Foto: Assembleia dos servidores públicos municipais. Fonte: Sintrasem

[Entrevista] Como foi a greve do serviço público que ocorreu em Florianópolis

Foto: Assembleia dos servidores públicos municipais. Fonte: Sintrasem

Ana Zandoná – Redação do UFSC à Esquerda – 18/02/2021

A greve do serviço público do município de Florianópolis unificou trabalhadores da Comcap, educação, assistência social, saúde, entre outros setores, em uma difícil luta que foi travada dos dias 09 a 16 de fevereiro. 

A greve foi motivada pelo descumprimento do acordo coletivo dos trabalhadores da Comcap e pela tentativa de Gean em avançar com as terceirizações no serviço de coleta de lixo. Hoje, esse processo já ocorre por meio da terceirizada Amazon Fort, que atua no norte, no continente, e na varrição mecânica do centro.

Além disso, a greve pautou as condições de trabalho e remuneração das demais categorias, que sofreram os efeitos da escassez de recursos nos locais de trabalho e da precarização do trabalho de forma mais intensa durante a pandemia de Covid-19, nos últimos dois anos. 

A destruição do serviço público, por meio das terceirizações, contratações de organizações sociais para gerenciar as atividades de trabalho e da precarização das condições de trabalho, é um projeto que marcou a atuação de Gean Loureiro à frente da prefeitura da cidade e gerou escândalos como os contratos com empresas laranjas para administrar as creches de Florianópolis

Durante a greve, a atuação para frear o movimento organizado do serviço público se deu por diversas frentes, com a publicações de mentiras nas redes sociais pessoais do prefeito e nos veículos da grande mídia e a investida em tentativas de assédio e divisão dos trabalhadores.

A justiça considerou a greve ilegal e o prefeito ainda tentou pedir a prisão e demissão dos dirigentes do sindicato. O secretário de educação, Mauricio Pereira, enviou ofício à unidades da rede municipal, orientando penalizar trabalhadores com falta e ameaças de demissão. Ainda, o ex-presidente da Comcap e atual secretário-adjunto de meio ambiente, Lucas Arruda, prometeu renovação de contrato para trabalhadores que furassem a greve e ameaçou demitir os que seguissem. 

No dia 15 de Fevereiro, o Tribunal de Justiça convocou uma mesa de negociação, que durou até a manhã do dia 16. Logo em seguida, no período da tarde, em assembleia convocada pelo Sintrasem, que avaliou as propostas da mesa junto da categoria, decidiu-se pelo encerramento da greve.

O prefeito, que faz amplo uso das suas redes sociais pessoais para divulgar ações da prefeitura, impulsionando sua imagem como um “gestor eficiente”, anunciou que irá pedir a renúncia do seu cargo no dia 31 de Março, com vistas a participar do pleito eleitoral que ocorre este ano, com o intuito de concorrer como governador para o estado de Santa Catarina.

Para abordar um  pouco sobre como foi a luta travada pelos trabalhadores e trabalhadoras do município e quais os desafios que há pela frente, o UFSC à Esquerda entrevistou Gabriel Nicolodelli da Silva, professor de educação física do município, que foi membro do comando de greve e da mesa de negociação. Confira a entrevista abaixo:

UfscàE: Porque foi importante travar a greve agora? Se puder falar um pouco sobre as pautas, porque elas são importantes para os trabalhadores e as trabalhadoras e para quem usa o serviço público.

Gabriel: Estamos vivendo a vários anos no nosso país uma política de ataques ao serviço público, com o objetivo de precarizar, com a consequente entrega desses serviços a empresários para que ganhem seus lucros em cima das necessidades da população.

Em Florianópolis não é diferente. Principalmente desde o primeiro mês da primeira gestão do prefeito Gean, são ataques atrás de ataques.

Enfrentamos diversas greves “apenas” para defender direitos, não avançar neles.

Nessa greve, fizemos história na cidade e também na organização da luta da própria categoria, onde em mais de 30 anos de história, foi a primeira vez que fizemos uma greve em unidade entre trabalhadores da saúde, educação e assistência social junto à COMCAP.

