DCE como instrumento de luta, por onde passa uma alternativa?

Por Ana Zandoná e Lucas Henrique Silva da redação do UàE, em 17 de Abril de 2017.

Desde que o UFSC à Esquerda nasce enquanto coletivo, ele se propõe a fazer análises públicas sobre os movimentos da Universidade e para além dela, desde os processos eleitorais que definem os cargos políticos e quadros do Estado, aos processos políticos que definem as direções, desde os cargos institucionais e de gestão da própria Universidade, às direções das entidades e seus movimentos como possíveis ferramentas de organização da classe. Todas essas análises estão marcadas pela construção de uma outra sociabilidade, pela construção de uma vida verdadeiramente socializada, enfim, estão marcadas pela construção do socialismo.

Para orientar nossas análises não podemos perder de vista os programas e projetos para a Universidade dos que se propõe a ocupar esses lugares. Para além do seu próprio conteúdo, mas em seu caráter desnudo: como os atores políticos se comportam diante do critério da prática e como isso se relaciona com as políticas que assistimos se consolidar em nosso cotidiano. É aí que podemos colocar à prova a real função que cumprem seus horizontes estratégicos. Ou seja, aí também é preciso manter em perspectiva a história de como se movimenta aqueles que se propõem a ocupar essas direções.

Não por demagogia e mera reprodução ou negação por princípio de determinada prática, pela forma fracassada ou vitoriosa com que se expressou na história, mas pelo papel que cumpriu junto a determinados atores, em momentos com características muito específicas e pela necessidade de compreendermos as lições que a história dessas práticas e das estratégias que as nortearam, podem nos ensinar.

Em breve entraremos em mais um desses processos decisivos para o destino político dos movimentos: a eleição do DCE. Embora pareça cedo para iniciar o debate sobre a função que essa entidade cumpre, não fazê-lo desde já é deixar o campo aberto para que ele seja definido pela repetição, desesperança e oportunismo político com o qual temos nos deparado nos últimos anos, ou pior ainda, que seja definido pelos termos da direita.

Talvez, a primeira de nossas lições necessite que relembremos como e em que contexto as entidades estudantis surgem e ganham força em nosso país: na organização e mobilização das lutas principalmente em momentos de golpe, desde a era Vargas. Desta forma, nos havemos com que há aí de uma função disso que chamamos de entidade estudantil. Ocupar a sua direção é algo que desde sempre se propôs a ser radicalmente oposto ao lugar de ocupação de cargos políticos no Estado – como prefeituras, governos estaduais ou presidências. As entidades estudantis não se tratam de cargos administrativos representativos, mas sim de ferramentas para organizar e massificar o corpo discente em torno das pautas políticas que lhe tocam na Universidade e para além dela. Equipará-las desta forma, com a estrutura e direcionamento de um cargo de Estado, geralmente é algo do campo de uma ingenuidade, compreensível para as novas gerações que têm escassas referências de centros acadêmicos e DCE com papéis decisivos nas lutas dos últimos anos. Aos demais, que tentam forçar tamanho disparate assimétrico, só se pode concluir que se trata de má fé, mesmo. Tanto a tentativa de desqualificar a disputa deste instrumento, comparando-o com o Estado, quanto o uso dessa interpretação para tentar ocultar práticas aparelhistas e burocráticas, que podem parecer dissonantes em um primeiro instante, no fim acabam prestando o mesmo desfavor para o movimento da luta de classes na Universidade: atuam na contramão da organização do setor estudantil para o enfrentamento dos dilemas que vivemos.

E, se tratando do segundo caso – os aparelhistas e burocratas, eles assim o fazem, pois a organização estudantil passa longe de ser seu objetivo prioritário. Sua prioridade é a instrumentalização de momentos políticos como os da disputa da direção dessa entidade, ou mesmo quando essa tem papel decisivo para alavancar ou apaziguar a revolta estudantil. Isso para que seja possível manter sua base debaixo do braço e, se possível, ampliar sua política de curral e cooptação para dentro de sua organização política – em uma eterna crise de quadros, diante de um acúmulo histórico de estratégias equivocadas. Isto permeia desde a interpretação programática da Universidade como uma escola de quadros ou como instrumento da burguesia[1], por parte desses setores, resultando nos programas de chapa onde se debate todo tipo de tema de forma repetitiva e superficial, como aconteceu ao longo dos últimos anos, sem nunca se debater aberta e honestamente o papel que a entidade cumpre, ou conseguir trazer algum sentido e horizonte novo deste instrumento para os estudantes.

