Recesso dos editores diários

Imagem: Transportando Café por Cândido Portinari, 1937. Pintura, guache sobre papel kraft.

Morgana Martins e José Braga– Redação UàE – 01/12/2020

Entramos hoje no mês de dezembro e quase no fim do período letivo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Após um ano extremamente delicado, somente uma pausa nas atividades nos fará retomar a energia e a serenidade para seguir nos ciclos de luta que teremos pela frente. 

Tem sido um ano atípico, já que passamos pelo acontecimento que marca o nosso século: a pandemia do novo coronavírus, o COVID-19, a qual ainda não vislumbramos um futuro, uma “pós-pandemia”, já que ela continua com seus piores efeitos, se alastrando e levando muitos. Porém, a crise econômica – já desenhada antes da crise sanitária – também se aprofunda e têm devastado cada vez mais as condições de vida de nossa classe. A produção da vida sobre o capital nos tem cobrado um preço altíssimo. 

Nesse período de crise econômica, vimos o jogo do capital para manter sua receita: nesse momento em que a alimentação e o cuidado com a saúde constituem um fator importante na luta contra a crise sanitária, os grandes capitalistas, como sempre o fazem em uma sociedade dividida por classes, buscam lucrar com a crise e forçam o país a voltar seus esforços para a exportação. O efeito disto é o empobrecimento da alimentação dos trabalhadores, que com a capacidade de consumo já reduzida pelo desemprego e pelos cortes salariais, enfrentam ainda o aumento dos preços. 

É por isso que precisamos retomar o debate sobre o controle da produção de alimentos. E resgatar a defesa histórica da esquerda de que o Estado deveria ter controle sobre a produção de alimentos e outros produtos estratégicos de consumo nacional. 

Pois em países dependentes como o Brasil, ao contrário dos países de capitalismo central, o consumo dos trabalhadores não está diretamente relacionada com as pressões salariais e como isso afeta os interesses diretos das maiores indústrias do mundo. Grande parte do setor produtivo é orientado para as exportações e dissocia suas políticas salariais das condições reais de consumo de seus trabalhadores, já que dispõe de extensas massas de força de trabalho pauperizadas. 

Além disso, como ano em que ocorreu eleição no país para os cargos de prefeitura e vereância, muitos setores da esquerda viram, equivocadamente, no jogo do capital a esperança, deixando para trás pautas de luta importantíssimas para a nossa classe, como o combate à reforma administrativa, que tem por objetivo modificar estruturalmente as relações de trabalho no país. Não digo, com isso, que a esquerda não deve se implicar naquilo que afeta materialmente a nossa classe, como são os períodos eleitorais; mas temos de ser estratégicos no momento em que isso deve ser feito e em quais condições. 

Como cereja do bolo do ano de 2020, as universidades do país aprovaram o “ensino remoto”, com a desculpa da emergência, sem mesmo apresentar o debate à sociedade sobre o que isso representa à nossa população, ao futuro da educação nacional. Desde metade do ano para cá, vimos o quanto as escolas e universidades se alteraram e vão se alterar permanentemente. Educação híbrida, por exemplo, já é pauta dos grandes oligopólios educacionais.

Fazer desse momento o melhor possível, para nós, não é retornar sob quaisquer condições e levar uma geração inteira e imensa de estudantes a ter sua educação completamente precarizada em nome da excepcionalidade, mas exigir da universidade que os professores cobrem seus alunos, como adultos, a se posicionarem sobre a conjuntura, a debatê-la e a construir uma visão complexa sobre o mundo. Uma universidade não pode ser refém das circunstâncias do cotidiano, ela tem um papel para a sociedade.

As vias da ordem capitalista dependente para navegar na crise significam para nós apenas degradação. Isso se expressa em todos os aspectos da vida social: da nossa alimentação, ao sequestro da produção de conhecimento e da educação, a própria redução da experiência da política, dentre tantos outros.

Por isso, cabe a nós construir o que virá. Não podemos esperar nada do Estado do capital nesse momento, nem mesmo políticas sérias para combater a pandemia. Devemos ser ainda cautelosos sobre a pandemia e seus efeitos, debatendo e buscando saídas sérias para um retorno seguro à convivência, não se submetendo a um retorno à cidade sem regras e sem cuidados. A esquerda perdeu o tempo de realizar comitês de solidariedade nos bairros e de criar sistemas de convívio seguros entre as pessoas. Mas ainda não perdemos o momento de estudar, elaborar e produzir saídas efetivas para a nossa classe. 

Desejamos, leitores, que possamos seguir juntos sem cultivar expectativas na classe dominante e em seu Estado e tampouco sem cultivar a indiferença ante ao presente e ao futuro. Nosso editores diários farão um breve recesso. Ainda assim, nossos jornalistas continuarão acompanhando questões candentes nas lutas gerais dos trabalhadores da cidade, e da nossa universidade – como o debate do calendário acadêmico e do ingresso de novos estudantes.

Para finalizar, nos despedimos, brevemente, de nossos leitores com um trecho do livro “O direito à preguiça” de Paul Lafargue: 

Mas convencer o proletariado de que a palavra que lhe inocularam é perversa, que o trabalho desenfreado a que se dedica desde o início do século é o mais terrível flagelo que já alguma vez atacou a humanidade, que o trabalho só se tornará um condimento de prazer da preguiça, um exercício benéfico para o organismo humano, uma paixão útil ao organismo social, quando for prudentemente regulamentado e limitado a um máximo de três horas por dia, é uma tarefa árdua superior às minhas forças; só fisiologistas, higienistas, economistas comunistas poderão empreendê-la.

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