Foto: Cláudia Reis/Notícias UFSC
Martim Campos – Redação UFSC à Esquerda – 21/06/2021
O primeiro semestre de alguns cursos de Graduação, referente ao ano letivo de 2021, começou na segunda-feira passada (14/06) e muitos dos recém-ingressos, incluindo aquelas e aqueles estudantes que agora vão para a terceira fase de seus cursos, não fizeram uma experiência na universidade com tudo o que ela poderia oferecer: espaços de estudos, como as salas das bibliotecas, laboratórios, auditórios, áreas de lazer e espaços ao ar livre, biblioteca, restaurante universitário, entre muitos outros. Todos esses espaços de circulação e usufruto são cruciais para a criação de vínculos que temos com a universidade e com aqueles que fazem parte desta comunidade.
Quem antes caminhava entre os ipês amarelos da UFSC poderia com apenas essa caminhada encontrar os cartazes atualizados de eventos, projetos de extensão, esbarrar com um amigo ou colega e descobrir alguma atividade da qual não sabia. Poderia sentar na grama ou nos bancos e ler algo ao ar livre tomando um sol enquanto esperasse o RU abrir, ou então ao descobrir um evento, ir até o auditório em algum dos Centros que nunca teve contato e aprender algo que não consta em seu currículo de formação mas que seria tão importante quanto.
A rotina estudantil composta por estas possibilidades é o que torna a universidade enquanto tal. O conhecimento se faz através destas mediações, descobertas inesperadas, através de grupos de estudos formados entre discentes que tem dúvidas e curiosidades que não estão cabendo nos currículos do curso. O livre acesso à livros, revistas, dicionários bem como espaço adequado para estudos. A universidade existe não para formar profissionais que se fechem em atividades curriculares obrigatórias, que buscam apenas um diploma e ascensão social, mas para que tenham espaços criados por iniciativa estudantil, coletiva, para que estes exercitem sua curiosidade.
Sabemos entretanto que os espaços púbicos que temos na universidade estão cada vez mais precários. E essa precarização tem relação direta com um projeto de desmonte universitário, onde vemos orçamentos mais enxutos e dependentes de emendas parlamentares com o passar dos anos, bem como com a entrada de iniciativas privadas, que aparecem em festas privadas e cercadas dentro do espaço público e nas próprias salas de aula com conteúdo de caráter mercantil.
Antes da pandemia, a UFSC já tinha espaços culturais derrubados ou em condições precárias, como a concha acústica do CCE, que foi derrubada sem quaisquer explicações à comunidade acadêmica; bem como a própria estrutura do campus, que foi sendo cada vez mais trancafiada e burocratizada, dificultando o acesso dos estudantes para sequer se reunirem em salas para realizar grupos de estudos ou reuniões.
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E mesmo com tais condições impostas, a convivência diária nestes espaços fazia com que a mobilização estudantil reclamasse alternativas distintas das impostas.
Um exemplo que nasceu da iniciativa estudantil foi a criação do que acabou sendo um dos maiores festivais de música independente catarinense: o UFSCtock. O festival foi organizado pelos estudantes em 2009 e ocorreu anualmente até 2014. Com o passar dos anos, sua programação ficou mais ampla incluindo exposições de artes visuais, debates, teatro, oficinas, cinema e com atrações nacionais no festival de música, reunindo bandas como O terno, Carne doce, Apanhador Só e Móveis Coloniais de Acaju. Entretanto, em 2015 o festival ficou sem apoio financeiro e também sem as autorizações necessárias da Reitoria.
É também através dessa relação com espaço da universidade que muitos dos estudantes tem contato com a política pela primeira vez. O convívio com novos debates em centros acadêmicos, colegiados de curso e assembleias faz com que no mínimo os estudantes, corporalmente presentes se sintam não somente convidados, mas diretamente implicados na dinâmica dos seus cursos. E são estes debates políticos os quais desdobram pautas que acabam impactando diretamente na formação do estudante.
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As mobilizações nascem no cotidiano de corredores, conversas em cafés e passagens em sala, e são com elas que o corpo estudantil formam um sujeito coletivo que é maior do que seus interesses individuais.
Um exemplo recente de lutas estudantis foi o UFSC contra o future-se, que ocorreu em 2019, e conseguiu mobilizar as bases dos cursos, ao ponto de ter uma assembleia universitária histórica, com mais de 5 mil membros da comunidade presentes, dentre eles estudantes, técnicos e professores tanto dos campi central, quanto do interior. Ao dizer não para o projeto de desmonte do Future-se, foi deliberado um indicativo de greve, e logo em seguida, mais de 72 cursos decretaram greve por tempo indeterminado, o que culminou com uma decisão conjunta dos estudantes da universidade (de todos os campi) pela greve. Uma greve que se estendeu bravamente por 37 dias e se espalhou com greves, paralisações e movimentos por outras universidades.
Por isso, os espaços da universidade não devem apenas abrigar atividades curriculares obrigatórias, mas aquelas organizadas também por iniciativa estudantil, sejam formativas, políticas ou de confraternização.
No contexto atual, sequer nossas atividades formativas estão sendo realizadas adequadamente, reduzidas apenas às telas e tarefas fragmentadas do ensino remoto. As perdas que este modelo traz são inúmeras, e não devemos esquecê-las para que estas mudanças remotas não se instalem permanentemente e nos conforme com esse tipo de ensino.
A contínua reinvindicação de que atividades práticas e teóricas podem ser separadas ganha ainda mais espaço com a possibilidade do ensino híbrido, onde o teórico vira uma pílula de consumo que pode ser consolidada no modelo à distância – o que deveria deixar-nos de cabelo em pé pois é justamente a partir das discussões teóricas, esmiuçando ideias e divergências, colocando dúvidas sobre os problemas atualmente apresentados, o que fundamenta nossas práticas. Pular toda a formação e acúmulo destes debates é aceitar uma prática rarefeita, onde frequentemente serão um conjunto de técnicas das quais as procedências desconhecemos, mas que apenas reproduzimos. Neste momento, precisamos discutir e pautar como a volta ao espaço universitário deve ser feita, quais as atividades e as possíveis consequências para as próximas gerações que farão parte de sua comunidade.
Em um cenário como o nosso, onde as crises em todos os aspectos cotidianos estão presentes, seja economicamente, socialmente e politicamente, com perdas gigantes para nós com a morte de mais de meio milhão de brasileiros por conta de um governo genocida, não devemos achar que é supérflua a reinvindicação deste espaço acadêmico em sua integralidade. O espaço universitário é um dos poucos que podem gestar novas ideias e teorias mais avançadas que respondam aos anseios da nossa classe, diferentemente de empresas e conglomerados, que tem lucrado, e muito, com toda a tragédia que vivemos. Mas para isso, devemos disputar este espaço universitário para que este de fato deem a chance de que sua comunidade de discentes, docentes e técnicos exercitem sua curiosidade e sensibilidade.
É por isso que as pautas sobre a direção da universidade pública nos são imprescindíveis, e todas as decisões a seu respeito não deveriam ocorrer de forma mecânica e simplista, ou meramente apreciadas nos Conselhos. Sem discutir o que significam os processos que são implementados, colocamos em risco seus próprios princípios. Por isso, precisamos continuar a debater a universidade e seu sentido público, o que ela foi e o que pode ser, para que nossa luta discuta as consequências de nosso modo de circular, intrinsicamente relacionado com o que produzimos nesta instituição.
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