[Editorial] A miséria do DCE

Esse episódio mostra novamente o caráter da atual gestão do DCE, ao mesmo tempo em que cria confusões que precisariam ser esclarecidas. O discurso propagado pelo DCE é o de que foram os TAEs em greve que fecharam o Restaurante Universitário, mesmo discurso da Administração Central e através dessa argumentação, procuram colocar os estudantes contra os grevistas. Porém, segundo o UàE apurou, a atual gestão do DCE é composta por membros da União da Juventude Socialista (UJS), a corrente da juventude do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). O PCdoB, de Aldo Rebelo – o mesmo do Código Florestal, que além de ser um partido da base aliada do Partido dos Trabalhadores (PT) é também o mesmo partido do coordenador do Sindicato dos Trabalhadores da UFSC (SINTUFSC), Celso Ramos Martins – sem mencionar a presença de outros militantes do PT que também ocupam cargos na direção do sindicato. É estranho constatar esses elementos de convergência, que num primeiro momento podem causar estranhamento, uma vez que a pergunta que surge é: como podem membros do mesmo partido, dirigindo duas entidades diferentes, apresentarem disputas nada francas e honestas?

Por outro lado, basta colocar em questão quais são os interesses em jogo para percebermos que esses elementos, apesar de complexificarem a análise, permitem compreender mais do que a mera aparência. Para a direção do SINTUFSC, uma direção aliada ao governo federal, o maior interesse em jogo é colocar areia na unidade entre trabalhadores e estudantes. Ao permitir que conflitos de interesses particulares sejam criados nesse nível, a direção conservadora do SINTUFSC trabalha para que esses conflitos se ampliem, afastando a base dos TAEs dos estudantes. Isso porque no projeto desse sindicato a política se restringe a pequenas negociações particularistas e corporativas, muito longe do que a base realmente interessa-se por debates: o destino da educação pública, da carreira dos servidores e a autonomia universitária.

Enquanto isso, o DCE pode se aproveitar em larga medida dos conflitos entre estudantes e TAEs para forjar um campo político conservador muito parecido com aquele que é a maioria da base social da UJS: estudantes da fração de renda média da classe trabalhadora, que não se identificam com os interesses coletivos. Não é por outra razão que os membros da gestão do DCE passam de 6-8 horas por dia nas redes sociais vociferando contra Taes e professores em greve. É a oportunidade da UJS criar novamente uma base social própria na UFSC, algo que ela perdeu em 2006 quando a gestão de seu partido foi impedida de continuar no DCE e foi substituída por uma chapa de unidade de esquerda – naquela época, o ato precipitador da destituição da gestão do DCE foi justamente que em meio ao processo de cortes orçamentários e crise política diante do projeto de reforma conservadora do governo federal, a gestão trabalhava contra a ocupação da reitoria na gestão de Lúcio Botelho.

Certo é, por outro lado, que a UJS não sonharia tão alto se não existissem frações entre os estudantes com caráter altamente conservador e ideológico como o que vemos em grupos como o UFSC, no Facebook – que tornou-se, entre outras coisas, espaço para apologias às discriminações raciais, de gênero, ao anti-feminismo e ao estupro. Diferentemente da miséria em outros tempos, que produzia sistemas ideológicos complexos como as religiões, a miséria atual se reflete em certas frações da juventude que nada mais são do que uma repetição burlesca de todos os produtos do tipo de sociedade alienada, opressora e violenta em que vivemos.

Não é que esses estudantes conservadores não existissem antes. Na realidade, nós os conhecemos de longa data. Afinal de contas, seus avós foram aqueles que apoiaram a violência do Estado novo, enquanto seus pais se regozijavam de viver nos anos de chumbo da ditadura civil-militar. Agora, esses estudantes, que ao longo dos últimos anos sentiam-se acuados porque o aprofundamento da dependência econômica lograva ainda algum lucro com a elevação dos preços das exportações primárias, finalmente – diante da crise orçamentária – sentem-se livres para sair de todos os cantos e salivarem de raiva. Porém, um aviso: esse salivar grotesco não é meramente discursivo, ou as denúncias de racismo, violência homofóbica, abusos e estupros não estariam aumentando na mesma proporção no entorno da universidade e nos principais bairros onde se reúnem os estudantes.

É fundamentalmente por isso que os discursos de compensação, típicos da nova práxis não podem mais surtir efeito. E é por isso que o cinismo da UJS é tão perigoso, mesmo que não pareça. Ele procura, oportunamente, construir um campo político não apenas dialogando com a consciência conservadora, mas aprisiona-la nesse campo, disso só pode resultar o seu amadurecimento em formas ainda mais aprofundadas e que se expressam aparentemente na figura do violentador, opressor, corruptor e assim por diante.

Afinal, o que pode permitir o amadurecimento político da consciência desses jovens é a sua vinculação com a realidade da vida nacional e das misérias geradas pela oposição intransponível entre capital e trabalho. O que nada mais é do que perceber, justamente esses jovens, que sentem a si mesmos como os mais livres e autônomos, e que na realidade encontram-se cada vez mais aprisionados ao destino de seu povo.

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