Imagem: debate entre candidatos para as eleições de reitoria em 2018/Agecom UFSC
Caio Sanchez* – Redação UFSCàE – 17/02/2022
Neste ano, a comunidade universitária da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) irá escolher quem ocupará a cadeira da reitoria pelos próximos quatro anos. Este processo é de extrema importância para os rumos da instituição, pois envolve a disputa por projetos distintos para a universidade. Ainda que nos últimos anos a reitoria da UFSC tenha tentado apresentar um caráter meramente técnico e administrativo para gerir a instituição, há sempre um fundamento político sustentando as decisões da administração central.
Na atual conjuntura, na qual se observa um acirramento de políticas que buscam esvaziar o sentido crítico das universidades públicas – como a adesão generalizada ao EaD durante a pandemia, as intervenções federais, o investimento estatal na expansão de oligopólios privados de ensino, entre outras – o processo eleitoral para o cargo da reitoria apresenta contornos ainda mais sérios.
Para os próximos meses, o processo envolve temas extremamente sensíveis, como a possibilidade das eleições serem online e de que parte da comunidade universitária fique excluída do processo.
- A importância das eleições presenciais
Após quase dois anos desde a suspensão das atividades presenciais na UFSC, a comunidade universitária tem ansiado pela volta presencial das aulas e da estrutura da instituição. Há diversos estudantes que jamais pisaram na UFSC ou imaginam o que significam os anos em uma instituição na qual ocorrem diariamente interações políticas diversas. Debates públicos, transmissão de filmes com discussão posterior, conversas paralelas nos corredores, passagens em sala feitas por Centros Acadêmicos ou organizações políticas… são múltiplas as formas de contato com os debates políticos, ainda que o/a estudante não busque ativamente por isso.
Para muitos jovens, as primeiras experiências políticas se dão na universidade. A própria estrutura e sentido histórico da universidade pública abrem caminhos para que a disputa de diferentes tipos de pensamentos ocorram no interior dessas instituições.
Contudo, com a experiência do Ensino Remoto, observou-se que muitos se sentiram isolados, cada vez mais distantes de um cotidiano que permitia contatos, mesmo que indiretos, com formas distintas de fazer política.
No caso das eleições de reitoria, nos anos anteriores a este, era possível notar que a UFSC respirava este processo. As cores das camisetas pintavam a Praça da Cidadania em diversos tons, cada qual atrelado a um candidato. As conversas na fila do restaurante universitário refletiam expectativas com o/a novo/a reitor/a. Durante as aulas, estudantes, técnicos e professores pediam licença para “dar um recado” sobre o processo eleitoral. Debates eleitorais públicos eram organizados dentro da estrutura da universidade. As próprias paredes marcavam esse processo. Em síntese, ainda que não houvesse um esforço ativo por parte de alguns para se envolver com as eleições, o ambiente proporcionava um contato, mesmo que indireto, com as diferentes candidaturas. A eleição, desta forma, era um acontecimento nos campi diante do qual estudantes e trabalhadores eram convocados a se posicionarem, fosse pelo apoio à alguma das candidaturas, ou fosse pela crítica a todas.
Com a experiência do ensino remoto, tem se colocado para as Eleições de 2022 a possibilidade de que seja feita na modalidade remota. Contudo, assim como o EaD fez com que muitos estudantes se sentissem alheios à universidade, um processo eleitoral online poderia ter exatamente o mesmo efeito para muitos. Como ficaria a interação com diferentes posições políticas por meio das redes sociais e suas condições algorítmicas? Como os estudantes que sequer pisaram na UFSC conseguem dimensionar a importância dessas eleições? Quais membros da comunidade universitária de fato sabem da importância do cargo de reitor? Essas são algumas das questões que surgem quando alternativas como essa aparecem no cenário.
Além disso, caso as eleições sejam realizadas online nesta ocasião, poderia deixar margens para que uma estrutura ligada à votação online seja mobilizada em processos posteriores.
Por um lado, parte daqueles que cogitam a realização das eleições online de fato carregam uma preocupação com as condições sanitárias. Entretanto, é necessário lembrar que, ainda que a pandemia não acabe até as eleições de reitoria – o que é um cenário bastante provável – hoje se sabe que com a política de vacinação e o uso obrigatório de máscaras do tipo PFF2 é possível ter uma segurança para a realização de eventos como este na modalidade presencial. Cabe lembrar que em 2020, quando não havia vacinas aprovadas contra a Covid-19 e enfrentávamos números exorbitantes nas taxas de mortalidade e transmissão, as eleições municipais foram realizadas na modalidade presencial. As eleições de reitoria da UFSC envolveriam um número significativamente menor de pessoas circulando pela cidade e universidade.