Essa atuação toma forma em algo que parece uma tese de maximização política[2], de extrema radicalidade, com termos próprios dos revolucionários, apropriando-se dessas alcunhas para ganhar uma imagem de comprometimento com a classe e defender sua linha de desenvolvimento dos termos do debate e da disputa. Mas que, em prática, nos arrastaram para dentro do abismo da derrota e do imobilismo que ganhou corpo em nossa universidade, principalmente pela via da institucionalização dos movimentos e das disputas – uma repetição em escala menor do que fez o Lulismo com os movimentos sociais em nível nacional–, no campo do Roselanismo. Esse movimento não necessariamente teve as suas práticas e características encerradas na gestão Roselane – A Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidade por parte da gestão Cancellier parece ser uma forma de dar continuidade a tal política; contudo, o Roselanismo na UFSC foi somente um dos reflexos das estratégias de apassivamento dos movimentos dentro do que o projeto político do petismo colocou como destino na ordem do dia de nossa classe.

É aí que nos deparamos com nossa segunda lição. Não se trata de exigir uma política limpa e pura, onde não há equívocos e caminhos tortuosos. Trata-se aqui de não admitir que esses setores sigam lado a lado na política sem realizar uma profunda auto crítica teórica e prática. Quem dirá, então, de permitir que os termos em que as próximas eleições da entidade vão ocorrer sejam definidos por esses setores. Isso é deixar que mais uma vez a massa seja conduzida para estratégias equivocadas. Mas, mais do que isso, é dizer que NADA IMPORTA: não importa quantas vezes esses setores nos traíram atuando desde dentro de reitorias que tomaram as medidas mais reacionárias dos últimos anos, para ativamente e passivamente colaborar com a desmobilização e institucionalização dos nossos movimentos. Não importa que a Juventude Comunista Avançando – que muitas vezes se esconde atrás do “Movimento por uma Universidade Popular,o MUP”–, tenha participado de uma ocupação ao mesmo tempo em que se reunia com a reitoria para desmobilizar qualquer movimento que colocasse em risco a recandidatura da mesma. Não importa terem apoiado a recandidatura de Roselane e até mesmo uma expulsão, com 40 policiais, de 4 estudantes da moradia estudantil. Não importa que a Juventude Revolução tenha composto também o apoio a esta chapa de reitoria e que se encontre dentro do PT, que encampou um projeto político repleto de traições à nossa classe e que por fim culminou na própria rasteira que levou dentro da ordem democrática que ajudou a consolidar. Desta forma, talvez não importe até que a União da Juventude Socialista tenha feito aliança com os setores desde os mais liberais aos mais reacionários dessa universidade, que hoje dirigem a morte política do Diretório Central dos Estudantes. Não importa que todos esses setores jamais tenham conseguido manter uma entidade combativa nos últimos 20 anos porque ou a administraram dentro do cabresto de uma reitoria, ou a implodiram em unidades tão superficiais como as que eles propuseram nas últimas disputas eleitorais. Nada disso importaria, mediante uma suposta fórmula do sucesso para a retomada da direção em algo próximo do que buscamos chamar de esquerda.

Há ainda aqueles que, muito mais abertamente, defendem o indefensável dentro da Universidade, mesmo que atualmente tenham um papel insignificante. Nas últimas eleições a chapa composta pelas Brigadas Populares chegou ao absurdo de defender que o dinheiro das fundações cobrisse a permanência estudantil, legitimando assim o discurso que trata esse direito como uma política focal do capital e dando brecha para que as fundações tomassem uma cara social, enquanto são desoneradas do seu papel de porta de entrada de financiamento privado na Universidade. A perversidade da política brigadista não tem paralelos, atrela o destino da maioria pobre que estuda na universidade com o destino das fundações. Da mesma forma, legitimaram o discurso que coloca as Empresas Juniores como símbolo de iniciativa estudantil, subjugando mais uma vez a capacidade criativa e crítica dos estudantes sobre o destino que a tecnicização e a profissionalização vem impondo às Universidades. Seguem assim repetindo os erros que temos denunciado desde 2013, quando defenderam a instalação de portões na Universidade, ratificando a política de cercamento no campus iniciada pela gestão Roselane. Demonstrar também que nada disso importa é legitimar que esse tipo de cinismo tenha continuidade nos movimentos, porque, ainda que aparentemente se digam críticos a própria proposta conservadora, não mudam a forma de operar e seguem defendendo absurdos.

É preciso mais uma vez e sempre que for necessário dar nome a esses setores, que estiveram junto ou abrindo caminho para o projeto que nos últimos anos mostrou sua verdadeira face, solidificando a base para as políticas de corte e privatização das Universidades Públicas. E que na última semana teve explicitada publicamente sua relação íntima ao lado do setor empresarial que galgou sua multinacionalização em cima do fundo público desde a ditadura militar[3]. Não somente porque estes setores nos conduziram até aqui, mas porque mais uma vez querem nos levar a acreditar nesse projeto fracassado e traidor, utilizando da força dos movimentos em defesas dos direitos para impulsionar o “Lula 2018”. Um candidato que carrega consigo todo o setor burguês, que atua não só de forma truculenta contra os movimentos, mas também na esfera da hegemonia e do convencimento de parcela da classe trabalhadora, como se essa fosse a única alternativa que nos restasse e como se tivéssemos que confiar e nos conformar com o projeto que eles querem estabelecer para nós.

