[Opinião] O que está acontecendo com as bolsas do PósARQ?

Imagem a partir de foto da Agecom UFSC.

Júlia Vendrami e Larissa Chaves, mestrandas do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFSC – 27/04/2021.

Este texto foi escrito a pedido do Centro Acadêmico de Arquitetura e Urbanismo da UFSC (CALA), como forma de tornar público o corte de bolsas que vem acontecendo no PósARQ e o imbróglio ocorrido em 2020 envolvendo a questão das bolsas. Também achamos oportuno publicá-lo agora pois os pós-graduandos da UFSC tem se reunido para discutir e lutar contra o corte de bolsas na universidade. Esperamos que o texto contribua com as mobilizações.

No início de 2020 a CAPES definiu um novo critério para distribuição de bolsas de pós-graduação[1]. Na prática, essa mudança significou um corte drástico para a maioria das universidades brasileiras[2], somente na UFSC foram cortadas mais de 600 bolsas[3]. O corte afetou muito o PósARQ em 2020 e 2021.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é uma fundação do Ministério da Educação (MEC) que tem como principal incumbência expandir e consolidar a pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado)[4]. Uma das formas pelas quais a CAPES faz isso é por meio do seu Programa de Demanda Social (DS), que se destina a promover a formação de recursos humanos de alto nível, por meio de concessão de bolsas de estudo para cursos de mestrado e doutorado ofertados por instituições públicas de ensino gratuito[5].

Os cortes nas bolsas da CAPES não foram imediatos, parte das bolsas foram transformadas em “bolsas emergenciais” e mantidas até o final do ciclo daqueles bolsistas. Conforme essas pessoas defendiam seus trabalhos, essas bolsas foram extintas. Esse formato de corte dificultou as mobilizações, já que as primeiras turmas diretamente prejudicadas não foram aquelas que já estavam no Programa, mas as que recém ingressaram. A falta de transparência do Programa em informar a real situação também prejudicou mobilizações.

O PósARQ sofreu um corte de 13 bolsas, passando de 37 para 24 bolsas disponíveis. Ou seja, 35% das bolsas de mestrado CAPES DS foram cortadas. Por motivos desconhecidos, houve uma dificuldade por parte do corpo docente em tornar público o ocorrido. Na época foram publicadas duas notícias no site do PósARQ defendendo a nova distribuição da CAPES[6] e reafirmando que nenhuma bolsa do PósARQ havia sido cortada[7].

Então, foi publicado o edital de bolsas do ano de 2020. Nesse edital participaram os alunos ingressantes, seguindo a classificação estabelecida através do resultado do processo seletivo de 2020, e os alunos veteranos ainda não contemplados por bolsas, que se inscreveram. Também participaram os veteranos que recebiam bolsas, pois no PósARQ as bolsas são concedidas por 12 meses e precisam ser renovadas através do edital. O edital previa a prioridade dos alunos veteranos no recebimento de bolsas, porém não foi estabelecido um percentual de distribuição entre alunos ingressantes e veteranos, conforme editais anteriores. Ao que parece a comissão de bolsas não concebeu a possibilidade de que houvesse uma grande quantidade de inscritos veteranos, tampouco previram o impacto que o corte poderia causar. Em suma, o edital foi mal elaborado.

O resultado do edital de bolsas foi divulgado no site contendo: a lista dos pedidos de renovações dos alunos da turma de 2019 aprovados (todos aceitos) e uma lista dos ingressantes contemplados com a bolsa. Nenhum aluno veterano do mestrado foi contemplado com bolsa e somente um aluno do doutorado a conseguiu. A publicação ficou no site do PósARQ por mais de 20 dias, possibilitando que os alunos ingressantes contemplados com a bolsa organizassem suas vidas para se dedicar integralmente ao Programa, por exemplo, mudando de cidade, saindo do emprego, etc.

Ao mesmo tempo, como o resultado não seguiu o critério de prioridade estabelecido no edital, os alunos veteranos entraram com recurso à decisão, que foi indeferido pela comissão de bolsas. Eles recorreram novamente, ao colegiado delegado, e obtiveram deferimento da causa. Então, foi publicada uma nova listagem de pesquisadores contemplados com bolsa, na qual somente um ingressante da turma de 2020 fazia parte, dos dez inicialmente contemplados.

Entendendo que o processo estava eivado de vícios e se sentindo igualmente prejudicados, os ingressantes recorreram da decisão no colegiado pleno, propondo que um novo edital fosse elaborado, considerando a realidade de corte de bolsas do Programa. O recurso foi indeferido em uma reunião bastante tensa entre os professores e o resultado que contemplava majoritariamente os veteranos foi mantido.

O objetivo aqui não é argumentar se uns ou outros discentes estavam com mais ou menos razão, é contraproducente que o debate seja levado a esse nível. O que é importante salientar as consequências e o efeito cascata que os cortes provocaram no Programa de Pós-graduação, e como a negação da realidade só piorou a situação. Além disso, nós acreditamos que todos deveriam ser comtemplados com a bolsa, para garantir sua dedicação integral à pesquisa.

