Imagem: Quadrão da Laerte, para Folha de São Paulo de 30 de julho de 2018.
Pedro Leite – Para o UàE* – 15/03/2019
Talvez seja mais difícil, para nós brasileiros, olhar o doloroso acontecimento na Escola em Suzano e não derivar daí um escape de uma outra dor latente, que é a de viver a naturalização da precariedade de investimento em escolas públicas e, além disso, a banalização da violência e do ódio como solução para nossa crise de representatividade no governo.
Isso não quer dizer que possamos submeter a dor das pessoas ligadas diretamente às vítimas a nossas próprias convicções. Há nesse massacre uma dor profunda a ser sentida. Um exercício de compreensão impossível, afinal, o que esses jovens não puderam comunicar que tiveram de revelar assim? Ou então não haviam nada para comunicar, a não ser precisamente isso: de que se encontravam em uma ruptura absoluta de sentido? Creio que ainda não nos é possível medir esse sofrimento. Não nos atrevamos. Vamos com calma, e solidários a tais dores tão imensas.
Ocorre que estão aí, colocadas diante de nós, certas violências sobrepostas: essas mortes desesperadoramente cruéis e sem sentido, que nos atolam em angústia e, por baixo delas, um cenário de um país que toca em frente um projeto descarado contra seu povo (e à força armada se for necessário). Um país cuja direção é a do engessamento da sua desigualdade abismal, e, dentre outras formas, faz isso precarizando corpos desde a sua constituição para, por fim, justificar assimetrias de acesso; para privar (privatizar) o acesso aos elementos básicos de nossas necessidades físicas e sociais.
Essa sobreposição quase nos obriga a tornar política a questão: quando no vazio do sentido desses atos em Suzano nós vemos, afinal, educadores e estudantes sendo massacrados de uma forma, agora tão sem disfarce, que é insuportável saber.
É muito sutil, mas notável, que diante desse massacre a nossa comoção não tenha buscado significar esses atos como loucura, como uma ruptura de sentido absurda, formas que há anos usávamos para dar nome a acontecimentos assim. Formas que, no limite, visavam rechaçar esses atos como parte possível de nossa experiência normal e cotidiana.
Hoje a nossa sociedade oferece e legítima coordenadas claras de violência autorizada e, sendo assim, já não nos absurdamos, mas reconhecemos cedo como esses atos estão prenunciados como plausíveis na nossa experiência comum.
A cumplicidade com o ódio nunca esteve, desde que me lembro, tão solícita.
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