Imagem: Pawel Kuczynski
Morgana Martins – Redação UàE – 14/07/2020
Ou seja, a boa questão não é “o que fazer?”, mas “o que aconteceu com nossa imaginação política para que perguntemos desesperadamente a outros sobre o que fazer?Vladimir Safatle. Só mais um esforço.
Publicado originalmente em Universidade à Esquerda.
A pandemia do novo coronavírus, um acontecimento que já marca o nosso século, com certeza é um marco decisivo para a nossa geração. Além de mudar nossas relações cotidianas, o isolamento social, política de combate a disseminação do COVID-19, trouxe enormes mudanças para a dinâmica das lutas sociais.
Isso nos coloca em uma situação política extremamente nova e delicada, pois exige a reorganização e reinvenção de como travar as lutas políticas que são fundamentais para nós e nos coloca em contato uns com os outros através da utilização de tecnologias com as quais até então não tínhamos familiaridade.
Porém, isso não quer dizer que não seja possível travar as lutas que consideramos importantes, principalmente as que vem ocupando as universidades pelo Brasil, que é a de travar oposição à tentativa da implementação do ensino remoto. Diversas universidades têm se mobilizado contra a precarização da educação que o ensino a distância carrega consigo, como a UFGD, UERJ, UFFRJ, USP, Unesp e UENP.
Partindo de um exemplo: a UFSC
Na UFSC, por constatar que o auge da disputa será na próxima reunião do Conselho Universitário (CUn), grande parte do movimento estudantil tem concentrado suas forças de disputa nos marcos da institucionalidade. A próxima sessão do CUn irá ocorrer no dia 17 de julho para discutir sobre a proposta de retomada das atividades de ensino a distância.
Somada à constatação de que não há mais como barrar o ensino remoto na UFSC, a estratégia de alguns setores da esquerda do movimento estudantil têm sido propor uma minuta alternativa àquela que será apresentada no CUn, como uma forma de reduzir danos aos estudantes.
A luta na institucionalidade
Em relação ao exposto acima e, considerando dialogar com a ideia das disputas na institucionalidade, trataremos de dois pontos principais. O primeiro é que, de acordo com o que Safatle apresenta em seu livro “Só mais um esforço”, a ideia de representação na política é uma forma de nos afastar de uma democracia real; e, o segundo, diz respeito a tratar das representações discentes nesses espaços a partir de outra perspectiva, que não fazer a mesma política que faz os setores administrativos.
A representação estudantil nos conselhos de administração central foi fruto de diversas lutas estudantis. Essa foi pauta inclusive da Reforma Universitária de Córdoba, quando estudantes reivindicaram participação junto ao governo universitário, pois sabiam que era a juventude, a única desinteressada em ganhos administrativos, que conseguiria apresentar críticas e oposições ferrenhas aos que governam a universidade e se exercitam em benefício de si mesmo.
Leia também: 102 anos da Reforma Universitária de Córdoba: parte 6
Álvaro Vieira Pinto, em seu conhecido livro “A Questão da Universidade”, também apresenta como necessária a participação dos estudantes nos conselhos, pois assim são capazes de fazer pressão e colocar limites nos projetos da classe dominante. Mas quando ele apresenta esse argumento, não o faz baseado em uma ilusão com a representatividade nesses espaços ou em defender que os estudantes administrem junto do reitor a universidade, mas pela possibilidade de não deixar que os conselhos se tornem espaços de negociações burlescas.
Isso porque os estudantes, junto de seu senso crítico, devem estar nesses espaços para apresentar oposições ferrenhas aos debates realizados, exigindo explicações, denunciando as posições e levando o espaço ao tensionamento máximo. É esse o sentido da crítica, como apresenta Marx na Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel, não sendo ela um fim em si mesma, mas um meio de apresentar as denúncias e a indignação frente ao que está nos sendo apresentado.
Ou seja, o que os estudantes deveriam estar priorizando, no momento atual, é em demonstrar como não é possível realizar uma disputa através do CUn, pois há já uma preparação prévia a ele, que decide as políticas, os documentos a serem apresentados e forjam um consenso prévio. Basicamente, que há muito ocorrendo por baixo dos panos.
A tão reivindicada democracia
Além disso, foi pauta de diversos Diretórios de universidades pelo Brasil a necessidade de que a retomada das atividades deve ser feita com democracia e, portanto, as decisões não devem ser tomadas de cima para baixo. Portanto, que deve aumentar a participação dos estudantes na construção de propostas e nas representações em órgãos administrativos.
Aos socialistas, o aumento de representações não representa um “aumento” de democracia; o que consideramos como democracia é a passagem da consciência individual à consciência coletiva e, portanto, a representatividade sai de jogo, pois a vontade de um é a expressão de uma classe. É esse o sentido que damos às lutas quando tratamos de que devem ser democráticas; e não ampliar os espaços de representação.
Para exemplificar melhor esse elemento, em relação à implementação do ensino remoto, isso se explicita na fragmentação que é imposta aos estudantes, colocando de um lado estudantes pobres e, portanto, sem acesso a internet, e de outro os estudantes com acesso. Porém, essa divisão é totalmente fictícia, basta resgatarmos o caráter de classe de nossa instituição.
Devemos dissolver essa separação e nos apresentar como uma classe que não aceita que a nossa educação seja precarizada, que pensa sobre o papel da universidade e por isso luta em sua defesa. Portanto, que não aceita uma universidade pior do que a que existia antes da pandemia. Ou seja, estamos do mesmo lado em defesa da educação, mesmo tendo ou não tendo acesso a internet.
Resgatando o trecho inicial em que apresenta um argumento de Vladimir Safatle, o mesmo considera também que “quem defende a representação, seja a direita, seja a esquerda, encontra nela um bom álibi para esconder seus desejos de controle, para filtrar a sociedade construindo uma imagem da emergência popular mais fácil de controlar. Pois, definindo as condições de representação, sou capaz de controlar a fronteira entre a existência e a inexistência política.”
Portanto, a tarefa política atual não é consolidar mecanismos de controle, como já nos é imposto pela classe dominante, mas criar uma sociedade em que o descontrole possa tomar conta. E, assim, forjar uma democracia no sentido que os socialistas defendem, em que os sujeitos compreendam sua universalidade em uma classe.
Qual a conclusão
Tudo isso para não esquecer de que não podemos nos iludir quando se abrem a nós mais cadeiras de representação, pois isso não significa necessariamente que haja mais democracia ou que pode haver um diálogo favorável para as pautas da esquerda.
A política que se deve priorizar nesses espaços não é reduzir os danos das propostas que a direita vem realizando à política e ao retorno das atividades a distância, ou seja, dançar conforme a música. Mas, sim, tornar as reuniões administrativas em reuniões extremamente politizadas, apresentar críticas e retomar o sentido da universidade.
Por fim, para que fique claro, mesmo que haja um sentido positivo na participação de conselhos universitários, esse sentido não é a participação representativa na administração central, mas a possibilidade de denunciar o que é feito por aqueles que estão do outro lado do balcão e que respondem a uma demanda que não às da classe trabalhadora.
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