Reunião com a comunidade da Reta do Jacaré atingida pelo crime da Vale - Mário Campos- MG, Foto: UàE

[Série: Crime da Vale] Organização comunitária em Mário Campos

Beatriz Costa – Brumadinho (MG) – 15/02/2018

]]> No dia 25 de janeiro eu estava em Florianópolis quando recebi uma mensagem com a notícia do rompimento da barragem no Córrego do Feijão. Desde o dia 6 de fevereiro estou em Brumadinho com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), prestando auxílio aos atingidos pelo crime da mineradora VALE. Nesse momento em que os trabalhadores de Minas Gerais vivenciam na pele a força devastadora do capitalismo, da ganância pelo lucro a qualquer custo, todo auxílio é pouco. É assustador perceber, conversando com amigos que ficaram em Florianópolis, como pouco se sabe sobre o que acontece aqui e sobre o que acontece com os trabalhadores daqui. Por isso, durante minha estada, escrevo alguns textos, relatos do que vivencio, relatos de um povo que sofre e que luta.

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Reunião com a comunidade da Reta do Jacaré atingida pelo crime da Vale – Mário Campos- MG, Foto: UàE

Logo após o rompimento da barragem causado pelo crime da Vale, dia 25 de janeiro de 2019, os moradores da Reta do Jacaré, em Mário Campos, foram instruídos a não utilizar mais a água do rio Paraopeba, pois ela poderia estar contaminada. Com poucas informações e praticamente nenhum amparo de autoridades, a comunidade conseguiu se organizar com o auxílio do MAB e agora luta pelos seus direitos.

Mário Campos é a primeira cidade à jusante de Brumadinho, seguindo pelo rio Paraopeba. Em poucos dias, a população ribeirinha viu a água do rio com o qual convivem ficar laranja e com um cheiro forte. Assustados, não regaram as suas hortas por sete dias, até receberem água de um caminhão pipa. Quando foram regadas, muitas plantas murcharam e morreram “cozidas”.

A Reta do Jacaré fica entre o rio Paraopeba e a ferrovia. Ali, não se vive o luto, ninguém perdeu seus parentes e conhecidos. Mas perderam seu rio, que agora está tóxico, morto, inútil, perigoso, fedido. É muito revoltante perceber que um povo que sempre conviveu e utilizou o rio como forma de sustento agora não pode fazer mais isso por conta do crime que a Vale cometeu.

O MAB foi até a comunidade ouvir as demandas dos moradores e incentivar a organização comunitária e a luta coletiva. A maioria dos moradores vive de horta, como eles dizem. Donos de terra, meeiros, arrendatários e diaristas. Apesar de estarem em situações jurídicas diferentes, estão todos juntos para lutar pelos seus direitos.

O Seu Dico não se conforma com a situação do rio. Pega água do Paraopeba todos os dias, em uma garrafinha de 500 ml, esperando o dia no qual ela ficará limpa novamente. Observando a sequência de garrafinhas percebemos bem os dias nos quais choveu, entre outras características. Na garrafinha, depois de decantar, a água fica quase limpa. Quase acreditamos que o rio vai voltar a ficar limpo também. Mas é só mexer um pouco para vermos a cor cinza escuro e as partículas que estão presentes.

Um militante do MAB alerta ao senhorzinho que mesmo que ele colete uma água cristalina, ainda assim não a use para consumo e nem para regar as plantas. A água continua contendo metais pesados que não devem ser consumidos.

O Seu Alexandre está colhendo tudo que pode da sua plantação, para vender antes que seque devido à falta de água. Dona Eliane, sua esposa, clama para que prestem atenção nestas comunidades desassistidas.

Não foi só em torno de Brumadinho, nem no córrego do Feijão. A gente lamenta pelas vidas perdidas, muitas mortes… Mas tem um povo que tá vivo e que precisa sobreviver daqui pra frente. E é isso que eu pergunto pra eles, que é autoridade: o que podem fazer por nós? Que nós precisamos sim, da terra e da água pra sobreviver!

Dona Eliane, camponesa moradora da Reta do Jacaré

Marcamos uma reunião da comunidade para o dia seguinte, na casa da Dona Eliane. Na reunião a maior preocupação apresentada foi a garantia da qualidade da água para consumo próprio. Até aquele momento, os ribeirinhos estavam bebendo água de reservatórios cavados no solo, chamados de cisternas. Algumas destas cisternas estão muito próximas ao rio, de 30 a 100 metros de distância e podem também estar contaminadas. É necessário realizar análises da qualidade da água periodicamente, por uma empresa de confiança dos atingidos (que não pode ser a Vale) para que eles possam beber a água tranquilos.

Outras demandas também surgiram: a perda de renda, perda de lazer que tinham pescando e se banhando no rio, dores de cabeça decorrentes do cheiro forte de enxofre que o rio passou a exalar. Percebendo as demandas emergenciais da comunidade da Reta do Jacaré, o MAB entrou em contato com o Ministério Público (MP). Marcamos uma reunião para a manhã do dia seguinte. 

No outro dia, não só o MP, mas também o secretário de agricultura do município de Mário Campos, um representante da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) e diversos vizinhos a mais apareceram na casa da dona Eliane. O MP fez um relatório com a situação da comunidade de forma geral e seus problemas emergenciais. Foi levantada a necessidade de água potável para o consumo das pessoas, complementação de renda emergencial, pois já perderam parte da sua produção do mês e já têm que pagar as contas, cestas básicas ou outra forma de acesso à alimentação, já que também consumiam o que plantavam.

Os relatos foram impressionantes. Um morador relatou que suas 40 galinhas tinham morrido nos últimos dias, elas ficavam soltas pelo terreno e podem ter tido contato com o rio. Outra moradora nos mostrou manchas na sua pele e contou que nunca tinha tido aquilo antes. Ela falou que achava que não era da água, mas sim do estresse causado por toda essa situação. Respondemos que o estresse também é resultado do crime da Vale, afinal ela não estaria assim se o rio não estivesse morto.

 

Reunião com a comunidade da Reta do Jacaré atingida pelo crime da Vale – Mário Campos- MG, Foto: UàE
Reunião com a comunidade da Reta do Jacaré atingida pelo crime da Vale – Mário Campos- MG, Foto: UàE

No mesmo dia foram entregues 12 galões de água mineral de 20 litros para cada família, como medida emergencial. As outras questões do auxílio emergencial ainda estão sendo negociadas. Desde a primeira reunião, representantes da Reta do Jacaré já participaram de mais seis reuniões com representantes do poder público, Vale, MAB, entre outras entidades.

O povo que perdeu seu rio, agora luta por sobrevivência e por reparação. A comunidade também está muito mais unida. Aprenderam a se reunir, discutir seus problemas, elaborar pautas para levar ao Ministério Público, escrever encaminhamentos, fazer repasses das reuniões aos outros moradores. Enfim, se organizar coletivamente para tentar tomar o controle sobre seu próprio destino.

A gente sempre se cumprimentava na estrada, mas conhecer mesmo a gente não se conhecia. 

Dona Hélia, moradora da reta do Jacaré

Na última reunião que participei na Reta do Jacaré, médicos da Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares (RNMMP) já tinham iniciado uma ação de saúde na comunidade, através de uma parceria com o MAB. A reunião terminou com todos de pé, com braço esquerdo erguido gritando: ÁGUAS PARA A VIDA, NÃO PARA A MORTE!

*O texto é de inteira responsabilidade da autora e pode não refletir a opinião do Jornal.

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