Foto: Brasil S/A - Revista Cardamomo - 04/09/2016

[Debate] As mensagens de Moro e a fraqueza da esquerda

Foto: Brasil S/A – Revista Cardamomo – 04/09/2016

Giulia M. Carneiro* – Para o UàE – 05/07/2019

O vazamento das conversas de Moro, que hoje conta com uma série de oito materiais publicados pelo The Intercept Brasil, demonstrou aquilo que análises de esquerda já apontavam desde a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), determinada dia 05 de abril de 2018: a prisão arbitrária e turbulenta do ex-presidente contou com um grande acordo organizado pelas elites de nosso país, encabeçado por Sérgio Moro. 

Porém, mesmo com a reviravolta causada pelos vazamentos, iniciados no mês de junho deste ano e que confirma com algumas provas a mais as análises anteriores, o Partido dos Trabalhadores não foi capaz de tratar esse fato político com a mínima astúcia social democrata, nem mesmo convocou suas bases de militância a se manifestarem. O editorial publicado no dia 26 de junho pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) explicita que não está no calendário das lutas sindicais nenhuma ação política efetiva após a abertura de uma brecha que explicita a podridão do sistema político brasileiro. Nem mesmo os movimentos sociais ousaram sair às ruas.

Do contrário, a base sindicalista do Partido, apresentou um texto sobre os próximos passos da defesa em busca da liberdade de Lula, que giram em torno de “1) aguardar a retomada dos trabalhos da Segunda Turma, que tem a primeira sessão prevista para 6 de agosto; 2) entrar com habeas corpus no período do recesso do STF (de 2 a 31 de julho) para tentar libertar Lula provisoriamente nesse período. Nesse caso, o pedido seria analisado pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, ou pelo vice-presidente, Luiz Fux, que costumam se revezar no plantão do Supremo.”

Em contrapartida, enquanto a maioria da esquerda se deleita com os vazamentos deste acordo político, esperando que Moro caia sem qualquer atuação política radicalizada, deixa livre o caminho para que Bolsonaro e as classes dominantes façam avançar suas políticas neoliberais. Nos últimos dias, o Partido Social Liberal (PSL) e Bolsonaro avançaram nas negociações e aprovaram texto base da Reforma da Previdência – uma das pautas que mobilizou o país com fervor no último 14 de junho.

Além da Previdência, foi liberada a utilização de agrotóxicos altamente tóxicos, avançaram a entrega da Amazônia para a exploração e desmatamento – Bolsonaro mostrou uma das ações que contribuem para isso em seu Twitter, no dia 02 de julho, tratando de que nos últimos dias foram iniciadas as obras de pavimentação da Transamazônica (BR-230/PA – trecho entre Marabá e Divisa de Tocantins) – e foram feitas reuniões presidenciais com China, Índia, Arábia Saudita e um acordo entre Mercosul e União Europeia, em reunião do presidente em Bruxelas. 

Isso deixa claro como o novo governo está buscando apoio que está perdendo de seus eleitores na classe dominante e fazendo o necessário para manter-se no poder. E frente a esse projeto político muito bem desenhado, a esquerda não está sendo capaz de responder a altura, acreditando que a saída seja um novo governo, uma nova eleição, sem se dar conta de que não há mais espaço para a velha política conciliatória. Já em 2016, com o impeachment da presidenta Dilma, nos foi dado o recado de que não há mais lugar no Brasil para o sonho de uma democracia liberal burguesa baseada na conciliação de classes.

Mesmo assim, a sequência de acontecimentos mantém viva na subjetividade dos brasileiros tal possibilidade. Cada dia, uma nova notícia sobre Lula trabalha com a ansiedade sobre a possibilidade de que o ex-presidente seja liberado e governe novamente o país em ruínas, abrindo um novo capítulo do petismo. Até mesmo foi utilizada a super produção de filmes para manter viva a esperança, expresso no lançamento de “Democracia em Vertigem” na plataforma Netflix, filme indicado como um dos oito melhores filmes do ano pelo New York Times. 

