Ato em solidariedade à jovem que sofreu o estupro coletivo no RJ e contra todos os retrocessos nas políticas públicas que vem atingindo principalmente as mulheres, negras e negros e LGBTs. Em frente a Catedral Metropolitana de Florianópolis (30.05.2016)

Nossos corpos não pertencem ao capital!

“Se for pra incomodar e miar o rolê falando sobre estupro, faremos.

Não vamos esquecer!”

 

Esse foi o recado dado numa roda de conversa feminista, nesta segunda-feira (30/05). É sim bastante incômodo falar o tempo inteiro sobre estupro, abuso sexual e machismo. Mas também é cansativo precisar explicar e defender constantemente aquilo que deveria pertencer ao campo da obviedade.

Nesta semana, o país inteiro se viu diante de seu horror: o estupro coletivo de uma jovem de 16 anos por pelo menos 33 homens no Rio de Janeiro. O caso se tornou público quando os próprios estupradores divulgaram um vídeo e fotos nas redes sociais. A partir daí, assistimos o funcionamento da máquina penal funcionar: a jovem prestou depoimentos, realizou exame de corpo de delito, operações policiais de buscas e apreensões localizaram a casa e começaram a identificar os suspeitos do crime. Ao mesmo tempo em que nas redes sociais, a jovem passou a ser defendida como vítima e atacada como culpada de seu próprio estupro. Não bastasse as manifestações grotescas e machistas que procuravam deslegitimar o discurso da jovem, o próprio delegado encarregado da investigação passou a violentá-la, procurando relativizar o estupro e a procurar por sinais de consentimento. Foi preciso que a advogada da jovem, Eloisa Samy, solicitasse o desmembramento do processo, para que o caso fosse transferido à delegada Cristiana Bento, para que o Estado dirigisse a investigação de volta na direção dos estupradores.

Nas rede sociais, militantes de direita, altamente organizados prepararam uma campanha de difamação contra a jovem. Inclusive organizaram protesto contra ela, na saída de seu depoimento. Nas redes sociais, espalharam fotos supostamente da jovem, acusando-a de estar bêbada, drogada, trocar sexo por drogas e ter relações íntimas com traficantes. Procuram associá-la ao funk, ao uso de drogas e a uma vida sexual livre dos valores burgueses. Por outro lado, as notícias dão conta de que o tráfico de drogas – essa instituição capitalista perversa – descontente com as denúncias realizadas pela menina, sentenciaram a ela e sua família de morte. Neste momento, colocada no programa de proteção às testemunhas, mudou-se com sua família do Rio de Janeiro.

O estupro é um sintoma que diz sobre a imperiosidade da luta por uma vida socializada

Este caso levantou uma discussão profunda sobre o papel do estupro em nossas sociedades. As estatísticas mostram que a cada 11 minutos uma mulher é violentada no Brasil, sem contar ainda outros milhares de casos que não vem a público, nem mesmo são contabilizados – estima-se que menos de 40% dos estupros são registrados. Por tudo isso, compreendemos que precisamos falar sobre estupro, sobre o machismo, o patriarcado e criarmos uma resposta viva e radical, o feminismo.

Não é apenas pelo número anual de estupros, mas em razão do medo permanente que acompanha cada uma das mulheres – dentro e fora de casa – que precisa nos fazer compreender o estupro, que é mais uma das diversas formas de violência contra as mulheres, como um sintoma de toda a nossa sociedade. A diversidade das causas dessas violências e das formas de suas expressões escapam aos meros fundamentos morais. O sentido desta violência precisa ser compreendido ao passo em que percebemos o machismo como elemento organizador de um modo de vida social, marcadamente desumanizador e violento. Não será, portanto, com exortações morais que se encerrará com a violência contra as mulheres. Esse estupro e suas marcas escrecentes – sua forma coletiva, 33 homens comprometidos perversamente – aparece como um notório protesto contra tais exortações.

A materialidade do lugar da mulher em nossas sociedades tem como predicamento o lugar da mulher e do homem diante da produção, mediada pela propriedade privada. Essa materialidade constituiu para a cultura o solo fértil para a produção de práticas sociais nas quais a mulher coincide exatamente com a propriedade, a propriedade do homem. Mas se a cultura sabe tirar o melhor proveito deste solo é porque ela própria não é a sua causa, mas o âmbito de suas consequências. Afinal, que tipo de sociedade é esta em que o outro já não constitui, por seu próprio estar no mundo, a imperiosidade do respeito ao corpo, a sua vida e aos seus modos de satisfação? É que esta não é uma sociedade, é o império do Capital. Nele, ninguém pode se satisfazer ou reger seu corpo e sua vida como bem queira, a força centrípeta da acumulação toma a todos e impõe a cada um a dose de violência necessária para que nada escape, nada fuja, nada seja que não função.

