escolha. A composição da lista tríplice foi homologada por ampla maioria e o reitor anunciou que nomearia Cátia, que foi a mais votada e que já era sua escolha noticiada desde dezembro de 2020. Cátia foi convidada a entrar na sala com o anúncio de Ubaldo de que ela será designada nas próximas horas. Ela falou brevemente afirmando agregar a gestão do professor Ubaldo e que já conhece a gestão, foi parabenizada por muitos conselheiros e respondeu algumas dúvidas, sempre destacando a importância do processo democrático (SIC).
Nas falas dos conselheiros apareceu a preocupação com a próxima eleição de reitoria, se ela ainda se dará no contexto do ensino remoto e da pandemia e que seria importante que o Conselho começasse a debater essas possibilidades. Ubaldo indicou que eleição ainda pode ser no próximo ano, em torno de março, em sua fala afirmou não querer começar uma participação de debates ainda em 2021. Outros conselheiros relembraram ainda os perigos em relação a uma possibilidade de um interventor como tem ocorrido em outras instituições.
Consulta pública e a democracia universitária
A universidade mantém ao longo da sua história a prática de realizar uma consulta pública, ou informal, à comunidade para escolher seus reitores, inclusive na maioria das universidades esse processo amplia a participação prevendo o voto paritário entre as categorias. Esse processo de consulta a toda a comunidade não é obrigatório de acordo com o decreto que regulamenta a escolha de dirigente (decreto Nº 1.916, de 23 de maio de 1996), entretanto as universidades a realizam por compreender a importância da participação efetiva da comunidade na escolha daquele que vai gerir os caminhos da instituição.
Como uma instituição com autonomia voltada para construção de conhecimento crítico, a escolha de seu reitor e vice, não pode ser uma mera formalidade de escolha de um gestor, mas precisa ser um processo em que os candidatos possam expor suas concepções e projetos para a universidade, para que possam ser confrontando e cobrados. Diante de um cenário em que mesmo a legislação rebaixada sobre eleição de dirigentes de instituições de ensino superior tem sido deturpada pelo governo federal, com vários exemplos de interventores escolhidos sem respeito a consulta da comunidade universitária, a UFSC perde a chance de demonstrar novamente seu apreço pelo processo democrático.
Nas falas da gestão e de muitos conselheiros a democracia é ressaltada como valor fundamental, mas o que acompanhamos de fato é que as decisões importantes são tomadas nos gabinetes apartadas da participação de sua comunidade. E os procedimentos chamados democráticos aparecem apenas como um teatro para legitimar o que já foi definido por alguns. Retomo aqui um questionamento feito por Marcos Meira em texto deste Jornal em 2018, durante o período eleitoral, em que discutia o futuro da universidade:
…qual o modelo de universidade que o país necessita?
É nesse sentido que o papel da denúncia se torna razoável: a verdade é que todos os modelos universitários, todas as decisões verdadeiramente estratégicas passam ao largo dos debates abertos e democráticos com sua comunidade universitária e com a sociedade catarinense. Essa atitude fatalmente antidemocrática, e que se instalou como normalidade em nossas consciências, procura camuflar que, se nós não estamos sendo indagados sobre qual universidade queremos é porque outros estão ocupando o nosso lugar.
Essa afirmação de 2018 segue presente e o processo de escolha de uma vice-reitora sem participação em nenhum debate público é só mais um exemplo disto. Enquanto não assumimos a tarefa de pensar o futuro de nossa universidade um projeto de futuro, que não é o nosso e do qual muitas vezes nem tomamos conhecimento, segue sendo efetivado.