Imagem: Fila para pegar senha para uma seleção de emprego em 2019, em São Paulo. Foto: Roberto Parizotti/FotosPublicas.

[Opinião] Deterioração das condições de vida e o arrocho salarial

Imagem: Imagem: Fila para pegar senha para uma seleção de emprego em 2019, em São Paulo. Foto: Roberto Parizotti/FotosPublicas.

Luiz CostaRedação Universidade à Esquerda– 29/06/2021

No ordenamento capitalista, o desemprego serve como mecanismo de pressão e redução dos salários. Quanto mais trabalhadores sem emprego, maior a pressão para aceitar empregos sob piores condições. Nesse cenário, todos os trabalhadores saem perdendo: uns amargam no desemprego, outros sofrem com o aumento da exploração e redução dos salários.

Atualmente, essa tendência tem aparecido de maneira cristalina. A taxa de desemprego no país atingiu recorde de 14,7% no primeiro trimestre de 2021. É a maior taxa de toda a série histórica do IBGE, iniciada em 2012. São 2 milhões de pessoas a mais desempregadas e procurando emprego frente a igual período de 2020. Esse batalhão de desempregados engrossa as fileiras do Exército Industrial de Reserva.

Taxa de desocupação. jan-fev-mar 2012 — jan-fev-mar-2021

Entre a massa de desempregados, os que estão efetivamente à procura de emprego constituem a parcela que mais influi para pressionar os salários. 

Com a eliminação das medidas de isolamento, aumento rápido da inflação e rebaixamento do auxílio emergencial, a tendência é aumentar o número de pessoas que voltam a procurar uma vaga de emprego.

Por isso, a “taxa de desemprego” do IBGE não leva em conta o conjunto da força de trabalho desempregada, mas apenas a parcela que está procurando trabalho e pronta para assumir caso encontre. Com as medidas de isolamento e com a garantia de auxílio emergencial de R$ 600 a R$ 1200, muitos desempregados se afastaram temporariamente da procura de emprego, engrossando a chamada “força de trabalho potencial”.

Com a redução das medidas de auxílio e crescente deterioração das condições de vida, cresce o número de desempregados na busca por trabalho.

A inflação tem corroído rapidamente as condições de consumo das frações mais baixas dos trabalhadores, exemplo disso é a abrupta redução no consumo de carne das famílias mais pobres. Em maio, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado dos últimos 12 meses ficou em 8,06%. A inflação tem aumentado devido à alta nos preços de produtos agrícolas, gás de botijão, combustíveis automotivos e energia elétrica. O agravamento das condições de vida empurra um maior número de pessoas às ruas à procura de emprego.

Com o aumento nas filas de desempregados, os salários têm sido constantemente comprimidos. Aproximadamente 60% dos reajustes salariais do mês de abril ficaram abaixo de 6,94%, que é a inflação acumulada nos 12 meses antecedentes (até março). O cálculo é feito com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (INPC-IBGE). 

Dos reajustes de abril, apenas 17,3% das negociações tiveram reajuste acima do índice inflacionário e 22,7% tiveram reajustes iguais à inflação. O quadro é o inverso do ano passado. Em abril de 2020, 62,3% dos contratos foram reajustados iguais ou superiores à inflação.

Os dados são fornecidos pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), no documento “De Olho nas Negociações”, publicado em junho.

Os trabalhadores mais afetados pelo arrocho salarial estão no setor de serviços: 71,7% tiveram seu reajuste inferior à inflação, entre janeiro e abril deste ano.

No ano de 2021, o próprio salário mínimo ficou abaixo da inflação, reduzindo assim o poder de compra. O piso foi reajustado tomando como base uma inflação de 5,22% prevista pelo governo para 2020. Mas segundo cálculos do IBGE, o INPC fechou o ano em 5,45%. 

Há outros fatores que influenciam no nivelamento dos salários, como a organização sindical. Segundo o levantamento do Dieese, reajustes acima da inflação são mais frequentes nos acordos coletivos, celebrados entre entidades sindicais de trabalhadores e empresas, do que em convenções coletivas com entidades patronais.

Além da organização sindical, um dos fatores mais visíveis na correlação de forças é a redução no número de ações de luta dos trabalhadores, como atos, ocupações e greves. O número de greves registradas em 2020, por exemplo, foi o menor desde 2012, quando houve um ciclo de ascensão dos movimentos grevistas. Foram registradas 638 greves no ano passado, face 1.118 em 2019 (redução de 43%). Em 2013, 2014 e 2016, o número de greves chegou a um patamar superior a 2 mil por ano.

Em conjunto com as greves, o Brasil presenciou um ascenso de outras formas de luta, como os levantes de junho de 2013, as ocupações estudantis de 2015 e 2016, as gigantes marchas em Brasília (2016 e 2017), a greve geral de 2017, a greve nacional dos caminheiros e as marchas pelo #EleNão em 2018 e as mobilizações estudantis de 2019.

Desde 2020, com a nova onda da crise e começo da pandemia, houve um vácuo nas lutas sociais. Reduziu-se o número de greves e, concomitante, recaiu o número de ações de luta da nossa classe. Neste meio tempo, mesmo com a miséria social e avanço da pandemia, Bolsonaro conseguiu chegar ao maior patamar de aprovação do seu governo, entre agosto e dezembro do ano passado. 

Atiçada pelos atritos intra burgueses e entre o alto escalão do Estado, a esquerda retornou às ruas em março deste ano findando uma trágica ausência do cenário político nacional. As tendências envolvendo os atos de rua ainda estão em aberto e podem marcar uma mudança importante na correlação de forças, que talvez sirva de ponto de partida para refrear ou reverter o cenário de crise que está posto.

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