O PósARQ mantém-se, até o momento, como um programa de pós-graduação com nota 5 na avaliação da CAPES e seus pesquisadores, mestrandos e doutorandos, têm plena capacidade de contribuir com a pesquisa e desenvolvimento da ciência, filosofia, artes, etc. Porém, os elementos que envolvem a reprodução da vida, dentre eles, ter uma alimentação adequada; um local de moradia com certo grau de estabilidade; ter acesso a uma infraestrutura que possibilite o desenvolvimento do trabalho, além de ter informações que permitam uma organização com tranquilidade e antecedência são fundamentais para a dedicação ao estudo e à pesquisa.

Quase um ano após o acontecimento, dos 37 mestrandos da turma de 2020, somente três receberam bolsa. Tem-se, então, uma turma inteira desdobrando-se entre trabalhos e estudos. Essa realidade evidencia a materialidade da precariedade que se encontra hoje, não somente, os estudantes de pós graduação, mas todos os estudantes. Relata-se aqui o testemunho de um mestrando do PósARQ, que prefere permanecer anônimo, demonstrando que tipo de situação nossos pesquisadores estão vivenciando.
“Tinha ficado muito feliz quando, no primeiro resultado eu tinha sido contemplado [com a bolsa CAPES DS]. Minha situação é um pouco complexa. Não tenho um emprego com carteira assinada, tô numa transição entre casa dos pais e minha casa, que está em obra. Sou MEI, que é uma garantia de pagar aposentadoria, e trabalho com audiovisual, música e design, que é sobrevivência, através de projetos audiovisuais, como o curso de capacitação em ATHIS, pela URBE, UFSC, financiado pelo CAU. Consegui, em dois trimestres fazer 5 disciplinas no mestrado (com 1 optativa da antropologia). Ano passado publiquei artigo no Vitruvius e tive um aceite na revista NAUI, 2 meses depois de me matricular no mestrado… além de escrever projetos culturais e publicar meu TCC na forma de livro através da prefeitura, esse ano, sem ganhar nada. Mantenho uma produção acadêmica, em minha dissertação já tenho introdução e revisão bibliográfica, feito em 1 trimestre. Tudo isso acontecendo em meio a novidade de saber que seria papai e todas as correrias e responsabilidades que isso traz. Isso é um desabafo, pra mostrar que faço de tudo, trabalho de madrugada em outras áreas, ser pai, sem emprego e depender de freelancer e de projetos, que mantenho uma produção acadêmica e que o mestrado é sempre prioridade.”

As bolsas são parte fundamental dos programas de pós-graduação, permitem a dedicação integral dos pesquisadores e contribuem para a qualidade da pesquisa desenvolvida. Ainda que se tente inverter essa lógica, dizendo que é preciso buscar o aumento da produtividade para que, então, possamos receber mais bolsas, não é assim que a CAPES vem se comportando nos últimos anos. Não foi por diminuição da produtividade que o corte aconteceu. Os cortes são reflexos de uma conjuntura de avanço de políticas que priorizam investimentos no setor privado em detrimento de setores e políticas públicas. Saúde, educação, cultura sofrem um esvaziamento de investimentos, intensificados pela PEC do Teto de Gastos, que culminam no sucateamento de instituições ligadas a esses setores. E isso tem uma finalidade evidente, que é justamente a privatização dessas instituições, como podemos perceber com o Programa Future-se e desmantelamento progressivo do SUS.

Nesse sentido, não há antagonismo entre os interesses dos estudantes da classe trabalhadora e o avanço da pesquisa, da ciência e da cultura nacionais. Mas é necessário que existam condições – e entre elas, as bolsas – para que estes estudantes possam se dedicar exclusivamente ao mestrado ou ao doutorado e serem cobrados não somente por seus professores, mas pela sociedade como um todo, pois afinal a pesquisa, especialmente em uma universidade pública, deve promover um desenvolvimento científico ligado às necessidades e dilemas da população brasileira. É assim que vamos contribuir para o avanço da ciência no Brasil, atrelada à construção de novas realidades, e não somente contando com o esforço excessivo e a precarização da vida de pesquisadores que se equilibram entre obrigações familiares e acadêmicas.

Por isso, estamos disponibilizando esse relato para que a comunidade do curso de Arquitetura e Urbanismo (estudantes da graduação e da pós-graduação, professores e técnicos administrativos em educação) bem como a comunidade acadêmica da UFSC fiquem cientes da situação e percebam os impactos do que inicialmente é anunciado somente como uma mudança de critérios de distribuição de bolsas, mas que repercute na vida da comunidade universitária. Da mesma forma, os cortes de verbas estão presentes na nossa realidade, mas muitas vezes não são expostos adequadamente. A transparência é fundamental não somente para refletirmos e revoltarmo-nos, mas também para que possamos, juntos, congregar forças e lutarmos pela construção de universidade pública de qualidade, como já fizemos em outras ocasiões.

[1] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-34-de-9-de-marco-de-2020-248560278

[2] https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/portaria-da-capes-corta-bolsas-de-diversos-programas-de-pos-graduacao1

[3] https://noticias.ufsc.br/2020/03/corte-de-bolsas-de-pos-graduacao-gera-indignacao-e-apreensao-na-ufsc/

[4] https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/historia-e-missao

[5] https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/programas-e-bolsas-no-pais

[6] https://posarq.ufsc.br/2020/03/25/capes-amplia-a-quantidade-de-bolsas-distribuidas-no-pais/

[7] https://posarq.ufsc.br/2020/03/25/capes-amplia-a-cota-de-bolsas-de-doutorado-do-posarq/

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