Jussara Freire – Redação do UFSC à Esquerda – 14/12/2022
Contrariando as teses que esperam muito pouco do movimento estudantil durante um final de semestre, estudantes de diversos lugares do Brasil se mobilizaram para lutar contra o novo bloqueio orçamentário das universidades e institutos federais na semana que nos antecedeu.
Ao longo do semestre, apesar da indiferença que por vezes parece imperar neste período de retomada das atividades presenciais, quando se trata das condições de continuidade do funcionamento das universidades públicas, há alguns momentos em que estudantes têm dado um demonstrativo de disposição para se enfrentar com os dilemas que tem refletido em péssimas condições de estudo, produção de conhecimento e permanência.
As férias agora se aproximam, mas fica a incerteza sobre o cenário em que a universidade estará no próximo ano. Muitos de nós já sabemos que a resposta para tamanha incerteza é a continuidade das lutas e da mobilização, mas qual o caminho possível para sustentar um acúmulo daquilo que passamos neste semestre? Onde é possível alicerçar uma construção contínua à altura da tarefa que vemos à nossa frente?
Em Outubro, frente a um anúncio de bloqueio de verbas que foi realizado às vésperas das eleições pelo presidente Jair Bolsonaro, os movimentos nas universidades e institutos responderam de forma imediata com atos na UFBA, UFAL, UFCE, IFBA, IFPE, entre outros. Diante do chamado da União Nacional dos Estudantes de um ato para o dia 18 de outubro, foram organizadas assembleias e mobilizações ocorreram em diversos lugares do país.
Na UFSC, diversos Centros Acadêmicos realizaram assembleias estudantis, assim como o Diretório Central dos Estudantes e a Associação de Pós-Graduandos. Mesmo com uma assembleia realizada em uma sexta-feira à noite, um número expressivo de estudantes participou e buscou debater sobre as perspectivas para se enfrentar com os cortes.
O ato do dia 18 de outubro contou com paralisação de aulas e fechamento de alguns centros de ensino da UFSC, assim como, com arrastões de mobilização e batucada pelas unidades que seguiram em funcionamento, chamando os estudantes a somar nas atividades do dia de luta e no ato que foi realizado no centro da cidade.
Ainda, na pós-graduação, os estudantes da UFSC vêm se enfrentando com a normativa do Ensino Remoto, que visa gerenciar e normalizar a precarização da universidade frente aos cortes orçamentários
O novo anúncio de bloqueio no final de novembro e início de dezembro, ainda mais dramático por zerar os caixas das universidades, colocando o funcionamento dos Restaurantes Universitários em risco e interrompendo o pagamento de bolsas de graduação e pós-graduação, levou estagiários do colégio de aplicação, do núcleo de desenvolvimento infantil e do programa de educação tutorial da pedagogia da UFSC a paralisarem suas atividades. Logo em seguida, assembleias da graduação e pós-graduação deliberaram por paralisação de todas as atividades da universidade nos dias 08 e 09 de dezembro, inclusive com o fechamento das entradas e acessos.
Mobilizações também ocorreram em universidades como UFES, UFSCAR, UFRJ, UFFS- Campus Laranjeiras, UFPEL, UFPR, UFU, UNB, UFRN, UEM, UFTM, UFGD, entre outras.
Após estas reações, o governo federal liberou o pagamento das bolsas de graduação e pós-graduação e está em negociação a liberação de verbas para despesas discricionárias, para o pagamento das terceirizadas, contas como água e luz, entre outros compromissos financeiros básicos.
Contudo, o cenário das universidades ainda segue dramático, com uma parte significativa do orçamento que ainda precisa ser recomposta. Para além das manutenções básicas de infraestrutura, dos processos e insumos necessários para processos de ensino e pesquisa, os recursos de permanência estudantil estão muito aquém do necessário para conter a evasão estudantil, que vem sendo sentida em diversas turmas de diversos cursos da universidade. Mesmo a entrada na universidade vem deixando de ser uma perspectiva para muitos, como mostram os números de inscrição para os concursos de vestibular desde o processo para entrada em 2020.