Na COMCAP, o prefeito vem desde o ano passado descumprindo o acordo coletivo que havia assinado com as e os trabalhadores, retirando direitos e partindo para uma terceirização parcial dos serviços da empresa.

Essa terceirização vem acompanhada de um discurso de a cidade não ficar mais refém das greves da categoria, como se só no serviço público houvesse greves. A realidade mostrou que os trabalhadores da empresa Amazon (terceirizada que faz coleta de lixo no continente e norte da ilha) já fizeram duas greves por falta de pagamento e condições de trabalho.

Para o trabalhador, é um emprego mais precário, com maior exposição a riscos e menor preparo. Para a população, é um serviço com qualidade inferior, como diversos moradores já vem denunciando.Com a greve, foi possível arrancar o respeito ao acordo coletivo e barrar a ampliação da terceirização dos serviços da COMCAP na cidade.

Na Educação, tivemos um reajuste do piso nacional do magistério, porém a prefeitura vinha se negando a fazer o pagamento. Com as verbas do FUNDEB, agora também é possível valorizar o trabalho das auxiliares de sala da Educação infantil, que tem salários bem abaixo do resto do magistério. Com a greve, arrancamos o pagamento do piso, sendo uma das únicas cidades do país que até agora tem a garantia desse pagamento, além também do pagamento de gratificações atrasadas.

No quadro civil, que reúne saúde e assistência social, a prefeitura estava a mais de 5 anos sem pagar o plano de carreira desses trabalhadores, além de várias questões relacionadas às condições de trabalho, desde a proibição de pegar férias, sistema de prontuário eletrônico que perde dados dos pacientes, sobrecarga de trabalho, entre outros. Com a greve arrancamos mais uma parcela do plano de carreira, além também da formação de uma comissão de trabalhadores e prefeitura que dialogará sobre as condições de trabalho.

Com a força da greve revertemos também todo o processo de criminalização dos trabalhadores e sua entidade.

UfscàE: Como você avalia os ataques da prefeitura à luta travada? 

Gabriel: Nossa categoria já está “vacinada” em relação às tentativas de criminalização e perseguição promovidas pela prefeitura. Todas as nossas últimas greves, exceto a última, foram decretada ilegais pela justiça a pedido dos vários prefeitos, com previsão de multas astronômicas ao sindicato, ameaça de demissão de trabalhadores temporários, falta injustificada aos efetivos (que tira o direito destes a acessarem alguns direitos previstos no estatuto do servidor) e desconto salarial de ambos. 

Sempre enfrentamos todos esses ataques com mais força na greve, e até hoje não temos um fato de demissão de temporários ou a falta injustificada, apesar de alguns casos específicos com desconto de salário e das multas geralmente serem mantidas, mas o que importa mais são os trabalhadores! Nesta greve retiramos inclusive as multas.

A prefeitura se utiliza desses e outros instrumentos quando sente a pressão da greve. Procura também desarticular a greve por dentro, assediando trabalhadores, mandando mensagens contrariando falas do sindicato, criando propostas que não são apresentadas de fato à categoria.

UfscàE: Como foi a mesa de negociação convocada pelo tribunal de justiça?

Gabriel: Historicamente a avaliação do comando das greves avalia que esse não é o nosso terreno, que jogamos fora de casa com o árbitro do lado deles. Com a força das greves algumas coisas são arrancadas até mesmo neste espaço.

Esta audiência convocada pelo tribunal de justiça foi diferente. Além de convocarem geralmente o sindicato, prefeito e procurador do município e Ministério Público, também foi convocado o TRT da 12° região.

Mais uma vez, Gean Loureiro não compareceu a uma audiência, o que de certa forma pegou mal pra ele perante o judiciário. Por parte dos trabalhadores, apenas dois representantes e mais dois advogados foram permitidos participarem.

A audiência iniciou-se no dia 15 e terminou no dia 16 de fevereiro, percorrendo um total de 7 horas de embates e negociação. 