A verdadeira sociedade, onde todos possam ser sujeitos de si e construir laços verdadeiros uns com os outros, ainda está por vir – lutamos para que venha antes que as forças desumanizadoras nos tenha reduzido ao pó; esse estupro é mais um entre os milhões de sintomas que se insinuam e se atualizam, em cada fato recente, e que nos diz sobre necessidade urgente dessa forma de vida vindoura – uma vida socializada. Nisto a luta contra o machismo e o patriarcado serão decisivas, não há meias palavras. O machismo necessita de um objeto, o machismo pode amar, mas o amor é para ele apenas um sentimento extravagante, o machismo é antes de tudo um proprietário privado.

Assim, como o combate a esta direita rasteira, que tira suas melhores ideias da superfície do esgoto precisará ser tirada à limpo. É nos argumentos que tentou forjar para tornar o estupro aceitável como valor universal contra os trabalhadores, neste caso: “o convívio com o tráfico”, “a bebida”, “drogas”, “o baile funk”, que vemos avançar em nossa sociedade o radicamento de um profundo encontro entre o machismo e um tipo muito especial de racismo, um racismo de classe. Essa direita odeia, com espuma escorrendo venenosamente das bocas, tudo o que não diz respeito aos valores burgueses e está se sentindo à vontade para ir ao espaço público defender, inclusive!, o estupro de uma jovem de 16 anos.

O fio da esperança na luta

Ontem (31/05) o senado aprovou uma pena mais rigorosa em casos de estupros coletivos, o que não contempla de fato a discussão para a superação do machismo estrutural, pelo contrário, procura no calor dos acontecimentos obliterar posições radicais, confundindo a opinião pública e reduzindo a questão social do estupro à uma matéria de direito penal, ao penalismo punitivista. Outra medida, no mesmo sentido foi mencionada por deputados: a castração química, que nada mais faz que trazer novamente sobre o estupro ao campo estrito dos ato sexuais, e este não deve ser o ponto de partida. O estupro não é uma questão de desejo sexual incontrolável, nem da natureza da posição biológica masculina e sim da necessidade social de dominação do homem sobre as mulheres e as crianças, uma relação de reprodução das condições de acumulação do capital. Esta medida não age na esfera da propriedade privada onde o machismo encontra suas determinações objetivas. A questão do estupro, e das violências estruturantes de nossa sociedade, não serão resolvidas numa sociedade que precisa destas formas de práticas sociais para se sustentar. É preciso uma outra forma societária para efetivar tamanha revolução nas relações entre os sujeitos. Esse tipo de proposta, procura realizar um consenso pelo alto com o senso comum mais vulgar e moralista sobre a sexualidade para opor uns contra os outros, reduzir as questões sociais à questões médico-policiais e, ao tentar nos convencer do caráter de monstruosidade dos violentadores – procura, ainda, apagar que estas formas de violência estão no cotidiano e são realizadas em caráter permanente, não são excepcionalidades realizadas por “anormais”.

Não fosse isso, ainda ontem, o presidente interino Michel Temer, empossou a nova gestora da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, Fátima Palaes, que, evangélica, é contrária ao aborto, até mesmo em casos de estupro. Palaes afirma que já defendeu o aborto em todos os casos, mas hoje está “curada” pois conheceu Cristo e, novamente, fomenta a culpabilização da vítima, nos questionando sobre qual direito nós mulheres temos de “tirar uma vida”. Defende que “a vida começa na hora da concepção […] a gente tem que pensar que dá-se um jeito, consegue sobreviver”, evidenciando que a laicidade do Estado, uma conquista do momento revolucionário da burguesia, seguirá atacada sistematicamente. Diante da rápida apropriação dos termos do debate, cumpre às frações da esquerda enormes tarefas. É com esperança, apesar de importantes ataques como esses, que vimos na segunda-feira (30.05.2016), a realização no centro da cidade, junto a ocupação do MINC (SC), uma série de atividades chamadas pela Marcha das Vadias, a fim de viabilizar um espaço de conversa sobre o violentamento das mulheres, seguido de um ato em solidariedade à jovem que sofreu o estupro coletivo no RJ e contra todos os retrocessos nas políticas públicas que vem atingindo principalmente as mulheres, negras e negros e LGBTs.

No fio desta esperança, reafirmamos nossa expectativa pelo feminismo como forma de luta para a emancipação de todas as mulheres do mundo, luta de caráter anti-imperialista e anticapitalista. Nos solidarizamos a Jovem do Rio de Janeiro e com todas as mulheres que sofrem, constantemente, as marcas da misoginia, do machismo e do patriarcado – sinais permanentes da sociedade de classes.

Fontes:

http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/05/cada-11-minutos-uma-mulher-e-violentada-no-brasil-e-ainda-ha-quem-diga-que-culpa-e-da-vitima.html

http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/05/30/a-cada-11-minutos-uma-mulher-e-estuprada-no-brasil-alerta-simone-tebet

http://oglobo.globo.com/rio/secretaria-de-mulheres-contra-aborto-mesmo-em-caso-de-estupro-19410905

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/05/minha-conviccao-e-que-houve-estupro-diz-delegada.html

http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/policia/noticia/2016/06/jurada-de-morte-por-traficantes-vitima-de-estupro-coletivo-deixa-o-rio-de-janeiro-5822564.html#

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