Restaurante Universitário do campus Trindade da UFSC.

[Opinião] Sem RU não há ciência

Foto: Henrique Almeida. Restaurante Universitário do campus Trindade da UFSC. 

Martim Campos – Redação UFSC à Esquerda – 30/03/2022

A luta pela alimentação dentro da universidade é antiga e central no histórico das mobilizações estudantis. É efetivamente essa política de permanência ampliada que consegue garantir para cada pessoa o direito de ter uma alimentação saudável por um preço acessível contrapondo-se aos valores exorbitantes das cestas básicas nas grandes cidades onde essas universidade estão inseridas em sua maioria, o que permite com que mais pessoas tenham acesso e condição à própria vida universitária. 

É relativamente simples de constatar a importância da defesa em relação aos Restaurantes Universitários e seu correspondente preço acessível: com fome, não se estuda nem pesquisa. Para investigar problemas, para se debruçar sobre horas em frente aos livros e papéis é preciso de uma nutrição adequada. Para a concentração naquilo que se estuda e pesquisa é preciso não estar ouvindo o ronco da barriga ou sentindo tontura pela falta de comida. A fome tem impacto direto na saúde de qualquer pessoa, acarretando uma série de sintomas que vão dos menos agudos como dores de cabeça e até doenças cardiovasculares, impossibilitando a concretização dos estudos. É por isso que cabe sempre retomar e reforçar a centralidade da luta pela garantia alimentar nos espaços institucionais de educação e ciência. 

Os primeiros Restaurantes Universitários surgem na década de 50 e 60, quando a Universidade do Brasil iniciou a criação do primeiro RU no Rio de Janeiro. A instituição mantinha ainda em outras faculdades e algumas escolas da cidade restaurantes para atendimento de funcionários e alunos (MEC, 1984). Os RU’s surgem então com seu objetivo de atender aos estudantes que vinham estudar na capital, representando desde sua criação como uma possibilidade desses alunos frequentarem o ensino superior, reduzindo também a chance de evasão dos alunos decorrente da insuficiência de condições financeiras. 

Para garantir a alimentação de alunos vindos de outras cidades, mas também para alunos que residem longe do campus universitário devido ao preço caro dos imóveis perto das redondezas da universidade, o RU é central na vida de qualquer um que participa da instituição. 

O RU é o que garante a possibilidade das pessoas que o frequentam não percam tempo e dinheiro com deslocamento para voltarem para suas casas distantes do campus para almoçarem, ou tornar o momento da refeição uma escolha entre pagar uma carestia pelo valor atual dos pratos de comida nos buffets em restaurantes privados ou comer qualquer coisa, um lanche, no meio de seu caminho de uma atividade acadêmica e outra. Inclusive, o próprio restaurante universitário é tão central na vida dos estudantes que muitos se deslocam apenas para conseguir fazer sua refeição. 

Basta olhar para o preço que aumenta e o custo de vida cada vez mais caro: alta no preço dos aluguéis ao redor da universidade, onde a maior parte precisa gastar minimamente R$800 para alugar algum quarto ou kitnet, que por diversas vezes sequer configuram em espaços adequados para a própria moradia, que dirá de estudos; alta nos preços dos alimentos que compõem a cesta básica, como é o caso das leguminosas; alta no gás de cozinha, que aumentou 23,2% entre março de 2021 e março deste ano. As condições colocadas para os estudantes já são caras de partida, sendo a permanência um problema cotidiano que faz com que muitos tenham que se desdobrar para conciliar fontes de renda com seus estudos ou simplesmente não ingressarem na universidade. 

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Além de garantir que o estudante possa permanecer na universidade por oferecer alimentação adequada, podemos ainda destacar o RU como espaço de importância social, pois constitui um local que permite a integração dos estudantes fora da sala de aula. É nesses espaços onde se pode conversar com maior informalidade sobre as dúvidas e conteúdos de aula e pesquisa, ou até mesmo conseguir compartilhar sua rotina com outras pessoas, reforçando o aspecto coletivo que é a vivência universitária.  

Seu impacto tanto no bolso quanto no convívio dos estudantes entre si foi algo marcante na pandemia com o fechamento de diversos restaurantes universitários a nível nacional, incluindo os RUs da UFSC.

Nesse período de ensino remoto sentimos na pele a precarização do ensino quando perdemos espaços coletivos materiais de troca. E essa perda continuaremos a enfrentar como ressalta Eblin em sua última coluna para o UàE: um dos desafios que precisamos enfrentar é justamente a pauperização dos estudantes que pode acarretar na impossibilidade de retorno ao ensino. 

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Por isso é importante olhar ainda para o cenário anterior ao retorno presencial, para questionar quais as medidas que as universidades tomaram frente ao claro aumento do índice de evasão estudantil nesse meio tempo, que foi sentido com o decorrer dos semestres remotos, bem como compreender qual é a leitura dessas instituições frente ao seu índice de evasão. 

Afinal, foi reforçado o aspecto que as instituições precisavam se adaptar frente ao contexto sanitário colocado, mas quais soluções efetivamente tomaram para a saída de tantos estudantes cada vez mais crescente nas universidades? Ou ainda, quais compromissos as instituições fizeram para debruçar sobre o legado desse período remoto? 