Daí que no fim das contas, pouco importa forjar um movimento de resistência verdadeiramente capaz de resistir e superar as seguidas derrotas que vivenciamos e que possa alavancar alguma alternativa real para a esquerda brasileira em algo que se possa chamar de uma Frente de Esquerda, tanto no âmbito local, quanto nacional. Pelo contrário, somos direcionados a prosseguir com as derrotas que fazem com que as massas se orientem pela tese de que nossa única saída reside em insistir naqueles que nos traíram, que mais uma vez sejamos colocados diante da escolha de uma evidente tragédia e colocam o Lulismo como forma de desarticular os retrocessos que estamos vivendo.  E sintomas disso não nos faltam desde já, desde o movimento de ocupações no ano passado, onde setores como a Juventude Revolução e Juventude Comunista Avançando tentaram de todas as formas desarticular e desaproximar os movimentos unificados em torno da Greve Geral, seja sabotando as tentativas de construir assembleias unificadas entre professores, técnicos e estudantes, seja construindo calendários próprios. Um exemplo disso ocorreu na ocupação da arquitetura, no dia do Chamado Unificado feito pela Central Única dos Trabalhadores – inclusive! – onde grande parte da juventude ficou dentro dos prédios, fazendo a política que mais critica, permanecendo dentro dos muros da universidade, não construindo o ato unificado entre trabalhadores e estudantes naquele dia.

Pois que o movimento estudantil possa dizer: Não em nosso nome!

Esta política é a que tem dificultado que os próprios movimentos possam se reinventar no seio da composição estudantil, tornando-nos o setor mais atrasado da Universidade e, inclusive, do País, e também contribuído para as sucessivas vitórias de um grupo que utiliza o diretório como arma política para tentar atacar os movimentos que ocorrem na Universidade e que se encontra morto e enterrado em todos os demais aspectos.

Talvez a tarefa que temos de cumprir seja a de resgatar as entidades para o papel de defesa dos estudantes e transformá-las em capazes de fazer parte do seu cotidiano, resgatando o papel histórico dessas entidades e não caindo no mesmo oportunismo oferecido por diversos setores. Esta tarefa precisa ser feita em unidade sim, em frente sim, visto que estamos em um momento não só de reorganização política da esquerda, mas onde a retomada dessa entidade pode fazer uma diferença enorme na mobilização e organização da resistência contra o Capital, como já fez no episódio da Novembrada no final da década de 70, ou mesmo junto a frente de luta pela tarifa zero em 2004. Visto toda a história que trilhamos até aqui, não se trata de qualquer frente. Mais do que nunca, faz-se necessária uma frente de esquerda socialista, que não corra riscos explícitos de se dissolver na primeira disputa interna, tornando o DCE imóvel tão logo o tenha nas mãos, e que não esteja comprometida com a reconstrução do PT e do Lulismo. Mas sim uma que esteja disposta a construir novos horizontes de sonhos possíveis para a juventude universitária, uma frente que seja capaz de defender uma política de massas ousada e empenhada com a defesa dos nossos direitos como estudantes e como classe trabalhadora!

Compreendemos que cabe a forças como o MAIS, a União da Juventude Comunista e a Juventude do PSTU, junto aos estudantes independentes e outros setores minoritários, buscar construir uma experiência rumo a esta outra alternativa, a um novo radicalismo político. Do nosso ponto de vista, são essas organizações que, na história recente, têm se mostrado coerentes com a construção de uma alternativa de esquerda e socialista para os estudantes; que têm atuado de forma relativamente crítica ao que o Lulismo e o Roselanismo nos ofereceram. Não que essas organizações não tenham suas diferenças e problemas, mas acreditamos que esta é uma experiência que dá a possibilidade para que possam ir além. O que está em jogo não é mera disputa de espaço dentro da universidade ou dos movimentos, mas da construção de algo que seja verdadeiramente capaz de atuar na defesa da universidade, da classe trabalhadora e dos estudantes, que possa trazer para a agenda a construção de uma universidade e de uma sociedade diferentes, verdadeiramente livres.

 


[1] https://ufscaesquerda.com/sub-editorial-sobre-o-editorial-do-uae-de-29-de-maio-polemica-e-uma-contribuicao-adiante/   [2] Quando se propõe a pauta máxima, sem se importar que haja de fato condições de alcançá-la no estágio atual da luta de classes.   [3] https://ufscaesquerda.com.br/fomos-com-ele-o-tempo-todo-sempre-emilio-odebrecht-sobre-lula/ http://www.bbc.com/portuguese/brasil-38337544?SThisFB ]]>

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