[Opinião] A Reforma do Convivência será um projeto político! Parte 1: Qual é a proposta dos estudantes? 

Imagem: Edição UFSCàE/Original: Agecom

Caio Sanchez* – Redação UFSCàE – 15/09/2021

O movimento estudantil tem, nas últimas semanas, se debruçado sobre o tema da reforma do Centro de Convivência. A proposta vem do Sindicato dos Professores da UFSC (APUFSC), que ofertou restaurar o edifício e obter, por um número finito de anos, uma parte do espaço para uso do sindicato. O prédio é central na dinâmica da universidade e, portanto, a reforma traz discussões políticas importantes. Seu sentido histórico, o impacto de sua degradação, o papel político da gerência dessa estrutura pelos estudantes, a importância do patrimônio das universidades, dentre outras questões, emergem junto à pauta. Contudo, a posição da atual gestão do DCE parece não dar a relevância necessária a esta discussão. A importância da pauta e a posição do Diretório serão objeto de discussão deste texto, elaborado em duas partes. 

Parte I: o que é o Centro de Convivência e porque esta pauta é central

O Centro de Convivência foi inaugurado em fevereiro de 1979. O prédio possui cerca de 2864 m2 e fica localizado no “coração da UFSC”.


Imagem: elaborado pelo UFSCàE a partir de mapa disponibilizado pela UFSC

A discussão sobre a reforma deve envolver necessariamente um resgate à história do prédio por duas razões. A primeira é a seguinte: todo projeto arquitetônico corporifica uma defesa política, de forma ainda mais explícita dentro da universidade. A consciência histórica do prédio e do convívio universitário auxiliam na consolidação de um projeto de uso (de vida!) cotidiano para o prédio e, consequentemente, de um projeto arquitetônico. A segunda, é que isso pode auxiliar no exercício da capacidade imaginativa dos estudantes, os quais muitos, infelizmente, sequer se enxergam como parte de uma pauta tão relevante como essa.

No debate, recorrentemente se perde a perspectiva que existem divergências na finalidade do prédio entre os próprios estudantes e em relação aos professores. Com o intuito de esconder os projetos políticos para o Centro de Convivência se espera que o desenho arquitetônico resolva conflitos precedentes. Os arquitetos não terão liberdade ilimitada para definir os espaços do Convivência. Como foi repetido muitas vezes pela APUFSC e o DCE, eles serão mais mediadores de projetos distintos. 

Como o movimento estudantil se portará nessa negociação sem um projeto? Hoje existem mais perguntas abstratas do que resoluções. É exatamente uma definição sólida dos estudantes sobre seu projeto político para o Convivência que poderia acelerar o processo da reforma. Com uma ideia clara de suas prioridades, os estudantes se colocariam em relação à APUFSC não para garantir o resíduo arruinado que a APG e o DCE possuem no prédio, mas sim, representando a ideia de um convívio estudantil que há anos foi perdido. O prédio já foi centro de muitas lutas do movimento estudantil. A aparência degradada da estrutura não esconde o fato de que no Auditório Ovelha, por exemplo, se reuniam diversos militantes que se organizavam contra o regime militar na década de 1980.

Imagem: reprodução

No Centro de Convivência funcionavam grandes festas e festivais, que permitiam o encontro dos estudantes dentro de um espaço regido por eles próprios. Com o fechamento do espaço ficou muito mais difícil realizar encontros festivos entre estudantes, a ponto de que, antes do Ensino Remoto chegar, os Happy Hours já não eram uma tradição na UFSC como o foram anos antes.

Em compensação, cada vez mais cresciam as festas caríssimas organizadas por algumas atléticas, que levavam os estudantes ao norte da ilha e os inseriam em uma dinâmica totalmente alheia ao espaço universitário. Não à toa essas festas incluíam contratos com empresas milionárias, as mesmas que atuam como organizadoras de uma política sexual torpe nessas mesmas casas de festa. 

