[Debate] Aberto 24h: em SC, professores do ensino básico enfrentam sobrecarga com o ensino remoto

Helena Lima* – Redação UàE – 11/06/2020

Em Santa Catarina, com a ascensão da pandemia do coronavírus, as aulas do ensino básico foram suspensas no dia 17 de março quando se instaurou o isolamento social. Algumas semanas depois, no dia 6 de abril, o ensino remoto foi implementado pelo governo estadual.

Entre os dia 17 de março e 6 de abril os professores tiveram um adiantamento do recesso de julho. Em uma conjuntura como esta, de suspensão das atividades por uma crise sanitária que assola o país em níveis altíssimos, um período de luto geral não pode ser equiparado à um tempo de recesso, tão caro para estes professores extremamente sobrecarregados. A política de adiantamento das férias (que não afetou apenas os trabalhadores da educação), dessa maneira, deve ser combatida.

No dia de abril, o governo federal publicou a Medida Provisória 934, que atribui normas excepcionais sobre a duração do ano letivo: dispensa a necessidade das escolas cumprirem com 200 letivos, mas mantém a carga horária mínima de 800 horas. A partir desta publicação ficou a cargo dos estados e municípios discutir e reorganizar o calendário letivo. 

Já neste momento existe uma encruzilhada, como manter as 800 horas em um contexto de isolamento social? Esta decisão só tem duas saídas, o aumento da carga horária dos professores no retorno das atividades presenciais ou o ensino remoto durante a quarentena.

Implementação autoritária do ensino à distância em Santa Catarina

Segundo Michel Flor, professor de Educação Física e membro da Coordenação Estadual do Sindicato dos Trabalhadores da Educação (SINTE-SC) entrevistado pelo UàE, o teletrabalho foi instituído em Santa Catarina sem debate com as unidades escolares, os professores e estudantes, e sem preocupação com as realidades diversas de cada escola.

De acordo com Michel, esta prática autoritária é recorrente e expõe a distância dos governadores e secretários das escolas públicas. Os que tomam decisões como esta unilateralmente não conhecem as escolas públicas porque sempre estudaram em escolas particulares, assim como seus filhos e netos.

No início de abril pelo menos dez estados já tinham aderido ao ensino remoto. Neste momento, o Conselho Nacional de Educação (CNE) emitiu diretrizes para a reorganização do calendário escolar e o teletrabalho dos professores no estado de calamidade pública. 

O CNE apresenta duas saídas para as escolas públicas, já apresentadas. A primeira é a possibilidade de cumprimento das 800 horas através do ensino remoto. A segunda é a que normalmente se realiza em “eventos não previstos”, que é a reposição das aulas de forma presencial em horas extras, que seria adotada ao fim do período de emergência.

Essa reposição acontece, e isso é frisado no documento, aos sábados, em períodos de recesso ou férias e em contra turnos, com a ampliação da jornada de trabalho diária dos professores.

Por esta situação, Michel afirma que, quando foi implementado o ensino remoto em Santa Catarina, a maioria dos professores acatou a decisão. A reposição no formato de horas extras é usada como forma de punição para os docentes quando entram em greve, como aconteceu nas greves de 2011, 2012 e 2015, sendo um “trauma” para os professores.

A sobrecarga relatada pelos professores

Com o início das atividades remotas, Michel aponta que os docentes começaram a relatar um excesso na metodologia implementada: excesso de cobrança por parte do governo estadual e dos diretores das escolas, que cobram atividades, às vezes, que não são obrigatórias. 

A execução de um plano mal formulado, com orientações vacilantes e falta de equipamentos adequados está abrindo espaço para o assédio aos professores por parte dos diretores e dos pais

Neste sentido, um problema relatado ao SINTE correntemente é a relação da comunicação entre as famílias e as unidades escolares. Está à cargo dos professores e das escolas entender e solucionar a situação em casa das famílias. Esse tipo de tarefa que não deveria ser de responsabilidade dos professores e está intensificando a sobrecarga dos docentes. 

