[Opinião] A Reforma do Ensino Médio e o ensino online

Morgana Martins* – Redação UàE – 23/11/2018

O Ministério da Educação (MEC) aprovou na terça-feira desta semana (20) a flexibilização da carga horária do Ensino Médio para o ensino à distância, liberando 20% da carga do ensino médio diurno, 30% do noturno e 80% para a modalidade da Educação de Jovens e Adultos. O texto aprovado atualiza a Reforma do Ensino Médio (Lei nº 13.415), aprovada em 2017 e promete alterar substancialmente a função das escolas brasileiras.

Para começo de conversa, precisamos relembrar que a Reforma do Ensino Médio foi implementada a partir de uma Medida Provisória – no caso, a MP nº 746, de 22 de setembro de 2016 – caracterizada por um ato unipessoal da presidência da República, com força imediata de lei, sem a participação do Legislativo, o qual somente será chamado a discuti-la e aprová-la em momento posterior. O pressuposto da MP, de acordo com o Art. 62 da Constituição Federal é urgência e relevância, cumulativamente.

De forma resumida, a Reforma do Ensino Médio – LEI Nº 13.415, DE 16 DE FEVEREIRO DE 2017. –  impõe a flexibilização da grade curricular, a qual ficaria dividida em uma estrutura que é comum e obrigatória a todas as escolas – que será prevista na Base Nacional Comum Curricular – e outra parte flexível – com possibilidade de oferta de acordo com cada escola. O objetivo dessa mudança, segundo o Portal do MEC, seria aproximar as escolas da realidade dos estudantes baseados nas novas demandas profissionais do mercado de trabalho.

Ou seja, a reforma altera os currículos os quais eram divididos em disciplinas como Geografia, História, Matemática, Artes e passa para o ensino de grandes áreas – como fossem aqueles da prova do ENEM – e, dentro dessas grandes áreas, trabalha com aqueles conteúdos que são os requisitados para que os jovens pudessem sair da escola e, diretamente, se inserir ao mercado de trabalho.

Essa alteração retira a possibilidade do estudante experienciar a escola da melhor forma possível. Tornando quase impossível que a escola possa proporcionar a passagem por processos amplos de apreensão de conteúdos densos e construir conhecimento crítico sobre os fenômenos da realidade. Porém, mesmo antes das reforma de 2017 as escolas já vinham perdendo essa possibilidade: o processo de retirada dos conteúdos mais densos já vem de longo tempo e passa a ser um projeto para àqueles ligados às classes dominantes. Lembrem da discussão em torno do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 193 de 2016, intitulado “Programa Escola sem Partido”.

Além disso, a reforma propôs-se a retirar da obrigatoriedade o ensino de Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia, áreas de conhecimento que são fundamentais para o desenvolvimento tanto intelectual quanto o físico.

A defesa de pelo menos manter essas áreas no currículo é importante, para nós socialistas, pois desde as teses sobre a educação apresentada por Marx no I Congresso Internacional Comunista já se tratava da necessidade de que as escolas ofereçam a educação intelectual, o desenvolvimento físico e a educação politécnica – sendo essa última conhecer os princípios científicos gerais de todos os processos de produção e, ao mesmo tempo, dar à criança e ao adolescente habilidades práticas para lidar com ferramentas elementares de todas as produções. Princípios esses que fazem parte da construção de um novo projeto para a sociedade.

Porém, a Reforma do Ensino Médio não passou sem que a sociedade brasileira e, principalmente, os estudantes das escolas básicas, se manifestassem radicalmente contra o novo modelo proposto. Em 2016, uma onda de ocupações das escolas rondou o país, foram cerca de 300 escolas que cessaram as aulas para unir-se e dizer não à reforma. Foi um momento fundamental de renovação das lutas dos estudantes, que respingou também para a ocupação de algumas universidades pelo Brasil.

Lembremos também que o presidente eleito para os próximos quatro anos, Jair Bolsonaro, apoiou durante toda a sua campanha a proposta de que o ensino seja online, afirmando que isso acabaria com alguns pensamentos de esquerda, dos quais ele não concorda. Sua proposta também visava atingir e “dar oportunidades” às camadas mais pobres da população e que moram em cidades distantes das escolas. Porém, o Sr. Presidente esquece que se essas crianças não têm acesso a um transporte e uma escola, quem dirá a um computador com internet acessível.

Certeiramente, a proposta realizada pelo Jair Bolsonaro aprofunda ainda mais a desigualdade e não resolve o não acesso dessa parcela da população às escolas. Por que, ao invés de diminuir o nível da educação, não aumentar as escolas e proporciona o desenvolvimento completo dessas crianças? Que elas tenham acesso à alimentação, vestimenta, a computadores com acesso à internet, a realização de exercícios e brincadeiras, entre outros?

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Com todos os elementos apresentados, parece ficar claro que toda a Reforma do Ensino Médio, incluindo sua atualização de que agora o ensino tem carga reservada para ser ministrado à distância, não visa procurar alternativas aos grandes problemas que a educação no Brasil enfrenta, mas sim, visa apresentar aos nossos jovens que a única saída é o mercado de trabalho.

No Ensino Médio, por exemplo, a evasão escolar é de 11,2% do total de alunos nessa etapa de ensino, e, soma-se a isso a percentagem de que 27% dos jovens entre 15 e 17 anos estão fora das escolas, as pesquisas apresentadas são do ano de 2017. A série histórica – em pesquisa divulgada pelo Inep¹ – mostra que houve uma queda progressiva na evasão escolar de 2007 a 2013, mas ela volta a crescer no ano de 2014, quando as taxas voltam a crescer. A taxa é ainda maior em escolas rurais, sendo o Pará o estado com a mais alta evasão escolar, chegando a 16% no ensino médio.

O ensino online, então, como mais um dos braços que retira das escolas a possibilidade de ser um local não apenas de ensino, mas de socialização e que possui um professor que media as relações dos alunos com os conteúdos, nos é empurrado goela abaixo como a solução. Solução que, para o ensino superior, por exemplo, resultou na abertura de cursos baratos e venda de um grande número de matrículas, que fez grandes grupos educacionais brasileiros se tornassem os maiores do mundo. O resultado disso é 80% dos professores sendo formados por essas instituições privadas, grandes vendedoras da educação.

Ou seja, se antes as escolas já não davam conta de ser um local que faz sentido aos estudantes, com uma alteração substancial que demonstrou uma alta taxa de rejeição já em 2016 com diversas escolas ocupadas, podemos tentar imaginar o que ficará reservado ao futuro de nossos jovens, que são empurrados cada vez mais cedo ao trabalho e à impossibilidade de traçar qualquer sonho para sua vida.

Esse é um começo de debate, para que nos atentemos que os planos da classe dominante para os nossos jovens e nossa vida é cada vez mais assombroso. A resposta a isso, necessariamente, precisará se dar à altura por nós socialistas, em que façamos um projeto novo para nossa sociedade, capaz de mostrar que é necessário (e possível) a reestruturação das relações e do modo de vida.

¹ http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/inep-divulga-dados-ineditos-sobre-fluxo-escolar-na-educacao-basica/21206

*O texto é de inteira responsabilidade da autora e pode não refletir a opinião do Jornal.

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