[Opinião] Boas vindas aos novos estudantes: qual o cenário da universidade que os recebe?

Imagem: Centro de Convivência, prédio da Universidade Federal de Santa Catarina. Os estudantes estão putos. UFSCàE. 

Ana Júlia e Cecília Dominique – Redação UFSCàE – 18/10/2021

Na próxima semana, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) dará boas vindas a mais uma nova geração de estudantes que ingressam em uma universidade “virtual”; calouras e calouros que tem o grande desafio de se integrarem à comunidade universitária sem ter tido contato com o espaço físico da universidade e com seus colegas. Tendo isso em vista, buscamos escrever este texto de recepção, a fim de tratar sobre diversos temas que atravessam a universidade em que irão permanecer por um longo período. 

 

A situação econômica do país

Começamos tratando de uma questão importante: estar na universidade significa estar atento aos grandes dilemas que enfrenta a sociedade brasileira. Por isso, vale começar tratando do momento que o Brasil enfrenta, em que o aprofundamento da crise econômica que resulta na alta do preço do custo de vida  tem deixado à classe trabalhadora a fome, o desemprego e a falta de moradia.

Passamos por mais um ciclo das crises capitalistas e, como parte da dinâmica dessa sociedade, ficou às custas dos trabalhadores pagar pela retomada econômica do país. Isso fica evidenciado, por exemplo, quando vemos que as plantações de café em nosso país estão sendo substituídas pelas de soja, principais produtos que o Brasil exporta. Dessa forma, o preço do café, um alimento muito importante da cesta básica de alimentos da classe trabalhadora, tem aumentado cada vez mais para que o país obtenha lucros com a exportação da soja.  

Cada ida ao mercado tem resultado em menos alimentos possíveis de serem comprados com a mesma quantidade de dinheiro. No mês de julho, dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) apontam que o custo médio da cesta básica subiu em 15 capitais.

Além disso, em relação ao preço da gasolina, o aumento acumulado, até setembro deste ano, foi de 39,6% no país e o botijão de gás aumentou 34,67%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Outro levantamento, da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), mostrou que o preço médio da gasolina comum nas bombas atingiu R$ 6,092 por litro na última semana de setembro de 2021.

Somado a isso, uma pesquisa realizada na Fundação Getúlio Vargas aponta que a renda média do brasileiro, incluindo informais e desempregados, atualmente está 9,4% abaixo do nível do final de 2019. Isso é ainda mais sentido entre a metade mais pobre da população, sendo 21,5% de perda de renda.

Na tentativa de lutar contra essa situação, têm ocorrido no país diversos dias nacionais de mobilização contra a política que instaurou Bolsonaro em nosso país. Esses atos acontecem também em nossa cidade, Florianópolis, e os estudantes têm um papel importante em participar da construção dessas mobilizações, pois fazemos parte da sociedade brasileira e sentimos na pele a precarização de nossa vida.

Essas mobilizações são de grande importância e devem continuar acontecendo, aumentando sua abrangência e sua possibilidade de enfrentamento das políticas estatais que hoje estão em curso. Nesse sentido, deveríamos acrescentar ao Fora Bolsonaro a pauta da revogação da Emenda Constitucional (EC) nº 95, que altera o teto dos Gastos Públicos para instituir o Novo Regime Fiscal. 

Assim, conseguiremos reconstruir um terreno para lutar e recolocar na ordem do dia um projeto econômico que dispute o futuro de nosso país. Aliados a isso, devemos combater as privatizações, a reforma administrativa e defender de maneira intransigente a universidade. Essa é uma luta que cabe a nossa geração e a geração que hoje entra na universidade dar continuidade. 

 

Sobre as universidades 

Como parte importante da sociedade, as universidades ainda cumprem um papel de grande relevância nacional, pois é a única instituição que possui como objetivo a produção de conhecimento que tenha liberdade para criticar toda e qualquer esfera da sociedade. 

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Porém, esse papel só é cumprido com muita luta e disputas de poder, já que a classe dominante quer reduzir a universidade a uma instituição de ensino, retirando dela sua capacidade crítica e interventiva, deixando a pesquisa para instituições que possuem o controle.

Há uma disputa em curso bem marcante sobre as formas de financiamento das universidades, que são os fundos patrimoniais, que vem ganhando cada vez mais atenção nos últimos tempos; esses fundos têm como função um controle sobre a universidade através de formas de financiamento, respondendo aos interesses imediatos do empresariado e dos capitais privados. 

Santa Catarina é um exemplo de estado em que há uma articulação bem estreita entre as elites e os capitais privados de educação. Dentro do congresso, aqueles que articulam as pautas do oligopólio de ensino são os deputados de nosso estado. Inclusive, a maioria deles disputaram espaço na secretaria da educação.

