Imagem: Montagem UFSCàE. Fotos: 1. Ato do serviço público de Florianópolis, em greve contra as terceirizações na cidade - por UFSCàE; 2. UPA de Biguaçu - por Martha Huff, PMB.

[Entrevista] Em Biguaçu, após UPAS, prefeitura quer terceirizar a Atenção Básica do Município

Maria Helena Vigo – Redação do UFSC à Esquerda – 12/06/2023

No município de Biguaçu, que faz parte da região metropolitana da grande Florianópolis, a terceirização das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), por meio da entrega da gestão para uma organização social (OSS), foi implementada no início deste ano. De lá para cá, além de remover trabalhadores efetivos para as Unidades Básicas de Saúde (UBS), agora a prefeitura do município anuncia que irá adotar uma gestão plena terceirizada, avançando para toda a Atenção Básica do município.

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O anúncio de adoção do modelo de gestão pelo município se deu em meio à pandemia de Covid -19, em 2021, com a realização de um processo de licitação em 2022 e anúncio do seu resultado e efetivação do processo no início de 2023.

Hoje o prefeito da cidade é Salmir da Silva, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e a secretária de saúde é Magali Eliane Pereira Prazeres, que já foi vereadora no município, pelo mesmo partido, eleita nos anos de 2012 e 2016.

OSS que administra as UPAs atua com Comunidades Terapêuticas no Estado

Um detalhe que chama a atenção é que a vencedora da licitação para gerir as UPAs de Biguaçu foi a OSS Ibhases. Localizada em São José e com atuação nos estados de Santa Catarina, Paraná e São Paulo, a OSS destaca em seu site a ênfase na atuação com Comunidades Terapêuticas: 

“Hoje, o Instituto  faz da Casa de Apoio e a Comunidade Terapêutica sua obrigação como posicionamento e responsabilidade social enquanto OS, já que expandiu seus horizontes voltando também seu foco para outras áreas de atividade, acima descritas. Já executou no município de São José/SC e atualmente executa com o município de Florianópolis e com o Estado de Santa Catarina o programa REVIVER, o qual é voltado para o acolhimento de pessoas em situação de vulnerabilidade social, imigrantes, com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a fim de garantir proteção integral. Nos últimos anos, expandimos ainda mais nossos horizontes, realizando com eficiência a Gestão de Saúde em Municípios do Estado de Santa Catarina e São Paulo em Pronto Atendimentos, Centros de Especialidades, COVID, por meio de parcerias e contratos de gestão compartilhada.”

As Comunidades Terapêuticas são serviços privados que possuem um amplo histórico de violação de direitos e promoção de violência com usuários, indo na contramão de uma política efetiva de atenção e promoção de saúde. Como apontado no texto de Maria Alice de Carvalho que debatia as mudanças na política nacional de saúde mental em 2017:

“As Comunidades Terapêuticas são, em sua maioria, ligadas a grupos religiosos e utilizam de tratamento moral e violação dos direitos humanos no tratamento dos sujeitos; estas são recorridas, principalmente, para tratar de questões de uso de álcool e outras drogas. De acordo com o CFP [Conselho Federal de Psicologia], essas comunidades não podem ser consideradas estabelecimentos de saúde[2], tendo em vista que inspeções realizadas nesses locais evidenciam a semelhança entre estas e os antigos manicômios”.

Os trabalhadores de Biguaçu frente a mais um ataque

Diante da disposição da prefeitura para avançar rapidamente com os processos de terceirização, o Sindicato dos Trabalhadores da Prefeitura Municipal de Biguaçu (Sintramubi) vêm buscando debater junto com os trabalhadores como enfrentar esse grave e absurdo desmonte da saúde pública local. O sindicato tem chamado reuniões junto aos servidores da área e visitado as unidades de saúde para dialogar e mobilizar os trabalhadores para se enfrentarem com esse processo.

O UFSC à Esquerda conversou com o Presidente do Sintramubi, Rodrigo Teixeira, acerca dos processos de terceirização no município de Biguaçu. Confira a entrevista a seguir:

UFSCàE: Como se deu o processo de terceirização das UPAs de Biguaçu?

