Anúncio da mudança de nome de Kroton para Cogna Educacional. Foto: Facebook de Rodrigo Galindo
Maria Alice de Carvalho – Redação UàE – 25/08/2020
Publicado originalmente em Universidade à Esquerda
A Cogna Educação, maior empresa educacional do país, irá se reestruturar após pandemia da Covid-19 com o objetivo de gerar mais margem de lucro, caixa e atrair investidores. A alteração mais significativa da empresa será em sua divisão do ensino superior, a Kroton, com redução dos cursos de graduação presencial e sua substituição por cursos a distância.
A Cogna é o maior oligopólio educacional do Brasil. Em 2016, o grupo concentrava 877 mil matrículas (presenciais e EaD), enquanto o segundo maior grupo, a Estácio de Sá, continha 436 mil estudantes matriculados.
A Cogna oferece, através da Kroton, 59 cursos presenciais, os quais passarão a ser cerca de 15 após a reestruturação. A Kroton possui, hoje, 292 mil estudantes matriculados no ensino presencial e 552 mil no ensino a distância.
Os cursos que permanecerão presenciais serão aqueles de maior mensalidade, como medicina, direito, odontologia e medicina veterinária. Aqueles cursos que possuem baixa mensalidade passarão a ser digitais.
O presidente da Cogna, Rodrigo Galindo, ainda deu o exemplo de que um mesmo curso, como administração, que seja oferecido em uma instituição que atenda a um público de renda maior permanecerá sendo presencial, porém, esse mesmo curso ofertado em uma instituição para um público com menor renda será transposto para a modalidade a distância.
“Estamos mais restritivos com alunos que geram pouco caixa. Estamos fazendo redução do presencial e queremos fazer isso de forma ágil e intensa e focar no EaD e plataformas digitais, o que deve ajudar o crescimento da geração de caixa no médio e longo prazos”, apontou Galindo.
Uma das justificativas apontadas por Galindo para essa reestruturação, é de que a estrutura da Cogna “era para um cenário com Fies e sem covid. Hoje, não temos Fies e temos Covid”.
O Financiamento Estudantil (Fies), do governo federal, tem servido como transferência de fundo público para esses grandes grupos educacionais há anos, inclusive ajudando a criá-los como verdadeiros oligopólios da educação brasileira. A posição é do pesquisador Allan Kenji Seki, que estudou a construção desses oligopólios em sua pesquisa de doutorado.
“O Fies permitia a essas instituições, que hoje são oligopólios, fazer a matrícula dos estudantes e, o que é mais importante no caso dessas instituições, fazer isso em troca de certificados de dívida pública, […] o que permitiu uma concentração de títulos de dívida enorme na mão desses oligopólios”, afirmou Seki, em entrevista ao Jornal UFSC à Esquerda
Para Seki, com a escassez de recursos do fundo público que vivenciamos atualmente e, consequentemente, com a restrição do Fies, “esses gigantes que surgiram na educação brasileira agora competem diretamente com os recursos que são destinados para as instituições públicas. E eles têm instrumentos, que são os aparelhos privados, constituídos exclusivamente para isso, para disputar os interesses da sociedade brasileira e colocar os seus interesses privados como se fossem os interesses gerais.”
Neste cenário, o ensino a distância, para essas empresas educacionais, ganha cada vez mais importância, na medida em que o número de matriculados nessa modalidade vem crescendo e, ao mesmo tempo, que programas de transferência de fundos públicos não conseguiram se converter para o financiamento das matrículas nessa modalidade.
“Existe hoje no Brasil um pouco mais de 2 milhões de matrículas nas instituições públicas. Nas instituições privadas, só no ensino a distância, existe mais de 1,6 milhõe matriculados”, afirma Seki.
Através de seus estudos na área da educação, com foco no ensino superior, Seki apresenta que, sem a pandemia, caso a situação permanecesse de crescimento linear, em 4 ou 5 anos as instituições privadas já teriam matriculados em seu comercio de ensino a distância mais estudantes que todas as instituições públicas juntas teriam no ensino presencial.
