Foto: Carteira de Trabalho e Previdência Social /Foto: Ana Volpe/Agência Senado
Tamara Siemann Lopes e José Álvaro de Lima Cardoso* – para UFSC à Esquerda – 31/03/2021**
*Economistas do DIEESE, da equipe de Santa Catarina. Texto publicado originalmente em 25.03.2021
No dia 16 de março o secretário estadual da Fazenda, Paulo Eli, afirmou em entrevista que, devido à situação do mercado de trabalho catarinense, não é necessário que o governo estadual crie um “auxílio emergencial” para os trabalhadores. Na entrevista, o secretário mencionou os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) de janeiro para afirmar que Santa Catarina encontra-se em situação de “pleno emprego”. Sem citar dados concretos, afirmou que o estado sofre com escassez de mão-de-obra e precisa de trabalhadores de outros estados para suprir a demanda por trabalho.
A declaração do secretário não tem base na realidade. Primeiramente, o termo pleno emprego, em economia, se refere à utilização de todos os fatores disponíveis (trabalho e capital, por exemplo) a preços de equilíbrio. Uma situação de pleno emprego no mercado de trabalho representaria um ambiente em que todos os trabalhadores que aceitem receber os chamados “salários de equilíbrio” estariam empregados. Entretanto, os dados do CAGED, que o secretário se refere, apontam para o seguinte: 1) mesmo com a geração de 32 mil postos de trabalho formais em Santa Catarina no mês de janeiro, totalizando um saldo de 53,8 mil empregos criados em 12 meses, em 49 dos 295 municípios catarinenses houve mais desligamentos do que admissões nos últimos 12 meses; 2) Florianópolis foi o município mais impactado pelo fechamento de postos formais neste período: foram demitidos 90,6 mil trabalhadores e contratados 81,3 mil; totalizando 9.236 postos de trabalho encerrados. O saldo do emprego na capital foi pouco impactado pelos 222 postos de trabalho criados em janeiro; 3) quarenta e nove municípios catarinenses apresentam saldo negativo do emprego nos últimos 12 meses, somados, eles encerraram 14,3 mil postos de trabalho, sendo que 65% deles foram na capital do estado.
Portanto, uma análise mais detalhada dos dados do CAGED revela que a criação de empregos no último período (fevereiro de 2020 a janeiro de 2021) não se distribuiu pelo território catarinense, o que reflete os efeitos da crise sanitária sobre a economia. Outro ponto crucial refere-se ao fato de o secretário usar os dados do CAGED para sustentar a afirmação de que o estado vive em situação de pleno emprego, sendo que o saldo do emprego não permite tal inferência: com a criação de 32.077 empregos formais em janeiro, Santa Catarina passou a contar com um estoque de 2.192.529 contratos formais de trabalho. Contudo, os dados do mercado formal não refletem a totalidade do mercado de trabalho, que é composto em grande parte por trabalhadores sem registro e que sobrevivem de atividades autônomas. Por esta razão, a análise do mercado de trabalho deve considerar os dados da PNAD-IBGE, que são mais abrangentes.
O que nos dizem os dados da PNAD-IBGE? As informações referentes ao trimestre outubro/novembro/dezembro de 2020 (últimos dados disponíveis), estimam 3,6 milhões de pessoas compondo a força de trabalho no estado. Destes, 196 mil se declararam desocupados – formando uma taxa de 5,3% de desocupação. No entanto, como o cálculo da taxa de desocupação não considera quem está fora da força de trabalho, este percentual subestima a demanda por trabalho. Nota-se, por exemplo, que houve um aumento de 462 mil pessoas fora da força de trabalho no último ano. Entre as pessoas fora da força de trabalho também estão aqueles atingidos pelo desalento, ou seja, o indivíduo não procura mais emprego por absoluto desânimo, embora esteja precisando e aceitasse uma vaga se alguém oferecesse. E, mesmo entre os ocupados, há aqueles que desejam trabalhar mais e não conseguem trabalho.
