Imagem: mohamed hassan/PxHere
Nina Matos – Redação UàE – 09/09/2020
Publicado originalmente em Universidade à Esquerda.
A pandemia gera oportunidades. Esse é o lema que tem guiado diversos setores do empresariado em suas apostas nesses últimos seis meses de crise sanitária, aliada a econômica. Esta crise impôs sobre a classe trabalhadora a conta de uma política irresponsável, que se fez sentir nas pequenas economias das famílias como um trágico declínio.
Para o ramo da educação, tratando-se em especial da educação superior, as oportunidades estão escancaradas. A impossibilidade de uma continuidade presencial, aliada a força dessas empresas sobre a manutenção das altas mensalidades, colocou os currículos de seus cursos no formato de ensino à distância (EaD), modalidade muito valorizada por tais instituições, sob o codinome de “ensino remoto”.
Atualmente, a proporção de estudantes matriculados em instituições públicas, em comparação com as instituições privadas, se aproxima de 1 para 4, de acordo com o último Censo da Educação Superior¹. A mesma proporção também é verificada nas matrículas em cursos EaD, sendo que 90% dos alunos dos cursos EaD são de instituições privadas.
Apesar de sua história ter iniciado no seio das universidades públicas, sob o discurso da expansão do acesso, esses dados mostram-nos que o EaD é uma modalidade mais querida entre as privadas atualmente. As mais recentes declarações da Cogna expressam que esse investimento não é por uma constatação de que o EaD é pedagogicamente melhor, mas sim de que, em muitos casos, é mais lucrativo.
No EaD, há a possibilidade do professor ter muito mais estudantes do que seria possível com o ensino presencial e as empresas exploram de todos os jeitos possíveis aumentar essa relação. Utilizando-se da segmentação do trabalho docente em diversas partes — com o uso de apostilamento, da contratação de um “terceirizado” para redigir as avaliações — e até mesmo com a obliteração da presença de qualquer docente em determinadas funções, como foi o caso da Laureate, denunciada pela utilização de inteligência artificial para a correção de avaliações².
Agora, em meio a pandemia, aproveitando-se da implementação do ensino remoto, validado também pela adesão das universidades públicas, as instituições privadas promoveram demissões em massa de professores, delegando um número cada vez maior de estudantes por professor. Tratando docentes como descartáveis, as demissões chegaram até mesmo por meio de pop-ups que impediam os docentes de acessar o sistema e de se despedirem dos estudantes.
Com a experiência do ensino remoto, a aposta das empresas de educação é que agora será mais aceitável aos estudantes a hibridização ou até mesmo a completa integralização para o EaD. Este é, por exemplo, o objetivo da Cogna para ampliar ou manter sua taxa de lucro crescente frente a uma crise da qual não temos certeza sobre possíveis desdobramentos.
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Uma forma muito vantajosa de alcançar esse objetivo é destruir o que significa a experiência do ensino superior, com o desmantelamento de seus currículos e a espoliação de todo o espaço universitário. O EaD consegue congregar em sua forma todas as ações necessárias para que o capital saia, mais uma vez, no lucro.
A redução no quadro de docentes associada a alienação completa de seu trabalho, somado ainda ao fechamento de diversas unidades que abarcam as matrículas mais baratas dão-nos um vislumbre do destino da educação. Os estudantes mais pobres, matriculados nesses cursos de menor prestígio social — como pedagogia ou as licenciaturas — receberão a pior educação mesmo quando chegarem ao ensino superior.
O diploma que antes era almejado pelas famílias mais pobres a seus filhos, aquele canudo que prometia uma melhora na qualidade de vida como um todo, não cumprirá mais o mesmo papel. A oportunidade de garantir um aumento no salário, melhores condições de emprego, o grau de conhecimento científico, filosófico e artístico ficará restrita apenas aqueles que puderem pagar por uma experiência completa na universidade — uma experiência mais cara, incompatível com os salários da maioria.
De um lado, uma experiência premium com laboratórios, um clima propício, a troca entre colegas e professores dentro da sala de aula garantirá a maior possibilidade do estudante conseguir aprender de fato.
Do outro lado, o pacote básico de ensino superior via EaD — reservados a uma determinada classe, com mensalidades mais em conta — que garante apenas uma relação fria com um professor que sequer corrige suas avaliações e que pode dividir essa tarefa entre tutores, monitores, reduzindo a autonomia e aumentando o apostilamento.
Essa divisão promoverá sob o mesmo título trajetórias tão distintas que raramente levarão a mesmas oportunidades. Se não for apenas pelo próprio estigma que certas instituições carregarão em seus nomes, a precariedade da educação recebida também poderá marcar a falta de uma base mais sólida, amparada no conhecimento mais denso e robusto que possuirão aqueles que puderem fazer a “experiência premium” na graduação.
Todo este histórico das instituições privadas, do EaD, perpassado agora pelas “oportunidades” da pandemia, servem-nos como alerta de que a defesa pela educação precisa garantir não apenas uma maneira de formar estudantes a fim de unicamente garantir diplomas. Essa certificação em massa é justamente a defesa dessas grandes empresas, difundida por seus aparelhos privados de hegemonia.
Qual é, portanto, a educação que queremos para a totalidade da classe trabalhadora? Em princípio, precisa ser uma educação indiscutivelmente libertadora, que aprofunde a capacidade de crítica, que forneça os elementos que forem necessários para o desenvolvimento da ciência, da filosofia e das artes. Deve ser uma educação que não mede esforços para garantir a todos, não só a uma pequena parcela, as experiências mais ricas e não aquela que tolhe e limita em prol dos lucros em troca de um simples papel.
¹ Censo da Educação Superior referente ao ano de 2018.
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