Por outro lado, há setores no interior da UFSC que de fato defendem uma mudança no caráter dos processos políticos por meio da inserção do voto online.
- As pressões para o voto online
Não foi com a massificação do EaD nas universidades públicas o contexto de surgimento para a defesa do voto online. Em outros momentos na UFSC este era apresentado como uma forma de garantir maior democratização ao processo, pois permitiria a participação de todos.
O argumento de que a utilização de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) geram democratização é uma falácia. Basta observar pesquisas importantes sobre a expansão do EaD no ensino superior brasileiro. Sob o argumento de democratizar o acesso à formação em regiões mais distantes ou necessitadas, expandiu-se o EaD em grandes centros urbanos, como parte de uma política em curso desde os anos 1990 para rebaixar a formação dos trabalhadores, principalmente de professores nas licenciaturas [1]. Ou seja, o EaD compõe parte de uma política neoliberal em curso que visa rebaixar as condições de formação. O que significaria aderir a essa política para a realização de processos políticos?
Alguns setores da universidade de fato possuem este projeto em vista. A modalidade EaD limita as possibilidades de atuação política, principalmente daquelas vinculadas a setores mais críticos e que não contam com tantos recursos financeiros ou aparatos institucionais nas disputas políticas. Diversas entidades como Centros Acadêmicos e Sindicatos têm encontrado dificuldade para conseguir mobilizar suas bases devido aos empecilhos do EaD.
Em uma eleição importante como a que ocorrerá este ano na UFSC, seria extremamente danoso para o próprio curso do processo realizá-lo na modalidade remota. O presencial permite maior igualdade nas condições de disputa e um maior envolvimento da comunidade universitária.
- Particularidades do processo na UFSC
Atualmente, a UFSC está com o retorno agendado para o dia 18/04. O atual calendário para a decisão da lista tríplice pelo Conselho Universitário possibilita a realização da votação presencial para ambos os turnos. Lembremos que a votação da comunidade que chamamos de eleição é uma consulta informal ao qual a comunidade exige que o Conselho respeite o resultado e historicamente ele tem feito; isso se dá em função do entulho legislativo da ditadura empresarial-militar que permanece regendo a escolha dos reitores nas universidades). Com a mudança aprovada no conselho na última quinta-feira (10), seria possível realizar o primeiro no dia 19/04 e, caso houver, um segundo turno no dia 26/04, ambos na modalidade presencial e antes do encerramento das inscrições no CUn, que deve ocorrer até dia 27/04. Ainda que o período entre primeiro e segundo turno fique um pouco menor quando comparado a processos anteriores, seria uma forma de garantir que as eleições de reitoria seguissem os ritos tradicionais em seus aspectos mais gerais, ou seja, o caráter presencial da disputa.
A Comissão Eleitoral das Entidades Representativas da UFSC, composta pela Associação de Professores da UFSC (APUFSC), pelo Sindicato de Trabalhadores em Educação das Instituições Públicas de Ensino Superior do Estado de Santa Catarina (SINTUFSC), pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) e pela Associação de Pós-Graduandos (APG) ainda não deliberou pelas datas e modalidade de votação. A princípio, há um consenso entre as entidades em realizar o segundo turno no dia 26/04 e na modalidade presencial. Contudo, há divergências sobre as datas e modalidades do primeiro.
A APUFSC, que chegou a sair da comissão por um período em razão da discussão da modalidade e das datas, tem defendido a realização do voto online para permitir um maior período entre turnos. O SINTUFSC, de acordo com decisão de assembleia da categoria, se posiciona pelo presencial. Entretanto, irá debater o tema pela terceira vez em assembleia hoje às 14h. O DCE considera apoiar ambas as posições (votação online ou presencial). Já a APG, segue defendendo o calendário presencial, com o primeiro turno no dia 19/04.
Além dos problemas já apontados em relação à votação online, no caso da UFSC, isso implicaria em um problema ainda maior. Em primeiro lugar porque a votação online teria que acontecer ou na semana de provas dos estudantes ou na semana de férias, o que implica em uma perda ainda maior do envolvimento dos estudantes. Soma-se a isso o fato de que caso a votação online ocorra no final de março, excluiria os calouros de 2022.1 de votarem, mesmo que no segundo turno, pois a lista de votantes efetivos precisa ser fechada com cerca de 30 dias de antecedência. Como os calouros muito provavelmente não terão feito a matrícula até o final de fevereiro ou início de março, eles estariam excluídos do processo eleitoral.
[1] EVANGELISTA, Olinda; SEKI, Allan Kenji; SOUZA, Artur Gomes; TITON, Mauro; BECKER, Astrid. Desventuras dos professores na formação para o capital. Campinas: Mercado de Letras, 2019.
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