[Opinião] Ensino remoto e a falta de professores na UFSC: análise a partir do caso do Colégio de Aplicação

Foto: Henrique Almeida / Agecom / UFSC

Morgana Martins – Redação UFSC à Esquerda – 11/11/2020

No início do semestre 2020.1, em março, diversos estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ficaram sem aulas por conta da falta de professores. Isso ocorreu porque o OFÍCIO-CIRCULAR Nº 1/2020/CGRH/DIFES/SESU/SESU-MEC suspendeu a contratação de professores nas universidades, o que se somou aos seguidos e sistemáticos cortes nos orçamentos. Essa situação ainda continua, mas está sendo mascarada pelo ensino remoto. 

A situação do Colégio de Aplicação antes da pandemia

A situação no Colégio de Aplicação (CA) foi a mais problemática: em 11 de fevereiro de 2020, a direção da escola comunicou que das 1684 aulas oferecidas semanalmente no CA, 221 aulas estavam sem professor. Foram elencadas três problemas naquele momento que contribuíram para um quadro precário de atendimento às crianças e adolescentes, em comunicado realizado no dia 12 de fevereiro

  1. O aprovisionamento de 34% do dinheiro da verba destinada ao colégio que impossibilitou arcar com despesas como material para o setor de enfermagem, jogos educativos e brinquedos, materiais didáticos das aulas de arte (música e artes visuais) e compra de papel para impressão de atividades. A escola também recebeu do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) apenas R$ 0,36 por refeição/lanche e o custo da merenda elaborada pelo Setor de Nutrição do colégio é de R$ 2,93 em média.
  2. Diminuição de mais de 50% das bolsas estudantis para alunos de graduação que, mediante a supervisão dos profissionais da escola, auxiliam nas atividades de vida diária e na mediação da aprendizagem dos estudantes com deficiência.
  3. Suspensão da contratação de professores, a partir do ofício circular nº 01/2020/CGRH/DIFES/SESU/MEC de 08/01/2020, que resultou em um desfalque de dez professores nas seguintes disciplinas: Arte (música e artes visuais), Educação Especial, Educação Geral, História, Educação Física e Língua Portuguesa. Essa falta de professores impacta na aprendizagem de 28 das 39 turmas existentes. No caso de um/a professor/a adoecer não a escola não pode contratar um novo professor.

Enquanto durou o semestre presencialmente no início deste ano, o Colégio de Aplicação teve de organizar seus horários de disciplinas, deixando ou o primeiro ou último período sem aulas, sendo assim, as crianças e adolescentes iam embora mais cedo ou tinham aulas mais tarde, como indica o comunicado realizado pela direção no dia 21 de fevereiro. A situação do 5° ano do turno matutino foi a mais evidente: os estudantes não tiveram o primeiro horário de aulas e poucos do segundo. 

Foto retirada do site do Colégio de Aplicação.

Essa situação foi discutida amplamente com a comunidade da escola, houve uma reunião realizada no dia 11 de fevereiro que reuniu mais de 300 famílias e também estavam presentes a Associação de Pais e Professores (APP), o Grêmio Estudantil do Colégio de Aplicação (GECA), a Pró-reitoria de Gestão de Pessoas (PRODEGESP/DDP), a Direção do Centro de Ciências da Educação (CED) e do Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI), a Associação de Professores da UFSC (APUFSC) e o Sindicato de Trabalhadores em Educação das Instituições Públicas de Ensino Superior do Estado de Santa Catarina (SINTUFSC). 

Além disso, um ato simbólico havia sido marcado para ocorrer no dia 13 de março de 2020, que consistia em um ato de abraçar o Colégio para manifestar a favor da contratação de professores. Ato que acabou não ocorrendo, pois as atividades presenciais na UFSC foram canceladas. 

A discussão no CUn no dia 27 de fevereiro de 2020

Para discutir sobre esse tema da falta de professores, que dizia respeito a toda a UFSC, ocorreu no dia 27 de fevereiro uma sessão extraordinária do Conselho Universitário (CUn), em que o secretário de Planejamento e Orçamento, Fernando Richartz, declarou que, embora não houvesse proibição de contratar professores, não existia disponibilidade orçamentária para essas contratações.

Ao final da sessão, foi aprovada uma nota de posicionamento a favor das contratações para preservar o funcionamento pleno das atividades, como pode ser conferida abaixo. Porém, essas ações não tiveram continuidade e nem mesmo foram discutidas amplamente pelos Centros, Cursos e Centros Acadêmicos. 

