Cartazes na fachada da reitoria da UFSC, em greve e lutas contra o teto de gastos (PEC241/EC95) em 2016
Foto: Fachada do prédio da reitoria da UFSC em 2016 durante as mobilização contra a PEC 55 (atual EC 95) ; Florianópolis/SC, 2016; por UFSC à Esquerda

[Opinião] Cancellier e a derrota da Universidade

Foto: Fachada do prédio da reitoria da UFSC em 2016 durante as mobilização contra a PEC 55 (atual EC 95) ; Florianópolis/SC, 2016; por UFSC à Esquerda

José Braga* – Redação UàE – 24/08/2017

 

O trágico cenário de ataques as Universidades Públicas não permite avaliações e respostas simplistas. Àqueles que conjugam esforços para defendê-la está posta uma dupla tarefa coletiva: a análise da complexidade deste momento, bem como o debate aberto dos melhores caminhos para a ação política.

Temos noticiado nos últimos anos a crise orçamentária nas universidades federais – produzida pelos cortes e contingenciamentos dos governos de Dilma e agora de Temer. É fato que estes ataques a plena existência da Universidade Pública se agudizaram, no entanto se expressam e tem respostas diferentes no interior de cada instituição singular. Para resistir efetivamente a política privatizante do governo, o movimento universitário terá que estar com os olhos bem abertos para esta dupla dimensão.

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Na UFSC, a reitoria de Cancellier tem um modo particular de reagir a situação: desde sua candidatura se colocou a serviço de gerir a crise. E com a ampliação desta, esta posição ganha nova força e significado. Então, se de fato Cancellier é legatário do que chamamos da Velha Direita na universidade – e seus quadros conservadores e reacionários – e se beneficia do trânsito livre com a burguesia e os políticos catarinenses por um lado, por outro é também herdeiro da política de empresariamento da reitoria de Roselane; porém, isso não é suficiente para caracterizar o atual projeto político da reitoria e seus efeitos para a Universidade Pública.

Uma breve leitura do relatório de gestão da UFSC de 2016¹ nos permite perceber algumas pistas para compreender melhor para onde aponta a política da reitoria. De acordo com esse documento, o orçamento final da universidade em 2016, somando-se os recursos liberados pela Lei Orçamentária Anual mais decretos e portarias do governo totalizou em despesas discricionárias (ou seja excluindo-se despesas com pessoal, encargos, benefícios, precatórios e pensões indenizatórias) de R$ 186.355.572,00. Somados a estes os créditos suplementares de recursos próprios liberados pelo MEC no valor de R$ 15.533.000,00, totalizando um montante de R$199.692.298,00. O próprio relatório aponta uma redução orçamentária em relação a 2015 de R$2.195.874,00. Lembre-se que em 2015 a comunidade realizou uma dura luta contra os cortes no orçamento das universidades que já vinham se aprofundando nos últimos anos.

No mesmo documento da reitoria encontra-se também um quadro com a arrecadação da universidade pela via da descentralização de recursos, por contratos, convênios e termos com outros entes do Estado (órgãos da união, autarquias, estados e municípios), ou empresas, ou com ambos. As principais são órgãos do Estado, embora não se possa descartar que nas ações realizadas possam haver diferentes formas de relação com empresas. No ano de 2016, estas “parcerias” da UFSC somaram 37, arrecadando um montante de R$110.007.194,72. Comparativamente, 55% da soma de recursos discricionários mais os créditos suplementares.

Este tipo de captação de recursos não é gratuita, trata-se, ainda que pela via do Estado, de uma prestação de serviços; ou seja, os contratos, termos e convênios orientam a produção de conhecimento e o ensino de grande parte da universidade. Os recursos tampouco são aplicados de acordo com o desígnio da comunidade, são referentes aos projetos e ações combinados com as demais instituições.

