[Sub-editorial] Sobre o editorial do UàE, de 29 de maio: polêmica e uma contribuição adiante

UàE – 01.06.2016  

Em seu último editorial (29/05/2016), o UàE, estabeleceu as bases para profundas polêmicas no campo da esquerda universitária. O editorial discute sobre o atual processo de construção de chapas para o Diretório Central dos Estudantes da UFSC (DCE) e traz novamente duras críticas às organizações e partidos políticos, como a Juventude Comunista Avançando (JCA) e a Juventude das Brigadas Populares (BPs) para, enfim, apontar os termos do que consideraria uma unidade de esquerda necessária ainda por vir.

É claro que um texto como aquele voltará contra si todos os tipos de reações furiosas – como vimos logo pela sequência de comentários divulgados nas redes sociais, quase todos falaciosos, porque não combatem o argumento do editorial, mas procuram deslocar o eixo da discussão para aspectos menores ou rasteiros.

O problema é que esse tipo rasteiro de discussão não é capaz nem de calar definitivamente a crítica, nem permite, por outro lado, que o problema se desenvolva, amadureça e possa tomar melhores caminhos.

Ainda mais grave, essa forma de rebater, procura obliterar uma polêmica que merece maior destaque, pois trata justamente do papel do partido hoje para a juventude universitária. Sem repetir os argumentos apresentados muito bem pelo editorial, apresenta-se outra apreciação sobre essa questão.

Esta contribuição dá por suposto dois elementos. Primeiramente que os partidos postos na UFSC perderam sua capacidade de contribuir decisivamente com a luta da juventude na universidade e o editorial trás pelo menos dois exemplos suficientemente claros disso[1]. Os melhores exemplos políticos, seja da prática ou da elaboração, estão ocorrendo fora dos campos de atuação dessas organizações.

O segundo elemento é que não existe absolutamente nada na natureza da relação específica entre o partido e os movimentos que justifique isso a priori, ou seja, não é a existência de partidos o que deve ser criticado, pois seguem como imprescindíveis nas lutas da classe trabalhadora. Contra esse argumento está, nada menos, que toda a longa trajetória das experiências de organização da nossa classe por sua emancipação, em nossas vitórias e, sobretudo, em nossas derrotas.

Aceitos esses dois elementos, a questão precisaria ser redefinida. Então, o que ocorre com estas organizações – que estão aí aos montes – se os problemas de suas atuações políticas não podem ser reduzidos aprioristicamente?

Sem pretensão de esgotar esse debate, esta contribuição polemiza com pelo menos duas questões. Ao invés de dirigir a crítica como se o problema fossem as organizações em si, considera-se importante situar que pelo menos dois aspectos de cada uma delas precisarão ser rigorosamente debatidos: em primeiro lugar, qual a relação entre a universidade pública e o programa da organização e, em segundo lugar, qual a relação necessária entre as organizações, os partidos, e os movimentos.

Ao contrário do que querem nos fazer acreditar, a relação entre a universidade pública e os programas políticos dos partidos nunca foi pacífica no Brasil. No fundo a questão diz respeito à possibilidade ou não, numa sociedade capitalista, de efetivar um papel emancipador para esta instituição escolar. Temas como esse constituem, ainda, os debates mais tensos e acalorados no campo educacional, portanto, seria esperado que fosse tratado com muito mais preparo no interior de cada um dos movimentos universitários.

Muitas vezes porque a organização/partido decide que a disputa por essa instituição escolar é impossível no capitalismo ou porque decide que não lhe cabe disputar uma instituição do Estado burguês, a atuação desta na universidade conduz os processos de luta como meros espaços da “escola de quadros” para a luta pós-universitária. Esse tipo de atuação ajuda as organizações a incorporarem membros às suas fileiras e a formá-los para o partido, mas geram profundas desesperanças e ressentimentos naqueles que participam de modo independente desses processos porque as ações políticas, levando quase sempre ao fracasso, parecem mais com o reino de trevas. Tais organizações raramente se importam significativamente com o destino das lutas ou com as alianças que fazem, porque os movimentos são fins em si mesmos.

Por outro lado, há aquelas organizações/partidos que tomam para si o papel de realizar na universidade um programa de reformar que a classe dominante foi incapaz de realizar, portanto, seu programa para a universidade não passa, na maioria das vezes, de uma roupagem mal vestida para um programa de reformas liberais-democráticas. Tais organizações empenham-se na luta por uma universidade, mas essa luta só coincide momentaneamente com a luta por uma instituição efetivamente comprometida com o conhecimento e a emancipação humana. Como seus programas não confrontam centralmente os interesses liberais-democráticos acabam por agremiar um maior conjunto de militantes para as suas fileiras, mas estes compreendem muito pouco sobre o que exatamente constitui aquilo pelo que lutam, na medida em que são abastecidos de argumentos “particularistas”, ocupam-se do imediatismo e das pequenas reformas.

Essa descrição estereotipada – mas não genérica o bastante para que os leitores não saibam exatamente de quem estamos falando – mostram duas estratégias muito bem elaboradas, mas muito perigosas para aqueles cujo fim seja a luta por uma instituição universitária efetivamente comprometida com o conhecimento e a emancipação de seu povo. Porém – e essa é uma experiência empírica que a maioria dos estudantes ressentidos com as formas atuais da política estudantil já fez – nenhuma das organizações situadas em qualquer lugar entre esses dois polos, faz o exercício de honestidade de colocar suas posições claras e objetivas diante do movimento. Parecem convencidas de que é melhor não apresentar a estratégia, e por outro lado também não colocam a própria estratégia em xeque.

Daí o segundo elemento, proposto aqui para o debate e que consiste na forma muito particular como as organizações atualmente relacionam seus programas (suas estratégias) com os movimentos e os sujeitos que os compõem. É nesse âmbito do debate que vemos a razão de muitos descontentamentos, ressentimentos e outros sentimentos que acabam se voltando contra a forma da organização/partido em si, quando na realidade deveriam se voltar contra cada organização/partido, seu programa, sua estratégias e as táticas que propõe. Esse rechaço, embora não deva ser aceito entre nós, pode ser compreendido. Afinal de contas, como a estratégia destas poucas organizações/partidos corroídas, entre o esquerdismo e o reformismo liberal-democrático, nunca se expressa clara, honesta e objetivamente, a maioria dos militantes fica distante da possibilidade de compreender contra o que exatamente ele está nas práticas adotadas por militantes e quadros organizados. Ao invés de aprofundar suas elaborações, acabam por sua vez tornando-se parte do problema, ao voltarem seus ânimos contra toda forma de organização e todos os partidos.

A história da luta de classes certamente mostrará quais as estratégias que conduziram as derrotas e vitórias da nossa classe, mas esta é a história, no presente, de como lutamos no interior de nossas próprias trincheiras contra os elementos mais conservadores, reacionários e equivocados entre nós. Daí que as críticas apresentadas pelo editorial mencionado não podem passar pelo crivo rasteiro da pequena política. É preciso rever as estratégias da esquerda, confrontar aqueles que defendem estratégias fadadas ao fracasso e permitir que sobrevivam às críticas somente aquelas que nos conduzam a um novo patamar de organização para a luta.

  [divider] [1] Há outros casos não apontados no editorial, e que tratariam daquelas organizações/partidos que, não por errarem nos mesmos termos, mas porque são reduzidos demais em tamanho ou influência também não podem cumprir um papel dessa monta.   ]]>

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