[Opinião] Quem se beneficia da atual política de moradia estudantil da UFSC?

Imagem: Elaboração UFSC à Esquerda

Clara Fernandez – 28/09/2021 – Publicado originalmente em Universidade à Esquerda

Na Universidade Federal de Santa Catarina a política de moradia estudantil é inexistente, se analisada a proporção entre estudantes matriculados em cinco campi e a estrutura disponibilizada para atender aqueles que chegam para o início de uma vida universitária. Boa parte da história de disputa por melhor estrutura e ampliação de vagas de moradia estudantil na UFSC é fruto de ocupações estudantis.

Ao mesmo tempo, os preços dos aluguéis em bairros próximos à Universidade (e em toda a cidade de Florianópolis) crescem muito além do que os estudantes conseguem pagar com suas bolsas. O setor imobiliário e da construção civil se beneficiam enquanto os estudantes dividem kitnets sem ventilação. A UFSC, com seus diversos terrenos na cidade, não poderia interferir contra essa dinâmica?

Mesmo com cerca de 30 mil estudantes distribuídos em cinco campi, hoje há apenas um bloco de prédios de moradia estudantil à disposição dos estudantes dos campi de Florianópolis e uma casa histórica no terreno da universidade do campus trindade, quase em frente ao prédio da moradia, que foi ocupada por estudantes na década de 1980 e se transformou em uma moradia mista. Esta última hoje é administrada pela universidade e abriga cerca de dez estudantes por período.

Há um espaço intitulado de módulo III no mesmo terreno do prédio da casa do estudante universitário (CEU). Originalmente projetado para ser um centro de convivência, o módulo foi ocupado por estudantes em luta por moradia na década de 1990, já que a construção do projeto de moradia se apresentava parado desde a década de 1980. O espaço foi utilizado como moradia feminina até a inauguração do primeiro prédio construído pela UFSC para a CEU, em 2003. 

Recentemente a universidade começou a retomar de forma escassa o uso desse espaço para algumas vagas emergenciais, assim como para alojar estudantes de licenciatura em educação do campo, que realizam uma parte de sua formação em seus municípios de origem e outra parte no campus Trindade. Diante das pressões dos aumentos dos aluguéis, a estrutura voltou a passar por episódios recorrentes de ocupação de estudantes como tentativa de sobrevivência na universidade. Em 2016, a universidade colocou um contingente de 40 policiais federais e trabalhadores da segurança patrimonial do campus para expulsar quatro estudantes “irregulares” que se encontravam vivendo no módulo, o que não evitou que ocupações irregulares continuassem ocorrendo posteriormente.

Ainda no campus Trindade, o prédio antigo do restaurante universitário hoje abriga os estudantes indígenas, que foram alocados de forma precária pela reitoria naquele espaço, depois de inúmeras reivindicações desses estudantes. O local foi batizado pelos próprios estudantes com o nome de Maloca.

Contando com esses quatro espaços, a universidade hoje oferece menos de 200 vagas de moradia estudantil. Ou seja, sequer é possível contemplar 1% dos estudantes nessa política. Nos campi do interior, não há sequer vislumbre de ser contemplado pela mesma. 

O prédio principal que hoje abriga os estudantes da CEU fazia parte de um projeto que previa a construção de cinco blocos com 1400 vagas, mas que nunca foi levado a cabo. Apenas o prédio que foi inaugurado em 2003, demorou 18 anos para ser finalizado, desde a data de realização do projeto original.

Há ainda uma “política de auxílio moradia”, que fornece a cerca de 100 estudantes um auxílio mensal no valor de R$250,00. O valor é praticamente irrisório perto do que hoje são os valores cobrados em aluguéis tanto no entorno do principal campus da UFSC, quanto na maioria dos bairros da capital. Ao buscar aluguéis mais baratos para uma pessoa viver próximo ao campus central da UFSC hoje, mesmo com pouquíssimas atividades presenciais, dificilmente se encontra algo por menos de R$800,00 mensais. Para se pagar um aluguel razoavelmente mais barato em toda a cidade, é necessário morar em bairros extremamente distantes dos principais recursos da vida urbana e com limitações de mobilidade, como escassez de transporte público.

Historicamente a Universidade não leva adiante uma política séria de permanência estudantil, ora alegando falta de recursos, ora alegando falta de projetos. Mas essa mesma Universidade, com a posse de diversos terrenos na cidade, adquiriu um prédio de R$33 milhões em 2013, em uma compra realizada sem debate com a comunidade universitária, com recursos do REUNI, na mesma rua em que situa a moradia estudantil. O prédio serviu para  a ampliação da sede da reitoria e de seus trabalhos administrativos, tirando boa parte dos principais trabalhos desta do centro da universidade e do prédio que historicamente é ocupado por estudantes em luta por uma outra política para a UFSC.

O que todos esses elementos revelam sobre a verdadeira relação da universidade com a cidade? Afinal, não se pode negar que boa parte da estrutura residencial próxima ao campus é resultado direto da demanda por moradia perpetuada pela UFSC. Todos os inúmeros condomínios, kitnets e residenciais são feitos para os novos conjuntos de estudantes que ingressam a cada semestre na UFSC. Da kitnet mais degradada e deletéria que custa no mínimo R$1000,00, ao apartamento em condomínio de luxo construído em cima de mangue e da expulsão das famílias mais pauperizadas dessas localidades. 

Em 2019, Florianópolis foi a capital com o maior aumento dos aluguéis do país: 14,79% no acumulado do ano. Enquanto a média nacional foi de 4,93%,  segundo índice da Fipezap.

Um elemento importante que é de pouco conhecimento, é que a UFSC possui diversos espaços sobre a sua posse na cidade. E isso ocorre não só em Florianópolis, mas com diversas universidades em centros urbanos em que vêm se buscando ampliar a valorização por meio da especulação imobiliária. Isso porque foi estipulada uma lei em 1945, vigente até 1990, em que imóveis de heranças vacantes deveriam ser colocados à disposição das Universidades, visando garantir a expansão dessas instituições no país. As heranças vacantes são aquelas em que, depois de esgotadas todas as diligências legais, não possuem manifestações de herdeiros do falecido proprietário.

A UFSC não considera o uso desses espaços, ou mesmo dos que são de amplo conhecimento de todos, no próprio campus da trindade, para a expansão de vagas na moradia estudantil. Pelo contrário, reitorias anteriores adquiriram imóveis que contribuem com o aumento do preço dos aluguéis O que nos parece é que há uma política deliberada de conivência e colaboração com a permanência destes preços exorbitantes e com todos os efeitos mais deletérios que a dinâmica imobiliária tem tanto na vida dos estudantes, quanto na vida do restante da população da cidade. 

Não poderia a UFSC ter um papel nessa realidade dos aluguéis que não param de crescer, em benefício dos estudantes e da população pobre da cidade, mesmo diante de uma pandemia que levou muitos estudantes a retornarem às suas cidades, e da degradação cada vez maior das condições de trabalho, alimentação e sobrevivência da maioria da população brasileira? 

 

Debate em 30 de setembro 2021: Patrimônio público, urbanismo e sanha capitalista

No dia 30 de setembro, às 18h30, a Escola de Formação Política da Classe Trabalhadora Vânia Bambirra (EFoP) irá organizar um debate com Cláudio Ribeiro e Sara Granemann, professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sobre Patrimônio público, urbanismo e a sanha capitalista. Se inscreva para participar da atividade no site da EFop, clicando aqui.

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