Imagem: UFSC – Divulgação do Conselho Universitário
Flora Gomes – Redação UFSC à Esquerda – 28/06/2021
Para a próxima sessão do Conselho Universitário (CUn), no próximo dia 29 (terça-feira), estão pautadas as duas resoluções que alteram profundamente a Pós-Graduação na UFSC. A Resolução Normativa/095 muda a principal minuta que rege a Pós-Graduação stricto sensu. Já a Resolução Normativa/015 traz modificações à lato sensu.
Chama a atenção que essas normativas estão sendo encaminhadas para votação no órgão máximo de deliberação da universidade, sem a ciência do corpo universitário acerca de seu impacto. Programas e centros de ensino – e consequentemente a grande maioria dos estudantes e professores – não estão acompanhando essas transformações.
Conforme apontamos anteriormente, essas duas resoluções não tratam apenas da constituição de um regramento. Elas modificam e institucionalizam diversos mecanismos profundamente deletérios para a dinâmica da pesquisa na universidade.
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Resolução 095
As modificações da 095 incidem de diversas formas sobre a pós-graduação stricto sensu. Há a possibilidade de reduzir o tempo e a qualidade na formação de pesquisadores, já que serão facilitados os mecanismos de “upgrade” do mestrado ao doutorado, descaracterizando o que significa a trajetória de uma formação densa e de qualidade.
Além disso, a nova resolução também traduz uma tendência que é extremamente deletéria e já se faz presente em diversos outros países. Nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, por exemplo, o mestrado e o doutorado deixaram de fazer parte do percurso de formação do professor-pesquisador, como efeito da Reforma Universitária de Bolonha,. O mestrado acaba sendo destinado apenas à formação de professores, possuindo um caráter de suprir, de forma simplificada, alguns dos conteúdos que não foram apresentados na graduação, a qual acaba sendo mais curta em razão da possibilidade de complementação da formação com o mestrado. Já o doutorado acaba sendo o caminho imediato daqueles que pretendem seguir na pesquisa.
A normativa também possibilita que cursos sejam fornecidos fora da sede da UFSC. Tendo em vista a presença cada vez maior de parcerias público-privadas para o desenvolvimento de pesquisas, essa alteração na resolução abre margem para que haja uma maior intimidade entre a produção científica e as demandas imediatas do mercado de trabalho. Ademais, também há uma descaracterização do significado da pesquisa no interior do espaço universitário, já que este traz impactos para o caráter da produção de conhecimento. É radicalmente diferente desenvolver uma tecnologia quando a construção da pesquisa está permeada por um ambiente empreendedor-empresarial.
Outro mecanismo instituído com as alterações é a possibilidade da permanência do modelo remoto, já que há a inclusão de discentes na participação de reuniões e colegiados online mesmo após o fim da pandemia. Se antes a regra era de reuniões presenciais com a abertura da participação online para professores que realmente não poderiam se fazer presentes, agora o que está se desenhando na universidade é o contrário. Estão sendo criados mecanismos que possibilitem tornar a regra a participação online.
Soma-se a isso o fato de que há a inclusão de um artigo que possibilita a docência online mesmo após o fim da pandemia. Fica evidente o projeto de incorporação da lógica da universidade ao Ensino a Distância.
Por fim, citamos que a normativa também abre margem para que o produto do doutorado não seja necessariamente uma tese. Temos presenciado cada vez mais a perda de uma formação densa, voltada para a resolução dos grandes problemas enfrentados pela classe trabalhadora. O longo percurso do doutorado é uma oportunidade ímpar para levar a cabo esse projeto, já que há tempo e relativa autonomia para produzir algo autêntico à luz dos dilemas do nosso tempo. A flexibilização da entrega do produto desse percurso demonstra a intensificação da lógica de que a pesquisa não precisa se comprometer com questões profundas e densas. É radicalmente diferente entregar uma série de artigos simples, de entregar a produção de uma tese, que consolida todo um percurso de formação.
Resolução 015
Já a alteração da 015, que modifica a Pós-Graduação lato sensu, explicita de forma mais evidente o projeto para as universidades. De início, há a inclusão do modelo semipresencial de ensino, o que parece preparar o terreno para a instituição do modelo híbrido. Confira o debate feito pelo UFSCàE acerca das problemáticas desse modelo de ensino, que tem se apresentado como saída para a “nova normalidade” após a pandemia.
Somado a isso, essa normativa institui a cobrança de mensalidades para a pós-graduação. A gravidade desta proposta é apresentada sem qualquer discussão na resolução e abre precedentes para que as universidades públicas cobrem mensalidades, fazendo com que seja absorvida essa lógica privatista nas universidades públicas.
A forma de tramitação das resoluções e suas consequências para a comunidade universitária
De maneira sintética, apresentamos algumas das questões que envolvem a discussão que ocorrerá no Cun para que fique explícito como a pós-graduação poderá ser, se aprovadas essas resoluções, radicalmente diferente a partir de amanhã.
Em razão da ausência de discussão do corpo universitário, essa votação deveria ser adiada em respeito à comunidade, que tem o direito de participar das decisões políticas da universidade e só pode fazê-lo com a ciência das modificações que estão ocorrendo nos espaços deliberativos. Caso as resoluções sejam aprovadas sem isso, as mudanças serão percebidas apenas quando, dado o prazo, os programas começarem a realizar modificações regimentais. As transformações não podem ser constatadas com alterações normativas, mas sim, devem ser discutidas amplamente.
O fato de essas resoluções estarem tramitando pelos órgãos da universidade já há anos demonstra como não é necessário urgência de aprovação. Se até agora o tempo não foi um fator, ele não pode ser um argumento instrumentalizado por aqueles que defendem essas mudanças agora. Sobretudo em um momento sensível para o país, no qual a pandemia tem sido um fator de oportunidade para transformações privatizantes em diversos âmbitos da nação.
O mínimo que a comunidade universitária espera dos Conselheiros amanhã é que estes votem pensando na necessidade de essa discussão ser realizada nas demais instâncias da universidade antes de ser discutida e deliberada no CUn.
Nesse sentido, a Associação de Pós-Graduandos da UFSC (APG) entrou em contato com todos os estudantes da pós-graduação para informar sobre as alterações normativas e indicar que os (as) estudantes realizassem pressão nos conselheiros solicitando a ampliação da discussão. Confira a nota publicada no site.
A sessão do Conselho ocorrerá amanhã (29/06), às 14. Ela é pública e pode ser acessada neste link.
Participe e convide seus (as) colegas a participar desta sessão de amanhã! É possível participar por meio do chat ao vivo e realizar pressão para que os conselheiros ampliem a discussão com a comunidade!