Por essas razões, o IBGE mensura a subutilização da força de trabalho, seguindo recomendação da OIT. No caso de Santa Catarina, a inclusão dos trabalhadores subutilizados forma a taxa composta da subutilização da força de trabalho, que alcançou 10,8% no período de referência. Neste caso, além do cálculo considerar os 196 mil desocupados, também são contadas as pessoas subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e as pessoas da força de trabalho potencial, que inclui também quem está em situação de desalento. A taxa de subutilização da força de trabalho, isto é, de pessoas ocupadas, mas com atividade insuficiente para suas necessidades, em Santa Catarina é uma das menores do país, mas não caracteriza uma situação de pleno emprego.
Além disso, entre os ocupados, parcela expressiva encontra-se na informalidade: estima-se mais de 1 milhão de pessoas, o que representa 29% daqueles que estão ocupados. A PNAD-IBGE calcula que em Santa Catarina o mercado informal no período da pesquisa era composto por: 567 mil indivíduos trabalhando por conta própria sem CNPJ, 217 mil empregados do setor privado sem carteira, 87 mil trabalhadores familiares auxiliares, 83 mil trabalhadores domésticos sem carteira, 46 mil vínculos sem carteira no setor público e 11 mil empregadores sem CNPJ. Sem realizar contribuições trabalhistas e previdenciárias, a maioria dos informais são vulneráveis aos riscos sociais, como a ocorrência de uma pandemia.
Outro problema adicional para os ocupados se refere à renda. De acordo com a PNAD-IBGE, o rendimento médio dos ocupados em Santa Catarina foi de R$ 2.726 no trimestre da pesquisa, que corresponde à metade (50,75%) do Salário Mínimo Necessário calculado pelo DIEESE, que em fevereiro ficou em R$ 5.375,05. O Salário Mínimo Necessário do DIEESE calcula os gastos mensais com as necessidades básicas de uma família de quatro pessoas, e é uma referência do valor que deveria ter o Salário Mínimo no Brasil, para cumprir suas determinações constitucionais.
Mesmo diante da brutal crise econômica brasileira, que já acumulou seis anos seguidos de recessão ou baixo crescimento, o estado de Santa Catarina obteve uma receita de R$ 29,95 bilhões em 2020, o que representou um aumento nominal de 6,2% em relação ao arrecadado no ano anterior e de 2,4% em termos reais (descontados os efeitos inflacionários). Foi superada a estimativa realizada no ano anterior, quando não havia expectativa da ocorrência de uma pandemia, de tal forma que a receita obtida foi R$ 1,033 bilhões superior à estimada. Por outro lado, a despesa total foi de R$ 28,08 bilhões, o que representou um crescimento residual, na ordem de 0,2% em relação ao empenhado em 2019. Em termos reais, a despesa variou -3,4%, ou seja, houve uma diminuição da despesa quando se considera os efeitos inflacionários do período. Gastando menos do que arrecadando, em 2020 o estado gerou um superávit orçamentário na ordem de R$ 1,863 bilhões, cifra quase 11 vezes maior do que o obtido em 2019 e o melhor resultado orçamentário que o estado já obteve, segundo a Secretaria da Fazenda.
A situação das contas estaduais não permite afirmar que o governo estadual esteja impossibilitado de criar ou ampliar políticas públicas destinadas ao combate da COVID-19. Os dados preliminares divulgados no portal da transparência do estado, referentes a fevereiro, apontam que a receita líquida do estado aumentou 7,6% no acumulado dos últimos 12 meses, somando R$ 30 bilhões. Financeiramente, portanto, o estado não sofre com os efeitos da pandemia sobre a arrecadação dos tributos. Já os dados epidemiológicos da pandemia no estado são os piores até o momento, uma vez que em 2021, em menos de três meses, portanto, já estamos alcançando o número de mortes ocorridas durante todo o ano de 2020. O governo de Santa Catarina, além de possuir as condições financeiras para tanto, tem o dever político e moral de tomar todas as medidas necessárias, nos aspectos sanitário e socioeconômico, evitando assim uma tragédia humanitária de proporções ainda maiores.
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