“O Conselho Universitário, reunido em sessão extraordinária em 27 de fevereiro de 2020, torna público seu posicionamento com relação a recentes manifestações do Ministério da Educação por meio dos ofícios circulares no 8/2020/GAB/SPO/SPO-MEC e 39/2020/CGRH/Difes/Sesu/Sesu-MEC, que se referem a despesas com pessoal ativo e inativo, inclusive sobre benefícios e encargos a servidores públicos, afirmando: 1. As orientações expressas sob a forma de ofícios devem ser compreendidas não como determinações, uma vez que a prerrogativa dos gestores de universidades públicas acolhe o pleno exercício da Autonomia Constitucional de gestão financeira. Nesse sentido, a reposição de vagas constantes do quadro permanente (Banco de Equivalência e o QRSTAE) não deve ser tratada como ‘aumento de despesas’, visto que se trata de garantir as condições fundamentais para a consecução das atividades-fim da Universidade, ou seja, a indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão. 2. Com relação a benefícios e encargos, especificamente, o pagamento atende a leis que garantem o cumprimento por parte do Estado, sem que caiba às instituições qualquer restrição. Além disso, o orçamento destinado às despesas com pessoal ativo na UFSC em 2020 será R$ 40 milhões menor do que foi o executado em 2019. Vale lembrar que os recursos para gestão de pessoal são geridos diretamente pelo Ministério da Economia, e não pela instituição. Assim, cabe à UFSC, com base nos decretos no 7.232/2010 e 7.485/2011, manter procedimentos, evitar quaisquer ações de caráter restritivo de direitos e dar provimento de cargos, docentes e técnicos, de modo a preservar o funcionamento pleno das atividades, com observância das normas e respeito à autonomia das universidades. Sala dos Conselhos, 27 de fevereiro de 2020.”

A falta de professores

Como dito anteriormente, a situação da falta de professores não foi resolvida, foi para baixo dos panos com a chegada da pandemia e suspensão das atividades. Gostaria de ressaltar aqui, inclusive, que a UFSC errou em ter apenas suspendido o semestre, ele deveria ter sido cancelado, pois a suspensão, ao que tudo indica, fará com que no ano que vem tenham três semestres. 

O  ensino remoto mascarou a falta de professores porque possibilitou fazer arranjos que antes não eram possíveis, como a diminuição do crédito das disciplinas em sua forma síncrona – o que não diminui a carga horária no currículo dos alunos e nem mesmo no Plano Anual de Atividades Departamentais (PAAD) dos professores -, disciplinas com menos avaliações e nova distribuição de professores nas mesmas. Na graduação, isso é percebido em duas ou mais disciplinas que foram comprimidas em uma só e disciplinas em que há dois ou três professores responsáveis.

A situação do Colégio de Aplicação

Para a realização desta matéria ouvimos a professora Marina Guazzelli Soligo, Diretora de Ensino no Colégio de Aplicação (CA). Agradecemos a sua disposição, que prontamente fez contato conosco em seu horário de almoço enquanto cuidava dos filhos. As informações confirmadas foram de grande importância para o fechamento desta matéria. No entanto, nossa interpretação sobre a situação da escola é divergente da apresentada pela Direção.

O CA decidiu retornar às atividades pedagógicas não presenciais (APNPs), o ensino remoto, a partir do dia 6 de julho, antes de toda o resto da UFSC. Essa decisão foi tomada em decorrência de ataques que a escola vinha sofrendo, principalmente pelas grandes mídias catarinenses, que tratavam como descaso a suspensão do semestre no CA.

Porém, com o retorno, a falta de professores trouxe enormes prejuízos para a escola: para suprir essa falta, houve uma junção de turmas para que um professor cobrisse maior número de estudantes, o que significa que alguns professores do Ensino Médio e Fundamental têm turmas de 100 alunos. Além disso, segundo Marina, disciplinas como Educação Física, Artes e Língua Portuguesa ficaram até hoje sem algumas aulas e ainda há falta de professores na educação especial, mas como estão no não-presencial, a defasagem foi possível de ser contornada; algo que no presencial não seria possível. 

Segundo a Direção, quando iniciaram os debates sobre as atividades pedagógicas não presenciais (APNPs) na escola, para o caso dos Anos Finais (7°, 8° e 9° ano) e Ensino Médio, foi decidido que as turmas ficariam juntas, pois isso favoreceria a redução das horas que professores e estudantes passariam online, o que ajudaria na logística e na saúde dos integrantes da escola. A junção do Ensino Médio resulta no fato de que professores têm turmas de cerca de 100 estudantes e nos Anos Finais cerca de 75 estudantes. 

Além disso, segundo a Direção, a carga horária não foi reduzida, apenas foi dividida em aulas síncronas e assíncronas; logo, as aulas que antes duravam cerca de 50 minutos hoje duram 20. O restante da carga é feita de forma assíncrona com atividades e vídeos, de acordo com o que o professor decidir.

Quando questionada se a junção das turmas auxiliou no quadro da falta de professores Marina respondeu que “mais ou menos, porque quando era aula de Português, não tinha aquela aula; quando era aula de Educação Física, não tinha aquela aula. Aquele dia que ia ter essas aulas, não teve, o horário ficou em branco, porque os professores assumiram as aulas em aberto na medida do possível, mas eram muitas aulas em aberto”

As informações que conseguimos nos auxiliam a pensar sobre a situação do ensino remoto na UFSC num geral frente à falta de professores, uma situação extremamente delicada e que coloca para nós e para as futuras gerações de estudantes uma modificação enorme no sentido da escola e da universidade.

As turmas com muito mais alunos do que tinham antes – que não é o caso somente do Aplicação -, a redução massiva do tempo de aulas e a divisão da mesma disciplina por mais de um docente demonstra qual foi a solução dada pela Administração Central para a falta de professor e para fazer funcionar essa forma de educação da pior maneira possível: sobrecarregando os professores e os fazendo responder por algo que não deveriam ser responsáveis.

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