Essa pauta do financiamento é proposta pelo Reuni Digital, projeto do Ministério da Educação (MEC) de criação das “Universidades Federais Digitais”, por meio da efetivação dos 40% de ensino remoto permitidos por lei. Este projeto utilizaria do aumento de vagas de matrícula e expansão das universidades como justificativa da adaptação do ensino para a forma virtual. 

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Vemos, portanto, que a conjuntura na universidade é marcada por essa tensão constante que a burguesia impõe a essa instituição, com cortes, contingenciamento de gastos e falta de repasse. Bem como com a possibilidade explícita de intervenção na autonomia universitária com a lista tríplice, em que, a partir da consulta realizada pela universidade para escolha da reitoria, é formada uma lista de três candidatos, a partir da qual o presidente nomeia um dos três indicados, podendo não ser aquele que mais recebeu votos. 

Enfim, a universidade mudou, não é a mesma que aquela em que estudavam nossos professores, quando havia bolsa para praticamente todos os estudantes, havia dinheiro entrando na universidade e havia diversos concursos. Hoje ela é marcada pelo enxugamento de recursos, que retira dela grande potência.

O tema da universidade em geral é um tema espinhoso, mas é urgente que possamos nos debruçar sobre ela a fim de construir um projeto de universidade que coloque em cheque-mate as propostas da burguesia. Isso porque a universidade não deveria estar atrelada a responder às necessidades imediatas de um ou outro setor, mas sim a construção de um futuro diferente.

 

E a UFSC?  

A UFSC é mais uma das universidades que enfrenta cortes e falta de orçamento para realizar suas atividades essenciais. Ainda, como citado acima, ela é cobrada constantemente pelas elites catarinenses, muitas vezes tendo que responder a essas pressões. 

As decisões em nossa universidade são tomadas majoritariamente pelo Conselho Universitário (CUn), órgão supremo de deliberação em matéria de administração e política universitária, que é presidida pelo Reitor, Ubaldo César Balthazar. Também há estudantes que nos representam, membros do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e da Associação de Pós-Graduandos (APG).

Apesar de a universidade ser organizada através de órgãos e colegiados, ela também é, ainda que não institucionalmente, formada pelo movimento estudantil, que coloca em disputa diversas pautas muitas vezes não consideradas por aqueles que são membros dos órgãos administrativos e políticos da UFSC. 

Na UFSC, o movimento estudantil engloba as entidades de base, como os Centros Acadêmicos, e as entidades gerais, como o Diretório Central dos Estudantes (DCE) e a Associação de Pós-Graduandos (APG). 

Os centros acadêmicos (CAs) são entidades estudantis organizadas pelos estudantes de cada curso; a política dos CAs depende dos princípios defendidos por eles. Os CAs têm um papel de organização da vida e do cotidiano político dos cursos  cursos; isto é, promover debates, discutir aspectos teóricos e políticos da formação, tecer relações entre as diversas fases do curso e com outros cursos, estar presente nos Colegiados de Curso e de Departamento para promover reflexões críticas junto dos professores e representar as pautas estudantis, enfim, são diversas as possibilidades de ação para um Centro Acadêmico, que também é uma entidade sempre em disputa. 

É comum que as eleições para o Centro Acadêmico na UFSC ocorram anualmente. É importante apontar que cursos que não tem uma gestão no seu CA ou têm um CA afetado por imobilismo também têm possibilidade de se movimentar, realizar assembleias e atividades, basta reunir fôlego juntamente dos colegas do curso. 

O Diretório Central dos Estudantes (DCE) é uma entidade geral dos estudantes, podendo ser construído por qualquer estudante, gestionado pela chapa que obteve vitória na eleição da gestão. As eleições também ocorrem anualmente. 

Também a Associação de Pós-Graduandos (APG) é uma entidade geral, mas que trata das políticas para a pós-graduação. Entretanto, é possível que as pautas de lutas se entrecruzem, já que as entidades estão localizadas no mesmo terreno de lutas.

Ainda, cabe resgatar a história para tratar de um aspecto importante das entidades estudantis. O DCE foi criado no período da ditadura e tinha função de obrigar os Diretórios Acadêmicos (DAS) (antigos Centros Acadêmicos) a se vincularem a ele. Os DAs foram então dissolvidos e o DCE reportava para o aparelho de inteligência qualquer militante que despertasse no movimento. 

Na UFSC, temos um prédio que é intitulado de Convivência, seu nome também diz respeito a sua função. O prédio foi construído no período da ditadura, no meio do campus, onde antes funcionava o DA de Psicologia. Mais tarde, os CAs, por causa dessa história, incluíram em seus nomes o “Livre”, como uma forma nominal de demonstrar que não se subordinavam ao DCE e aos aparelhos de inteligência. 

De certa forma, então, o DCE é uma entidade em igual nível dos CAs, mas ele congrega uma atuação em todos os campi. Para que não se repetisse o mesmo erro do controle do DCE sobre os CAs, os CAs ganharam um instrumento de “controle” sobre o DCE, que é o CEB. Se o CEB decidir algo, o DCE não pode mudar, somente através de uma assembleia estudantil. Essa dinâmica atravessa, então, o movimento estudantil.