Frente a essa conjuntura, é preciso que o ímpeto de luta que se apresenta nos anúncios de cortes e bloqueios possa ser transformado, desde já, em organização e preparação para os desafios do próximo ano.
Na história dos movimentos estudantis, diversas entidades surgiram como um espaço privilegiado para que se pudesse aglutinar o conjunto dos estudantes comprometidos e dispostos a encabeçar as principais discussões e críticas que cada momento exige — como os centros acadêmicos, diretórios acadêmicos e centrais. Através dessas entidades é possível criar laços entre as gerações que passam pela universidade, mantendo o registro das leituras e análises compartilhadas, das estratégias e das táticas adotadas diante de cada desafio.
Nos últimos semestres foi possível observar um decaimento da atividade dessas entidades, especialmente decorrente da dinâmica segmentada e individualista do ensino remoto. O movimento estudantil foi fragmentado durante a pandemia e as entidades de base desvaneceram como alternativa de construção perante os muitos dilemas que nos encontramos. As entidades de base, principalmente os centros acadêmicos, precisam com urgência ser efetivamente reconstruídas, começar a debater quais são as táticas e estratégias para o ano seguinte, como expandir o anseio por defender a universidade pública em estratégias efetivas para a superação da indiferença e desmobilização que ocupa boa parte do ano letivo, mesmo diante de uma universidade em frangalhos.
Frente a força de destruição que está em vigência, cotidianamente, contra a universidade pública, que é sentida de forma mais intensa nos anúncios de bloqueios, a resposta está em um trabalho cotidiano e sólido para se enfrentar com tal força. É necessário recompor em cada curso da universidade os laços de coletividade e união nas bases que podem produzir o vigor necessário para os combates decisivos.
Debater com os pares de forma sistemática o orçamento da universidade, quais os prejuízos que esta tem sofrido, tanto os evidentes, quanto os que não necessariamente são percebidos de primeira vista, quais as mudanças que vêm ocorrendo na sua forma de funcionamento, entre outras questões importantes.
Um trabalho como este permite realizar um diagnóstico rigoroso dos problemas e desafios, de como enfrentá-los e permite até mesmo fazer um exercício imaginativo e propositivo do que a universidade precisa para ser outra coisa, para estar à altura dos dilemas da classe trabalhadora brasileira, diferente de tudo o que já foi e de tudo que a burguesia e os capitais anseiam que ela seja, para favorecer seus negócios no campo educacional. Tal exercício também é um importante ponto de direção para que as lutas possam ir além das resistências aos ataques mais imediatos.
Trata-se de reconstruir as condições para que os estudantes possam dizer por si mesmos, por desde a base, por desde os instrumentos que os unificam e fortalecem, quais as perspectivas para as lutas, sem deixar que sua imaginação política seja refreada pelas limitadas condições da institucionalidade, seja ela representada pela reitoria ou pelo governo federal.
Que os estudantes possam ocupar seus principais instrumentos de luta, que são as entidades de base, e colocar em questão para si e para seus pares quais os horizontes de luta que devem ser seguidos por estas. Que possam começar do zero, reconstruir, debater, criticar, concordar, discordar e superar os problemas das estratégias que vêm sendo realizadas até então, sejam por organizações políticas ou por estudantes independentes.
As entidades de base são os principais instrumentos para o enfrentamento a estes desafios, compô-las, mesmo sem saber muito bem como e mesmo diante da falta de experiência, mas com disposição, humildade e fraternidade para ir descobrindo sobre esse processo ao longo do caminho – deixando para trás compreensões paralisantes de que as tarefas elaborativas e construtivas devem ser reservadas exclusivamente aos que já tem experiência ou que aparentam saber mais; é parte do importante caminho para dar consequência política às fagulhas de luta que tem se evidenciado até então.