Foto: Assembleia dos estudantes da UFSC; Florianópolis – 10/2018; por UFSC à Esquerda
Flora Gomes* – Redação UàE – 08/05/2019
Hoje voltam as aulas na Universidade Federal de Santa Catarina e em muitas outras Universidades brasileiras. Para os calouros que agora iniciam sua trajetória, experimentam uma dose de êxtase por comporem, a partir de hoje, a ínfima parcela da população brasileira que acessam a Universidade (ainda) pública. Eles rapidamente podem acostumar-se com os rumos que a Universidade está tomando: que os conflitos resolvem-se nos gabinetes; que condiz com a função da Universidade pública dispor sua produção científica à lógica do empresariamento; que o espaço universitário é perigoso e, portanto, devemos ter cautela política; que as organizações sociais são a solução para as questões administrativas e orçamentárias; que o desenvolvimento científico e tecnológico precisa estar a serviço do capitalismo dependente e não da soberania e emancipação dos trabalhadores; entre outras aberrações que representam as reformas gestadas por todos os governos desde a Ditadura empresarial-militar, e que nos levaram até isto que hoje se apresenta com o Future-se.
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Mesmo que diversos mecanismos atuem para manter o tom de normalidade desse semestre, é necessário que, mais do que nunca, todo o corpo universitário tenha ciência do momento dramático que atravessam nossas Universidades.
Se muitos calouros iniciam seus cursos com a expectativa de realizarem seus sonhos, rapidamente irão deparar-se com uma das maiores crises atravessadas pelas universidades brasileiras nas últimas décadas. Cabe aos que já estão aqui a um tempo, acompanhando diversas transformações, o papel da memória do que já foi a Universidade, para que possamos vislumbrar e construir juntos o que ela ainda pode ser. É necessário recordar que houve um tempo em que o acesso ao espaço universitário era livre, sem cancelas que permitiram maior controle e facilitaram da entrada da PM – recordemos o que houve em um Geosamba no final de 2018; que os Happy Hours eram semanais e cumpriam a função política de manter o corpo estudantil em constante contato por meio de um lazer gratuito, acessível e seguro, além de auxiliar centros acadêmicos e outros grupos na gestão de suas políticas financeiras; que no bosque havia um palco e no CCE uma concha acústica com diversas atividades culturais; que a Universidade era palco de um grande festival de arte conhecido como UFSCtock; que o CFH era um centro marcado pela liberdade de expressão e livre manifestação. Além disso, não podemos esquecer das sérias disputas políticas dos últimos anos, da Assembleia memorável de 2013 em que a ampla maioria dos estudantes do CFH colocaram-se contrários às iniciativas empreendedoras; que em 2015 houve uma grande ocupação de reitoria após anúncio de cortes na educação; que em 2016 os secundaristas inspiraram os universitários com as ocupações em instituições federais, entre outros. Recordemos de todo esse passado, sempre realizando as críticas necessárias para que os erros também não se repitam.
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Os recentes cortes na educação – de abril, maio e julho – para além de nos conduzirem a um saudosismo fadado ao fracasso, colocam-nos diante do desafio de que é preciso que juntemos forças, calouros e veteranos, técnicos e professores, juntos com a população – afinal, essa instituição deve ser de toda a classe – para a pautar que uma outra universidade é possível (e necessária!). Precisamos exigir que nossos anseios intelectuais não se restringem à formação profissional e técnica, que queremos uma instituição desafiando os limites da ciência e que seus frutos sejam aproveitados em conjunto pela nossa classe; que os debates sejam abertos e livres; que possamos desfrutar de momentos de lazer juntos e com segurança, com a ocupação constante dos espaços universitários com arte e eventos de integração para toda a população; que possamos viver integralmente, em todas as instâncias da Universidade, o compromisso da produção de diversas formas de conhecimento para a maioria da população.
Portanto, calouros e calouras, sejam bem-vindos e bem-vindas a um momento de muita luta para todos nós!
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