Esta política, no entanto, não é específica de Cancellier e há muito tempo já penetrou no conjunto das universidades públicas. Em relação aos últimos anos (2014 e 2013) o montante de recursos que entraram na UFSC por esta via em 2016 é menor. De acordo com o relatório de gestão temos estes dados:

Total do montante de recursos transferidos pela via de termos, contratos e convênios 2013-2016:

2016 2015 2014 2013
110.007.194,72  70.848.166,27 125.121.635,83 171.152.972,65

 

Poderia-se argumentar ainda que estes dados pouco significam tendo em vista que os convênios e contratos supracitados poderiam ter iniciado em anos anteriores, ou mesmo nos primeiros meses do ano (ainda na reitoria de Roselane). De fato estes dados ainda são insuficientes para uma boa leitura da reitoria de Cancellier, uma avaliação mais precisa dos relatórios de gestão dos últimos anos, dos convênios celebrados pela UFSC, a análise detalhada das parcerias realizadas via fundações de apoio, a verificação atenta do conjunto de projetos (e é digno de nota que muitos são legalmente cobertos por sigilo) é uma tarefa que poderá nos auxiliar ainda mais. Quero com eles apenas ilustrar uma hipótese.

A dimensão que as parcerias público-privadas, os convênios com o Estado, as formas ampliadas de privatização da universidade ganha novos contornos com a crise orçamentária produzida pelo governo. É fato, este tipo de política para financiar pesquisas e projetos não começou ontem, está presente há décadas está na UFSC e foi intensificada com Prata e Roselane, mas, tem um novo papel para Cancellier: sobreviver a crise.

Este já era o instrumento pelo qual a reitoria iria gerir os danos dos cortes orçamentários, é este o discurso desde as eleições. No entanto, com a política econômica do governo que tem estimado privatizar ativos do Estado, vide os casos das empresas estatais (Eletrobrás, Petrobrás), para atrair investimentos de capitalistas dos países centrais, as universidades estão colocadas na berlinda. Com aceleração dos cortes e contingenciamentos as universidades estão definhando. Esta parece ser a forma de enfraquecê-las até que se torne inviável mantê-las funcionando.

Neste cenário, a política privatista local, que se utiliza das formas de parceria e dos convênios, pode ser apresentada como uma necessidade para que a universidade continue de portas abertas; como uma forma de garantir sobrevida a UFSC. Para não deteriorar com o conjunto das instituições: empreender a universidade! Essa política também pode ser a sobrevida de sua reitoria, o meio pelo qual consegue manter uma certa estabilidade política na UFSC.

Este parece ser o aspecto qualitativamente novo na reitoria de Cancellier. E frente a isto há outras pistas que podem nos ajudar a entender a centralidade que os meios de empresariamento tem na política de sua reitoria, refiro-me a dois eventos: no dia 20 de maio de 2016, o reitor formalizou um termo de cooperação com a Federação das indústrias do Estado de Santa Catarina – este foi um dos primeiros atos de sua reitoria³ – e neste mês de agosto o reitor esteve com o cônsul de Israel no Brasil negociando uma parceria público-privada.

A primeira marca o rumo da gestão, sua disposição a atender os desígnios do empresariado. A segunda, não apenas reflexo de seu conservadorismo mas, uma excrecência da política de privatização ampliada da UFSC – ou seja, toca-se os negócios independentemente de qualquer consideração pela vida dos povos.

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Com esta política, Cancellier não apenas abandona o papel intelectual que um dirigente máximo de uma universidade deveria cumprir, mas engendra que a comunidade universitária deixe de lado ela mesma o papel fundamental desta instituição para a sociedade brasileira. Abre-se mão de vez da autonomia universitária – que nunca foi autonomia para captar recursos, vender produção de técnicas, ou serviços de consultoria – mas sim, a autonomia para produzir ciência e tecnologia novas a partir do conhecimento historicamente criado pela humanidade para que as atuais gerações enfrentem os dilemas de nosso mundo.

Alguns ainda podem argumentar que esta é saída possível – ou não é a sobrevida da universidade que esta em jogo? A estes proponho uma reflexão: não caberia aos universitários e seus dirigentes enfrentar-se com um governo que rifa seu povo e seus bens mais fundamentais como a educação? Saídas duras para crise poderiam ser propostas pela universidade e seu reitor: a taxação de grandes fortunas, a taxação de grandes operações financeiras, oneração do grande capital de qualquer espécie, entre outras.

A privatização da educação e da saúde tende a ser uma das respostas do governo frente a crise, no caso das universidades deixá-las ao relento é o caminho para preparar seu fim. Na UFSC, frente a política do governo, a reitoria está destituindo pouco a pouco o cerne do que há de público na instituição para sobreviver a crise. Esta saída representa a derrota da Universidade.

 

*O texto é de inteira responsabilidade do autor e pode não refletir a opinião do Jornal.

 

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