Não devemos tomar esses fatos como mera casualidade, a exaustão do tema tanto por parte dos petistas – e mesmo de uma esquerda que se reivindica comunista – quanto de uma parcela da imprensa, que insiste em manter viva a figura de Lula.

E bem, não é simplesmente achar que a pauta “Lula Livre” seja tosca e não tenha motivo para estar tão em voga, mas ela sozinha não demonstra a complexidade de um sistema judiciário que, do contrário que muitos da esquerda tem reivindicado, com certeza não é neutro e muito menos justo. Se existe um conjunto de leis forjadas pelo direito burguês é somente porque a igualdade real não existe, logo, cabe a nós questionar esse instrumento, e não reforçá-lo positivamente, como faz o próprio Lula na maioria dos seus discursos, reproduzido também pelas bases petistas. 

O equivocado é tratar dessa pauta como a única que abre caminho para a escrita de uma nova história no nosso país, apostando em uma saída totalmente reformista, que, digamos de passagem, é aceita pela maioria dos setores da esquerda. É de se estranhar que ao mesmo tempo que reivindica a pauta em todo e qualquer espaço político, o PT – e todos os partidos de esquerda – mantenha suas bases imóveis frente a uma abertura na conjuntura. Não é muito difícil imaginar que um partido tão grande quanto o Partido dos Trabalhadores não pudesse, após as mensagens escandalizantes de Moro, tratar do assunto com as suas bases de militância e não somente com os advogados de Lula? 

Se exigimos a liberdade de Lula, que exijamos a sua liberdade atrelada a formulação de novos princípios sobre o que é justiça, desmascarando o direito burguês e sua proteção ao grande capital enquanto aponta sujeitos como representantes da corrupção. E, principalmente, questionar o encarceramento em massa de nossa classe, julgada moralmente por todas as formas de preconceito e com processos forjados, como aconteceu com Rafael Braga.

E claro, não podemos deixar de lado a análise minuciosa do papel da Lava Jato e da corrupção em um país de capitalismo dependente, pauta que a esquerda deve se apropriar, ao invés de virar o nariz sempre que a palavra é dita, pois remete a processos de injustiça com o Partido dos Trabalhadores. Pois bem, o PT com certeza não criou a corrupção, isso é óbvio, mas também não a combateu. Sobre a pauta, retomo um dos Editoriais publicados pelo UFSC à Esquerda, após a prisão de Lula:

A esquerda não pode se abster da luta contra a corrupção, pois ela desvela os limites íntimos desta forma muito singular da democracia liberal burguesa e a necessidade de instaurar um regime democrático que acolha a participação direta das maiorias em todas as decisões políticas fundamentais para seu próprio destino. Contudo, ao contrário do que a lógica dos escandalizadores quer demonstrar, toda participação no polo do aparelho estrito do Estado envolve necessariamente inúmeros agentes correspondentes no polo do capital. A forma atual da corrupção no Brasil tem a face e segue o ritmo do ciclo e concorrência intercapitalista e isto não pode ser abandonado pelos socialistas, caso contrário a corrupção só pode ser concebida como de natureza metafísica. Não são os afetos, as emoções, os comportamentos ou as atitudes morais que determinam essa forma de corrupção visceral na política brasileira, mas o contrário, são eles próprios sintomas resultantes do engendramento de uma forma política que além de atuar, balancear e compensar as crises do capital, ainda precisa operacionalizar o tipo de reprodução capitalista dependente brasileiro que só se realiza no terço mais baixo dos padrões de acumulação vigentes no mercado mundial quando dinamizado por uma relação pornográfica – para dizer o mínimo – entre o fundo de acumulação desses capitais e os fundos estatais.”

Enfim, não há conclusão possível que dê conta de abarcar as tarefas urgentes que temos o dever de realizar para com a nossa classe. Enquanto não nos livrarmos de vez do sonho de uma democracia liberal burguesa, de nos prender a migalhas conciliatórias e acreditar em uma justiça que tem como função defender as classes dominantes e manter o seu poder, não haverá abertura para a militância verdadeiramente compromissada com a transição revolucionária e para a verdadeira libertação da classe trabalhadora.


*O texto é de inteira responsabilidade da autora e pode não refletir a opinião do Jornal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *