Foto: Montagem UàE. (UFRJ: Omar Uran)
Caio Sanchez* – Redação UàE – 18/03/2021
A formação na Pós-Graduação Stricto Sensu, sobretudo nas universidades públicas, exerce um duplo papel. Conforme comumente sabido, a trajetória por um mestrado e doutorado acadêmico tem a função de formar pesquisadores nas diversas áreas de conhecimento. Além disso, possivelmente após os seis anos que em média levam para percorrer essa trajetória, o estudante da pós-graduação titulado, torna-se, mediante concurso público, docente. Ser professor implica não só na transmissão de conhecimento em sala de aula, mas na participação de órgãos administrativo-políticos da Universidade e na continuação da produção científica. Se a trajetória da formação destes pesquisadores se dá com anos de inserção em Universidades Públicas para, ao final, resultar em um cargo nesta instituição, por que os pesquisadores brasileiros não têm, ao longo destes anos, sequer um contato sobre o papel das Universidades Públicas? Porque os estudantes passam mais de uma década nesta instituição sem sequer questionarem-se sobre as especificidades das mesmas?
Saber sobre a Universidade implica em mudanças políticas sérias. No tocante ao desenvolvimento das pesquisas em todas as áreas de conhecimentos, constatar o profundo papel que esta instituição ainda pode exercer, é poder fazer uma escolha política consciente sobre o significado de cada pesquisa e poder mudar o rumo do que tem se tornado esta instituição. A título de exemplo, podemos pensar nas pesquisas realizadas nas universidades que são patenteadas por empresas, o que ocorre principalmente nas áreas tecnológicas. Uma apropriação direta do privado sobre pesquisas e tecnologias que deveriam estar sendo socializadas, financiadas por dinheiro público. Pelo contrário, temos seu exato oposto, a pesquisa que é de interesse público é apropriada para gerar lucros para empresas específicas.Ao invés de socialização de conhecimento, temos seu exato oposto. Será que esta dinâmica estaria tão generalizada se houvesse um debate constante sobre o papel que uma universidade pública pode cumprir na soberania nacional? Se fosse generalizado o debate sobre a relação entre essa que parece ser apenas uma dentre muitas formas de financiamento e as implicações desta para a dependência tecnológica que tanto nos afeta?
Não discutir o papel das universidades públicas produz efeitos deletérios seríssimos. As demandas por produtividade impostas pelas agências de fomento e incorporadas pelos departamentos são alvo de revolta apenas e na medida em que sobrecarregam os estudantes. A participação em palestras e eventos envaidece os pesquisadores, ao invés de serem encaradas com a seriedade que a socialização de conhecimentos complexos deveria implicar. Dificilmente encara-se esses elementos como o projeto do capital para o país, que visa cada vez mais a instrumentalização prática dos conhecimentos e o abandono de qualquer produção científica autônoma.
O resultado de pesquisadores formados por essa dinâmica é que seis anos depois ocupam os cargos na Universidade como mera função administrativa, abandonando a dimensão política dos mesmos. Os colegiados de curso, reuniões de departamento e conselhos universitários parecem dizer respeito apenas ao exercício burocrático de uma instituição. Perde-se de vista a discussão política da oferta de determinadas disciplinas em detrimento de outra, dos critérios envolvidos nos processos de ingresso em programas de pós-graduação ou até mesmo dos concursos públicos para docentes em cada departamento. Não à toa, na Universidade Federal de Santa Catarina temos um Reitor que pouco sabe sobre seu papel intelectual e uma massa que pouco o cobra sobre isso. Como resultado, temos as três categorias da universidade cumprindo funções acessórias na administração da instituição.
Com isso, fica evidente que a história age na humanidade mesmo que esta não se dê conta. Sem a consciência do papel das universidades públicas, os pesquisadores pouco a pouco absorvem as exigências do capital na elaboração de suas pesquisas e, no futuro, ao exercerem a docência. Por isso, é fundamental que os programas de pós-graduação realizem discussões sobre maneiras de incorporar esse debate, seja por meio de seminários, disciplinas ou créditos obrigatórios. Somente através da circulação deste tema incessantemente é possível escolher o destino das universidades sem que este seja o resultado do curso natural da história.
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