Rodrigo: Assumimos o sindicato em abril de 2021, ainda em período de pandemia, e estávamos em luta por questões básicas como o reajuste salarial, que estava sendo desrespeitado pelo município. Tomamos conhecimento do processo de terceirização da UPA em meados de outubro do mesmo ano, pois a prefeitura iniciou um estudo para fazer a terceirização plena. Já haviam alguns contratos da prefeitura que tornavam a gerência da UPA parcialmente terceirizada: contratos com várias empresas de médicos, de raio-x, de medicamentos, recepção, limpeza, entre outros. A prefeitura começou um estudo para renovar a gerência terceirizada, mas implementando uma gestão terceirizada plena das UPAs .

Em 2022 se deu o processo licitatório para contratação de uma O.S. para gerir a UPA. Na época não foi possível um processo de luta para barrar a terceirização e o que foi garantido na mesa de negociação com a prefeitura foi a permanência dos trabalhadores efetivos nos seus locais de trabalho, por meio de portaria de lotação, para que esses não fossem removidos para outros serviços de saúde do município. As portarias saíram em outubro de 2022. No início deste ano saiu o resultado do processo licitatório, que foi ganho pela O.S. Ibhase e começou a se efetivar o processo de terceirização, em pleno funcionamento a partir do mês de fevereiro. 

Esse processo se acelerou com a chegada da nova secretária de saúde, Magali Eliane Pereira Prazeres, que assumiu a pasta no fim do ano passado. Logo em seguida ao início do processo de terceirização, os servidores efetivos da UPA começaram a ser removidos para unidades básicas de saúde, policlínicas, centros de testagem e outros setores de saúde da cidade, desrespeitando o que havia sido previsto na mesa de negociação.

UFSCàE: Quando apareceu a proposta de terceirização das UBS?

Rodrigo: Em março desse ano começaram a surgir relatos de servidores de que haveria a intenção de implementar a terceirização também na atenção básica. Tentamos buscar maiores informações junto ao Conselho de Saúde do município, mas eles também não possuíam informações oficiais. Enquanto sindicato buscamos problematizar a questão com o Conselho de Saúde e por isso foi marcada uma reunião para debater e buscar uma informação oficial sobre a possibilidade de terceirização da Atenção Básica no município, realizada no mês de maio. Foi solicitado que a Secretaria de Saúde participasse do espaço e nós convocamos os servidores e a população. Foi uma das maiores reuniões do Conselho e a secretaria compareceu e se manifestou confirmando a intenção de terceirizar a atenção básica.

UFSCàE: O que a prefeitura alega para a proposição de terceirização da saúde?

Rodrigo: Existe uma lei no município de contratação temporária para os servidores do antigo PSF (Programa Saúde da Família), que agora virou ESF (Estratégia de Saúde da Família). Então eles vinham fazendo contratação temporária todos os anos sem chamar concurso público. O Ministério Público no ano passado entrou com uma ação de inconstitucionalidade dessa lei, dizendo que não poderia continuar com essa lei e que não poderia ter gestão mista entre terceirizada e efetivos, o que também ocorre nas UBS, com trabalhadores efetivos e temporários de enfermagem, gerido pelo município, mas com terceirização dos serviços de limpeza e recepção, bem como dos médicos, que são contratados por meio de uma cooperativa de médicos, assim como a parte da odonto. Eles alegaram que veio essa ação do Ministério Público, que foi julgada como procedente no ano passado e aí precisariam fazer as adequações, primeiro de acabar com o processo de gestão mista dentro do setor e a partir de então fazer concurso público para algumas áreas. Diante disso, a gestão municipal alegou o seguinte: o Ministério Público ordenou fazer gestão plena. Ou efetiva todo mundo, faz concurso e coloca a gerência sob responsabilidade do município, ou coloca para um empresa, O.S. fazer gerência. Eles alegam que estão atendendo o pedido do Ministério Público, dentro das duas opções que foram dadas para gestão plena. 

A prefeitura alega que gestão plena pelo município seria muito difícil por conta dos médicos, porque o salário que oferecem aos médicos é baixo. Hoje pela cooperativa os médicos ganham R$14mil reais por 2O horas e o município paga R$10 mil. Contudo, esse é o salário inicial, há progressão na carreira ao longo do tempo para o servidor efetivo, com INSS e outros direitos trabalhistas, enquanto na cooperativa, que eles chamam de PJ (Pessoa Jurídica) só ganham aquele valor fixo, não ganham mais nada. Assim, a prefeitura alega que não conseguiriam fazer o concurso porque nenhum médico aceitaria o salário.