Grupos de whatsapp foram criados para relação dos professores com os alunos ou pais. Mas imaginem um professor da rede pública, que tem em torno de 1500 alunos, ter que responder à dúvidas técnicas e questões pessoais de cada um destes estudantes e de suas famílias! Michel afirmou, na entrevista, que “não existe discernimento de horário, estes grupos viraram uma pandemia”.

Em Santa Catarina, o estado contratou o sistema do Google For Education, plataforma de uso obrigatório pelos professores para a disponibilização de atividades e contato com os alunos, mas nem todos os estudantes têm acesso à plataforma e muitos estão com dúvidas técnicas, o que recaí na comunicação informal com os professores.

“Tem uma reclamação agora, e tá muito frequente, de assédio, de cobrança, de diretores de escola, que fica exigindo o professor fazer live ou vídeo, e isto não tá previsto, não é obrigatório. Obrigatoriedade tá na utilização do aplicativo que o governo do estado comprou. Todas as semanas aparecem mais situações burocráticas para os professores estarem preenchendo”, relatou Michel.

O SINTE está acompanhando a situação dos professores e os diversos problemas que estão permeando estas atividades remotas, muitos docentes estão adoecendo frente à este caos. O sindicato, afirma o Michel, tentou diversas vezes o contato com o governo estadual e conseguiram realizar apenas um encontro desde o início da pandemia.

Acesso universal

As famílias, assim como os docentes, estão atravessados por uma crise econômica e sanitária. Os pais tem que ir trabalhar e se expor ao risco ou enfrentam o crescente desemprego, em ambos os casos com seus filhos em tempo integral em casa. Além de uma luta diária pela sobrevivência, muitos brasileiros estão em luto pela perda de seus entes queridos.

A improvisação de um calendário de aulas e uma metodologia feita às pressas só dificulta a rotina dessas famílias, que em sua maioria as crianças não vão conseguir acompanhar as aulas. 

Mais de 50% dos estudantes não têm acesso à um computador com internet em suas casas, eles têm que depender no máximo de celulares e de dados móveis. O ensino à distância veio, assim, separado das condições básicas de acesso tanto para os professores como para os estudantes. 

“Tem vários professores que não tem acesso, e o que tem acesso é com seus materiais particulares, o governo do estado não garantiu nenhum tipo de instrumento e a formação foi coisa de uma ou duas semanas”, afirmou Michel. 

A alternativa do estado para os estudantes que não tem acesso à internet foi a disponibilização dos materiais nas escolas próximas. Neste ponto, Michel questiona esta política que está causando aglomerações na escola sem equipamentos de proteção, colocando os trabalhadores e as famílias em risco e o limite dela, sendo que o transporte público está parado em muitos lugares. 

Esta precariedade é evidenciada pelo número muito baixo de devolutivas das atividades que os professores estão recebendo.

Displicência pedagógica: estratégia de implementação do EàD? 

A Secretaria do Estado de Educação de SC está debruçada somente em implementar medidas administrativas, como relatou Michel. A instauração autoritária do ensino remoto atropelou qualquer discussão pedagógica que seria indispensável em uma nova conjuntura como esta.

O debate, em muitos espaços, tem se voltado para a hipótese de que a instauração do ensino à distância durante a pandemia possa ser uma estratégia de inserção desta modalidade no ensino básico, e foi isso que o Michel também apontou.

No ensino superior assistimos um avanço crescente de um ensino à distância em faculdades privadas de baixíssima qualidade no país, que concentravam, em 2017, cerca de 1 milhão e meio de estudantes, 18% do total de matrículas no ensino superior. 

No entanto, é preciso diferenciar o ensino básico do ensino superior nesta discussão. O ensino básico, pelo menos o infantil e fundamental (de 0 à 14 anos), é indispensável em nossa sociedade para que os pais possam sair todos os dias ao trabalho. Este, então, não parece ser um horizonte possível no sistema capitalista, quem ficaria com estas crianças enquanto os pais vão trabalhar? 

Agora, esta conjuntura pode abrir espaço para o uso maior de instrumentos como o Google For Education em sala de aula, que já era utilizado em algumas escolas em SC. 

*Os textos de debate são responsabilidade de seus autores e podem não refletir a opinião do jornal.

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