O Conselho de Entidades de Base (CEB) é, portanto, um espaço superior em deliberação ao Diretório Central Estudantil (DCE), constituído pelas entidades de base UFSC: os Centros Acadêmicos e o Grêmio Estudantil do Colégio Aplicação. As assembleias estudantis gerais são superiores ao CEB e ao DCE. 

As assembleias estudantis são instrumentos políticos importantíssimos, dentro dos cursos elas são espaços de formação, debate e deliberação, e também existem as assembleias gerais estudantis, em que todos os estudantes da universidade têm direito a voz e ao voto, e elas permitem que a comunidade estudantil se una para debater as políticas de sua universidade. A importância das decisões da assembleia são maiores do que as tomadas pelo CEB e, consequentemente, pelo DCE. 

 

E quais podem ser as pautas de luta do movimento estudantil da UFSC?

Primeiramente, se deve retomar os debates sobre a política de permanência, pois ela é uma pauta que engloba todos os estudantes. Atualmente esse debate tem um tom bastante deprimente, em que a UFSC, por estar sufocada pelos cortes e reajustes orçamentários, tem grande dificuldade de aumentar suas políticas de permanência, como se bastasse se adaptar e abrir mão do que deveria ser direito básico do estudante. 

A moradia estudantil, por exemplo, há anos atende uma minoria gritante dos estudantes. No campus de Florianópolis, ela não consegue abarcar nem 1% dos estudantes, nos outros campi, ela é inexistente. Não bastasse isso, há anos a precarização desse espaço torna a vivência quase inviável. 

Para entender mais da disputa por moradia e a exploração dos estudantes pelo mercado imobiliário, leia: [Opinião] Quem se beneficia da atual política de moradia estudantil da UFSC? 

Assista também nosso documentário sobre a moradia estudantil: Estudantes Expulsos – A Situação da Moradia Estudantil na UFSC

Este é apenas um dos diversos exemplos de como a política de desmonte das universidades públicas vêm se mostrando no dia a dia dos estudantes da UFSC. 

O Restaurante Universitário (RU) se constitui como uma dessas políticas de permanência, entretanto, era utilizado pela reitoria como uma forma de buscar enxugar gastos, o fechando durante as férias, por exemplo. Durante a pandemia, ele acabou fechando as portas, e, com a possibilidade de um retorno presencial da Graduação, mas já com o retorno que aconteceu do Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI), escola infantil, e do Colégio Aplicação, que vai do fundamental ao médio, pensar em como funcionará o RU deve ser uma preocupação. Como está sendo garantida a alimentação desses estudantes e servidores que retornaram? 

E falando em volta presencial, os estudantes já não têm mais qualquer segurança de que esta ocorra em todas as atividades. O corte orçamentário tem inclusive servido de bode expiatório para a implementação do ensino remoto não excepcional, para após a pandemia. 

O ensino híbrido é uma ameaça que não pode ser ignorada; falamos acima do projeto do MEC, o Reuni Digital. Além de uma discussão ativa feita pela Câmara de Graduação, existem debates fragmentados nos Centros de Ensino que incluem estágios remotos e continuação de atividades remotas, e a pós-graduação da UFSC passa por reformas que abrem as portas para o ensino híbrido. A falta de orçamento para um retorno 100% presencial pressiona para uma educação digital e deficitária. 

Temos todos, portanto, um grande desafio pela frente: não se acomodar. Entrar em uma universidade não é fácil, permanecer nela, muito menos. Porém, desejamos boas-vindas aos novos estudantes, aos calouros e calouras, que agora fazem parte da vida universitária e dos detalhes e minúcias que nela acontecem. 

Que a entrada lhes deixe um brilho nos olhos e que desperte um interesse genuíno de contribuir com essa instituição com muita luta. Que juntos façamos a defesa intransigente das universidades brasileiras, ao mesmo tempo em que façamos dela um local que impulsione a construção de uma nova sociedade. 

 

Acompanhe e conheça nosso jornal

O UFSC à Esquerda é um coletivo jornalístico formado em meados de agosto de 2013 em Florianópolis (SC). Em 19 de agosto de 2013, publicamos nosso primeiro texto “A UFSC foi cercada pelo imobilismo” em que fazíamos duras críticas às forças da esquerda que atuam na Universidade por meio da crítica ao cercamento físico do campus da Trindade (UFSC).

Tratava-se naquela época de um conjunto de militantes, provindos de diferentes organizações e partidos políticos, inconformados com os rumos tomados pela esquerda e pela universidade brasileira. Aquele texto deu vazão a essa angústia e, quando percebemos a necessidade de uma retomada rigorosa das análises socialistas e marxistas, nos tornamos um coletivo.

Leia nossa apresentação na íntegra. 

Leia também Memória: sete anos de lutas.

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