A secretaria também alegou que caso fosse manter a Atenção Básica gerenciada pelo município, teria de cortar vários serviços, porque não teria o orçamento. Eles dizem que com a contratação de médicos diretamente pelo município, teria aumento considerável nos custos com folha e esbarraria no limite prudencial da lei de responsabilidade fiscal* e teria de ter corte de oferta de serviços, não teria como contratar mais gente para atender toda a população, mas eles não especificaram quais seriam esses serviços que seriam cortados.

Nas últimas semanas participamos de uma audiência pública sobre as metas fiscais do primeiro quadrimestre do ano, ainda não temos uma análise completa, mas parece que de fato a prefeitura teve uma arrecadação um pouco abaixo do esperado, com o impacto da isenção do ICMS no ano passado, que foi uma política eleitoreira. E o ISS também, que é outro tipo de arrecadação que tem no município, está um pouco abaixo. Além dos próprios repasses que tem do governo federal e do governo estadual. Ainda assim, o gasto com pessoal no município ainda tem uma margem. Nos últimos doze meses, o gasto com folha, até o resultado apresentado com relação ao primeiro quadrimestre, foi de 48%. Então está muito abaixo ainda do que poderia ser o limite.

*A lei de responsabilidade fiscal, Emenda Constitucional 95, congelou o orçamento público por 20 anos e impôs aos municípios o limite máximo de 60% de despesas com pessoal sobre o valor da receita líquida corrente. O limite prudencial é de 57% e o limite de alerta é 54%. 

UFSCàE: Quais os prejuízos e problemas que já podem ser percebidos hoje na gestão terceirizada da saúde que já existe na cidade?

Rodrigo: O que temos de relato da população que usa os serviços e dos trabalhadores nos seus locais de trabalho é que com a terceirização das UPAs piorou o tempo de espera para atendimento. O procedimento de triagem que costumava ser ágil nesse serviço, hoje tem demorado cerca de duas, três horas.

Outro ponto é a falta de comunicação com os serviços de saúde administrados pelo município, pois antes os servidores das UBS tinham acesso aos dados de atendimento, qual foi a medicação recebida, entre outras informações, de um paciente que foi atendido na UPA, era um sistema integrado. Hoje a empresa adotou um sistema próprio em que não há essa troca de informações com outros serviços públicos de saúde do município, isso tem gerado problemas para os servidores da saúde, que ficam sem essa base de informações que permite uma adequada continuidade do acompanhamento de cada paciente nos diferentes serviços. 

Ainda, na audiência sobre as metas fiscais realizada pela prefeitura, a Organização Social que hoje gere as UPAs, a Ibhase, não apresentou todos os dados para prestação de contas junto ao município. Por causa disso, o município precisou reter parte dos valores que seriam repassados para a OS.  Então vemos que há uma falta de transparência com relação ao que vêm sendo feito na UPA na questão de serviço e gerência da própria unidade.

UFSCàE: Como o sindicato e os trabalhadores da saúde tem se organizado para o enfrentamento a esta medida?

Rodrigo: Assim que tivemos confirmação da proposta da prefeitura de  expansão da terceirização na saúde, chamamos os trabalhadores da área para uma reunião. As frentes de atuação que temos pensado envolvem informar e dialogar com a população sobre a proposta e seus efeitos nos serviços de saúde e mobilizações nas unidades de saúde. Já sinalizamos para a prefeitura que se houver esse avanço da terceirização a gente vai para a luta, que não vamos aceitar esse processo, pois é o último estágio que a gente tem de se enfrentar enquanto servidor público. Enfrentamos diversos problemas como redução de salários, precarização, mas a partir do momento que é terceirizado, não existe mais serviço público. Precisamos barrar os processos de precarização da vida e lutar pela garantia desse direito fundamental, que é o acesso à saúde!

A luta contra as terceirizações é de grande importância para a existência do serviço público e para o acesso a direitos que foram conquistados com muita luta da classe trabalhadora brasileira. Em Florianópolis, os trabalhadores da saúde pública tem feito uma forte e importante luta contra esse processo, buscando garantir a qualidade e efetividade da saúde e educação pública na cidade.Que os trabalhadores e a população dos diferentes municípios possam se organizar e se enfrentar com esses processos de precarização e descaracterização do serviço público!

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