Disciplina fantasma, ou a evasão mascarada

Tomemos como exemplo a disciplina fantasma implementada na UFSC, a ZZD2020, criada apenas para a manutenção de um “vínculo institucional” que cresceu durante todos os semestres. Recentemente, a instituição enviou um relatório aos estudantes matriculados na disciplina para entender melhor algumas questões. Um de seus dados mais expressivos é o que aponta que quase metade dos estudantes (44,2%) se matricularam na disciplina

porque não se adaptaram à modalidade de ensino não presencial. Outros ainda confirmam o diagnóstico da pauperização maior dos estudantes: 37,2% afirmam que decidiram trabalhar por suas dificuldades financeiras. 

E mesmo diante de um relatório que indica um grave problema da instituição, o qual terá que se deparar com o retorno e as turmas cheias em suas disciplinas obrigatórias trancadas ou a própria desistência desses alunos, o relatório conclui que a estratégia foi eficaz e diminuiu a evasão escolar na UFSC de 1,8 mil no semestre 2019.2 para 700 nos quatro semestres seguintes.

A forma como a evasão estudantil é tratada nas instituições é séria, pois denota muitas vezes a falta de responsabilização da própria instituição com a situação precária que se enfrenta. Os cortes sucessivos e ao longo de décadas nos orçamentos das universidades é um elemento que frequentemente é marcado quando gestores justificam o limite das políticas de permanência. Mas onde está a contraposição frente aos cortes? Uma disciplina como a ZZD é um triste diagnóstico e revela pela conclusão do relatório e continuação da disciplina uma espécie de aceitação de que parte dos estudantes não conseguem voltar. É de se questionar porque essa solução é pensada como uma forma de permanência sendo que o que efetivamente acontece é a falta das condições materiais para garantir que esses alunos continuem seus cursos.  

 

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Auxílios emergenciais 

Sem o RU, uma das medidas que algumas universidades adotaram, incluindo a UFSC, foi a abertura de auxílios estudantis para ajuda com os custos de alimentação. Na UFSC, em meados de março de 2020, a Pró-Reitoria de Assistência Estudanil (PRAE) liberou um programa de auxílio emergencial para todos os estudantes que possuem cadastro socioeconômico em situação regular. A ajuda inicial de custo disponibilizada foi de  R$200,00, pago em cota única e o prazo de inscrição no programa foi curto, de apenas três dias. 

Tal política, longe de ser universal, restringiu em seu edital o público alvo, que deveria ser composto de estudantes que possuíam a  isenção já aprovada no restaurante universitário. A comparação entre número de pessoas atendidas pelo auxílio e aquelas que frequentavam o restaurante (que antigamente servia mais de 10 mil refeições por dia!) mostra a insuficiência de tal política. Atualmente, o RU da UFSC está funcionando com o seu sistema de entrega de marmitas exclusivamente para a pós-graduação, mais uma vez restringindo o acesso. 

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A pressão estudantil mobilizada pela Associação de Pós-graduandos (APG) fez audiências públicas com a reitoria, reforçando a importância do acesso desde já para todos os estudantes. E não apenas isso, mas uma das reivindicações é a manutenção do preço de R$1,50 do RU. 

Com o retorno das universidades no país, a pergunta sobre os restaurantes universitários não é menor: os restaurantes voltarão também junto com as aulas? Se voltam, a que preço? Possuem restrições em seu acesso ou não?

Entre o aumento do valor e a não reabertura

A situação do aumento no preço dos restaurantes já era um cenário temido pelos estudantes, por conta da crise atual que vivenciamos tanto orçamentária das universidades, quanto da alta nos custos dos alimentos. 

Algumas universidades, antes mesmo do retorno já aumentaram o preço de suas refeições, como foi o caso da UFV (Universidade Federal de Viçosa) que ano passado fez um reajuste de R$ 1,90 para R$ 9,00, um aumento de mais de 473%.

No site institucional da Universidade do Ceará já prevê o aumento no preço do restaurante “A recarga também pode ser realizada nos guichês dos Refeitórios Universitários, onde, excepcionalmente, até o dia 17 de abril o valor será também de R$1,10, passando a ser de R$ 3,00 após esse período.” 

Com a nova reforma no restaurante da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul UFMS, o possível aumento em abril já está se concretizando: essa semana foi anunciado o aumento do valor do Restaurante Universitário (RU), de R$2,50 para R$3,00, para os estudantes que possuem renda familiar de até 1,5 salário mínimo, e de R$4,50 para R$15,00 para os demais estudantes.

Já na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) o RU ainda não voltou com o retorno das aulas ne. A saída foi a continuação do auxílio alimentação no valor de R$530 para os estudantes em vulnerabilidade socioeconômica, que contemplam apenas cerca de 1.020 estudantes. 

Frente ao cenário de evasão estudantil e a insuficiência cada vez mais gritante das políticas de permanência estudantil, a ameaça de aumento nos restaurantes precisa ser combatida a altura pelas movimentações estudantis. Afinal, sem RU, não a ciência. 

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