Apesar de não ser nosso terreno, o que o prefeito Gean vem fazendo nos últimos anos espanta até mesmo membros do judiciário, principalmente pelo descumprimento de acordos coletivos e decisões judiciais favoráveis aos trabalhadores. Em alguns casos, empurrados pela força das e dos trabalhadores na rua, o judiciário vai pra cima da prefeitura, o que foi presenciado nesta audiência.

UfscàE: Como se organizou a greve? Como foi a adesão dos trabalhadores e quais as atividades que foram desenvolvidas?

Gabriel: Essa foi a primeira greve unificada entre trabalhadores da PMF (educação, saúde e assistência social) e da COMCAP.

Os trabalhadores da COMCAP já vinham em estado de greve a duas semanas, e inclusive adiaram em uma semana a entrada na greve para entrar junto com os demais trabalhadores da prefeitura, como tática para maior pressão.

Trabalhadores da saúde e assistência também já estavam mais mobilizados, se reunindo em reuniões e assembleia para debater a situação do serviço público e encaminhar as formas de luta.

Já a educação veio das férias, e portanto não conseguiu construir com um tempo mais hábil o processo de articulação/organização para construir a greve. Foi uma das únicas greves em que a educação esteva com um quadro menor de greve em relação às outras categorias.

Algumas outras questões pesaram na educação, como o pagamento de 60 dias de greve no ano passado, onde os trabalhadores tiveram que repor em praticamente todos os sábados e feriados do mês de junho até o final do ano.

Desenvolvemos algumas atividades, porém a prioridade foram os roteiros que fazemos nas unidades de trabalho para convencer as e os trabalhadores que ainda não tinham entrado na greve.

Ao final das assembléias, fizemos atos pelo centro da cidade em direção a prefeitura, além também de um ato até a secretaria de saúde.

Diversas panfletagens no centro da cidade e em alguns bairros foram organizadas para dialogar com a população, além também de propagandas na TV, moto som e outdoor pela cidade.

UfscàE: Você consegue dar um panorama do funcionalismo na cidade? Quais os desafios e demandas pros trabalhadores públicos do município que ficam no pós greve?

Gabriel: A luta continua! 

Como falado anteriormente, o projeto de destruição do serviço público a nível nacional e local não está derrotado, muito pelo contrário.

Ainda temos uma empresa terceirizada fazendo coleta de lixo na parte continental e norte da ilha, terceirizando esse serviço da COMCAP, além também do credenciamento de Organizações Sociais para gerir unidades de saúde e educação, o que nos mostra que não podemos baixar a guarda.

O plano de carreira dos trabalhadores civis (saúde, assistência, auxiliares de sala e bibliotecárias), apesar de termos conquistado o pagamento de mais uma parcela, ainda está longe de ser totalmente efetivado.

Na educação temos impacto causado pela pandemia, que vem gerando uma sobrecarga nos professores para dar conta de verificar os conteúdos que ficaram para trás em cada estudante, sem contratação de mais trabalhadores. Além de diversas unidades não contarem com equipes pedagógicas e administrativas completas. Com o reajuste do piso do magistério, ocorre um achatamento do plano de carreira, onde a luta agora será pela atualização de todo o plano em relação ao piso.

Na saúde, além da sobrecarga, diversas equipes de atendimento à população estão incompletas. A estrutura de diversas unidades de saúde, em especial as UPAs, estão em situação totalmente precárias. O prontuário eletrônico vive fora do ar. 

Na assistência a prefeitura vem secundarizando o trabalho dos assistentes sociais e de seus equipamentos, como CAPS, CRAS, CREAS, Casa de acolhimento à mulher vítima de violência (processo de terceirização).

Ao mesmo tempo, dá prioridade para a fundação SOMAR, que é dirigida pela “primeira dama”, que promove voluntariado e assistencialismo no atendimento às famílias pobres da cidade.

O SINTRASEM e toda sua categoria seguirá atenta e com disposição de luta para enfrentar todas as tentativas de precarização e de entrega do serviço público.

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