O Centro de Convivência, por sua vez, recebia estudantes com música e descontração, após um dia exaustivo de estudos há poucos metros deste prédio. Ele reunia, dentro do próprio espaço da universidade, a possibilidade de descontrair, encontrar-se com colegas e criar laços, coisas absolutamente fundamentais na vida dos estudantes. O lazer e convívio fazem parte, inclusive, da política de permanência, algo pouco discutido pelo movimento estudantil nos últimos anos.

Além disso, a estrutura das festas permitia uma política financeira aos CAs e DCE. Fazia parte da cultura do movimento estudantil a venda de “ 3 [cervejas] por 10” como forma de garantir atividades como Semanas Acadêmicas, palestras e outros eventos. A ruína do prédio, eventualmente, também contribuiu para ruir essa dinâmica.

Outro aspecto sobre o financiamento do movimento estudantil diz respeito à gerência do prédio. Como era de propriedade dos estudantes, o DCE pôde criar um xerox dentro da estrutura e utilizar o dinheiro para organizar o movimento estudantil. Para quem esteve nos últimos anos acompanhando o Movimento Estudantil da UFSC, ​​deve imaginar o quão diferente ele seria se tivesse  uma fonte de financiamento própria. Ela colocava a disputa dos estudantes em outros patamares, com o resguardo de sua autonomia.

Esses parágrafos anteriores foram um exercício para tentar expor como um prédio pode impactar na dinâmica do movimento estudantil. A Reforma do Convivência não precisaria se reduzir a um debate meramente técnico sobre seus aspectos concretos, mas a pauta poderia funcionar como um excelente oportunidade para resgatar discussões como o financiamento do movimento estudantil, a importância dos espaços de lazer no interior da Universidade, qual a história da luta dos estudantes na UFSC, entre outros. Essas discussões culminaram em um projeto para o prédio, mas sem elas, a discussão parece fazer pouco sentido para os estudantes em geral.

Nesses termos, a política aparece como algo complicado demais para que seja acompanhada por alguém que recém chegou na UFSC e sequer saberia realizar o trajeto entre o Centro de Convivência e seu prédio. Contudo, esses mesmos estudantes poderiam ficar extremamente interessados em uma discussão sobre a história do prédio, em um debate sobre o sentido político das construções arquitetônicas e qual a função política da preservação da memória e patrimônio das universidades. 

A APUFSC demonstrou interesse em reformar o prédio para utilizar parte dele para atividades próprias e também como forma de converter suas aplicações financeiras em um investimento mais seguro. Também já é discutida a possibilidade de que parte do prédio seja alugado e o dinheiro vá para a APUFSC.

O que não se pode perder de vista é que o prédio pertence aos estudantes e mesmo que alguém queira investir em uma reforma, o próprio uso do espaço por alguns anos é o retorno adequado para o investimento, por não pagar aluguel. Os aluguéis no entorno da UFSC são muito caros. A locação de uma sala de 300m², por exemplo, custa mais de 10 mil reais por mês. O espaço que a APUFSC aluga no prédio Max e Flora deve custar mensalmente algo nessa faixa de valor. No próprio Centro de Convivência, os Correios pagam um aluguel de R$6.238,60 por uma área de 151m². 

Desta forma, um prédio do tamanho do Centro de Convivência possui muito potencial para abarcar diversos usos para o movimento estudantil e ainda possivelmente gerar renda com parte do seu espaço sendo alugado para um café, um xerox, ou até mesmo um xerox administrado pelos próprios estudantes. 

Tendo em vista a ausência de orçamento da universidade e o interesse da APUFSC em reformar o prédio, essa poderia ser uma boa oportunidade não apenas para aceitar o que vier da APUFSC, mas para que movimento estudantil pudesse se reunir em uma pauta tão relevante como essa. Contudo, o DCE tem tratado a pauta como a conversão da boa vontade da APUFSC em um projeto arquitetônico, passando ao largo do que é realmente relevante aos estudantes.

Os sentidos e limites dessa postura do DCE será objeto de debate da segunda parte do texto. 

*Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e podem não refletir a opinião do jornal 

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