O avanço da modalidade a distância deve provocar modificações pedagógicas no interior dos grandes grupos e da educação superior como um todo. O avanço dessa modalidade expressa que há, para essas instituições privadas, interesse em um modelo de ensino que passa a “determinar a forma pedagógica, a forma institucional, a relação de trabalho e os conteúdos formativos da formação de ampla parcela da juventude brasileira”, aponta Seki.
Com a pandemia, a Cogna considera que a adesão ao formato remoto de ensino em grande parcela das instituições de educação, incluindo as universidades públicas, reduziu a repulsão em torno do ensino a distância, uma vez que muitos foram obrigados a migrar para essa modalidade de ensino.
“Do ponto de vista dos oligopólios, é muito importante legitimar as formas de ensino a distância. Justamente porque essa não é uma preocupação recente, é uma preocupação de décadas. Os grandes empresários do ensino viam com muita preocupação o fato de que os estudantes e as famílias brasileiras olham para o ensino a distância como uma forma mais precária de acesso ao ensino e reconhecem que o ensino presencial nas instituições públicas é uma referência de máxima importância para as famílias”, afirma Seki.
As universidades federais e estaduais, referências em um ensino robusto e substantivo, foram chamadas a validar a educação a distância, a legitimá-la socialmente para os estudantes e famílias brasileiras.
E a este chamado, as universidades públicas responderam da pior forma possível. Atualmente, a maioria das universidades já estão com atividades na modalidade a distância ou se preparando para retomar os trabalhos remotamente. As universidades públicas paulistas, referências nacionais, aderiram prontamente ao EaD logo após o começo da pandemia.
O presidente da Cogna, diante disso, afirmou em teleconferência que aqueles estudantes antes resistentes ao ensino online hoje preferem um curso híbrido equivalente e que a empresa aproveitará, então, para fazer essa mudança que reduzirá os custos da companhia.
O ensino a distância se mostra, para as grandes empresas educacionais, como mais vantajoso, tendo em vista que permite menor gasto com folha de pagamento e maior massa de matrículas. O número de professores contratados é menor para uma maior massa de estudantes, uma vez que o número de pessoas assistindo um vídeo pela internet pode ser muito superior ao que comporta uma sala de aula.
A Anhanguera Educacional Ltda (do grupo Cogna) chega a ter uma relação professor-aluno chocante. Em média, havia 1.737 alunos por professor. Algo impossível na modalidade presencial.
A concentração de matrículas é a principal preocupação para essas instituições no que tange sua receita, ou seja, sua venda de serviços, de produtos e aplicações financeiras.
De acordo com Seki, essa importância se dá pois, “em primeiro lugar, permite a venda de matrículas e o pagamento de mensalidades, então se apropria de uma parcela do fundo de vida das famílias, em troca do comércio da educação. Em segundo lugar, é muito importante para eles concentrarem um enorme número de matrículas porque uma parcela significativa dessas matrículas, que em alguns momentos chegou a quase 60% da receita dessas instituições, vem atrelada a programas de isenções tributárias, como o Prouni, a troca de tributações por bolsas para estudantes e outros programas que vão surgindo no mesmo sentido, como o Proies”.
A reestruturação da Cogna mostra que a legitimação do ensino a distância pelas instituições públicas de ensino contribuiu para a abertura de uma grande oportunidade de crescimento para os oligopólios da educação e de aumento de sua margem de lucro, mesmo em período de escassez do fundo público.
As palavras da Levante Ideias de Investimento, empresa que atua no mercado financeiro, deixa claro o cenário:
“O mundo pós-pandemia deve trazer mudanças nos sistemas de ensinos 100% presenciais. Entendemos que o processo de hibridização do ensino que já vinha acontecendo no ensino superior será fortemente acelerado neste novo cenário e a Cogna está em uma boa posição para capturar valor com essa nova realidade no médio e longo prazo”.