[Editorial] A calamidade moral das instituições

Dois movimentos desfavoráveis à nação ocorreram simultaneamente no episódio de calamidade moral que nos assolou a partir da liminar do Ministro Marco Aurélio, do STF, que impedia Renan Calheiros de permanecer na presidência do Senado Federal enquanto fosse réu em ação criminal naquela corte. O primeiro foi que, quase sem fôlego, as expectativas do conjunto dos trabalhadores era que o Supremo fizesse aquilo que não conseguimos fazer: criasse um empecilho à tramitação da PEC 55, à reforma do ensino médio e à reforma da previdência. Essa expectativa, que poucos tiveram vontade de reconhecer, apareceu como um pequeno trunfo que nem sabíamos que poderíamos ter. Ilusão. Se alguém ainda guarda sinceras vontades de acreditar que no Brasil há três poderes da República Federativa, pode já retirar esse peso lastimável da lógica, para perceber, tarde no dia, que há um só poder na República do Capital. O segundo movimento, foi justamente esse, nunca tivemos à luz do dia, quase que diante das câmeras, o tráfico de influência tão visível no Planalto. A liminar do Ministro Marco Aurélio tem essa vitória: expor as entranhas apodrecidas da máquina de valorização de capitais e interesses empresariais lá onde as últimas consciências pacificadoras ainda gostariam de acreditar que há outro tipo de trincheiras de lutas.

Os bastidores da decisão do pleno do STF mostraram um presidente ilegítimo da República atuando, pessoalmente e por meio de seus interlocutores, para salvar Renan Calheiros e fazendo uso de toda sorte de instrumentos: tráfico de influência a descoberto. Um presidente do Senado Federal que desafiou o oficial de justiça incumbido de lhe notificar e, portanto, o fez em desrespeito à própria justiça – registre-se, levou um reles puxão de orelha. Um juiz da suprema corte, Gilmar Mendes, que do alto de sua postura de coronel, declarou à imprensa que quem deveria ser impedido no cargo era seu colega de bancada, o ministro Marco Aurélio – juiz que assinou a liminar afastando Renan Calheiros da presidência do Senado. E, a cereja do bolo, a mesa do Senado declarando abertamente que não cumpriria a determinação do afastamento.

O que se passava por detrás do palco só não foi pior do que o espetáculo. O julgamento da liminar proferida pelo Ministro Marco Aurélio foi derrubada sob o julgo do pleno do STF. Não bastasse fazer uma interpretação completamente enviesada da Constituição Federal – a de que os requisitos para ocupação da presidência da República podem ser contornadas “pulando a vez” do presidente do Senado, se este for réu em ação criminal, em favor da presidência do STF na linha de sucessão – o que se fez ver foi a exposição da intimidade do supremo com a agenda do próprio governo. O Ministro Luiz Fux chegou mesmo a afirmar, com todas as letras, que o Supremo precisava levar em conta, na sua interpretação constitucional, que a liminar atrapalharia a agenda de votações do governo.

Alguns querem ver um STF rebaixado às pressões políticas. Não é verdade. Desde o julgamento do Mensalão e da presença extravagante do Ministro Joaquim Barbosa, o Supremo não experimentou tamanho apoio popular. Tanto é verdade, que até segmentos da própria esquerda depositaram nesta corte as últimas centelhas de expectativas de barrar medidas atrozes como o impedimento a presidenta Dilma e a PEC 55. A verdade, que se deixa descobrir à céu aberto, é que o Supremo está comprometido – como sempre esteve – com a interpretação constitucional que o termômetro dos interesses empresariais medir. E o remédio das instituições desta pretensa República são amargos somente para aqueles que vivem do trabalho.

O efeito colateral é que, quando as últimas instituições nas quais as massas ainda depositam alguma esperança, começam a deixar às claras seus permanentes compromissos com os inimigos da nação, abre-se o caminho para a verdade. De longe, pressente-se, o mal-estar desta civilização reverbera silenciosamente nas terras baixas à procura de uma faísca.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *