Imagem: UFSCàE/ Montagem a partir da entrevista realizada com o candidato
Beatriz Costa – Redação UFSC à Esquerda – 21/03/2022
O jornal UFSC à Esquerda publicou entrevistas com os candidatos à reitoria Edson de Pieri e Irineu Manoel de Souza, com tempo livre para cada candidato responder às questões e se posicionar diante dos grandes temas da universidade. As entrevistas foram gravadas na última semana e a ordem de publicação foi estabelecida por sorteio.
Agora, nossos jornalistas estão dedicando-se no esforço de analisar as entrevistas, os programas e as propostas de cada candidatura, procurando apresentar suas opiniões sobre os principais aspectos das candidaturas.
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Ao longo da campanha foi possível avaliar as posições públicas da candidatura nos debates, materiais de campanha e programa. Bem como na entrevista com nosso jornal foi possível verificar como a candidatura de Irineu se posiciona em relação à temas centrais para universidade.
O professor Irineu procura dar ênfase na campanha em como a sua formação acadêmica se voltou à administração universitária e como isso pode contribuir para uma melhor gestão da instituição. No entanto, mais do que a trajetória acadêmica dos candidatos, é preciso olhar para a candidatura como um todo – em seu comportamento em temas centrais.
Ocupar a cadeira de reitor se torna uma tarefa cada vez mais desafiadora, a medida em que os cortes de verba estrangulam o orçamento universitário. Estamos vivendo em um período muito difícil para a educação pública e no próximo período continuaremos enfrentaremos diversos ataques à UFSC e às outras universidades públicas. Por isso, precisamos de um reitor que tenha um compromisso verdadeiro e radical com as lutas em defesa da universidade e da educação.
Diferente da última vez em que se candidatou, nesta eleição Irineu tem uma postura mais branda em relação a determinados temas, como as parcerias público-privadas e verbas de emenda parlamentar. O enfrentamento à crise orçamentária das universidades produzida por uma política de Estado (iniciada ainda nos governos do Partido dos Trabalhadores), não é uma preocupação central da candidatura. Ao contrário, a captação de recursos extra-orçamentários pela via de projetos ou emendas é naturalizada.
Há ao menos dois momentos em que essa postura é mais explícita. No debate do dia 17/03, o candidato afirmou que as emendas parlamentares são algo que a universidade precisa aceitar. Algo que mesmo sua candidatura em 2015 foi capaz de criticar. E na sua proposta de aumentar a taxa dos projetos que se reverte em recursos próprios para universidade – o que subjaz nessa proposta é a própria dependência da universidade a captação de recursos por essa via.
Esta não é uma questão menor. A submissão da universidade à necessidade de captação de recursos, apresentando-se como uma prestadora de serviços ao mercado ou mesmo ao Estado (pela via da descentralização de recursos dos ministérios) é uma das vias pelas quais o capital busca romper com a autonomia universitária e reconfigurar a Universidade brasileira. É o fundamento de um projeto de universidade-empreendedora.
Estas formas ampliadas de privatização têm sido duramente criticadas pelos movimentos universitários de esquerda, especialmente o movimento docente. Mas, a candidatura não incorporou essas críticas.
A candidatura de Irineu e Joana se apresenta como representação do campo progressista na universidade – buscando se colocar como uma expressão política dos setores de esquerda e dos movimentos de luta na universidade. Entretanto, em pontos fundamentais a chapa parece ter dificuldade de se colocar como esquerda com convicção, tanto em suas falas públicas quanto em suas propostas de campanha. Um dos motivos para que a candidatura tenha mudado tanto de 2018 para cá é o fato de ter se aliado a setores da universidade comprometidos com políticas privatizantes.
Um dos principais pontos que Irineu reivindica para se diferenciar das demais candidaturas é a sua contrariedade à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) estar gerindo o Hospital Universitário da UFSC. Essa política privatizante da saúde e educação que foi implantada em 2016 não foi um processo isento de lutas.
Na época, foi organizada uma consulta à comunidade universitária a respeito da adesão à EBSERH, a comunidade votou pela NÃO adesão e o professor Irineu participou ativamente da luta contra a EBSERH. Mesmo assim, a gestão da reitora Roselane Neckel (2012-2016) levou o tema ao CUn, para que este aprovasse a adesão. O movimento de estudantes, TAEs e professores protestava durante as sessões em frente à sala de conselhos e isso motivou a reitora Roselane a organizar a sessão para que acontecesse dentro do quartel da Polícia Militar, impedindo o acesso dos manifestantes. Desta forma autoritária a gestão Roselane e os membros do Conselho Universitário aprovaram a adesão à EBSERH, contrariando a consulta à comunidade universitária.
Nesta eleição, a quarta vez que Irineu se candidata ao cargo de reitor, grupos de professores e estudantes que faziam parte da gestão Roselane ou que eram parte de seus grupos de apoio orgânico compõe ativamente a candidatura Universidade Presente. Esses grupos procuram apenas dar um verniz social ao projeto de universidade empreendedora, mas não estão em desacordo com o seu fundamento. Esse parece ser um dos motivos pelos quais a candidatura tenha modulado seu discurso, moderando-o em relação à 2018 – ou melhor, esvaziando o que há de mais radical em seu conteúdo, a crítica contundente a raiz da crise universitária e a defesa intransigente de sua autonomia.
Nós estamos vendo na campanha como esses setores vem ganhando espaço, tendo o papel de impedir a candidatura de se colocar de forma crítica e radical frente aos grandes problemas da universidade e retirando a força da candidatura em se colocar a altura de enfrentar os dilemas do nosso tempo. Os efeitos de uma reitoria em aliança com esses grupos serão duros para a comunidade, em especial para aqueles movimentos que depositarem suas esperanças e sonhos de transformação nesta chapa. Poderemos esperar mais do que uma reitoria diminuída, gerindo o mesmo projeto de destruição da universidade, mas identificada com a esquerda, ou com o progressismo?
Nos próximos quatro anos não teremos uma trégua dos ataques do capital à Universidade (independente de quem será eleito em outubro). O governo federal impõe reformas privatizantes e que degradam a universidade pública o tempo todo, seja com EBSERH, Future-se, Reuni Digital, entre outros. Nesses momentos, movimentos fortes e atuantes na universidade são importantíssimos para barrar esse tipo de proposta.
Movimentos de luta fortes na universidade fortalecem a posição de uma reitoria que também esteja comprometida com as lutas. Porém, diferente disso, temos visto um apassivamento das lutas durante o ensino remoto, e uma grande desmobilização do movimento estudantil e sindical na universidade. Nesse sentido, a candidatura de Irineu nesta eleição não tem origem num ciclo de lutas do movimento universitário. Esse cenário pode enfraquecer a posição de uma reitoria que procure se confrontar com o governo federal. E são talvez a principal condição para que setores privatizantes e oportunistas prosperem no movimento de esquerda, impedindo que a candidatura de Irineu se posicione de forma mais radical e incisiva.
Uma correta análise política do momento que estamos enfrentando na universidade é imprescindível para viabilizar uma reitoria verdadeiramente de esquerda e deve se apresentar por meio de propostas que levem a leitura política em consideração. Por exemplo, o programa da chapa Universidade Presente coloca a defesa intransigente da democracia como um de seus princípios.
Em relação a isso, a chapa parece apostar em órgãos como o Conselho Universitário (CUn) para discussão e definição de temas fundamentais. No entanto, muitas cadeiras do CUn são ocupadas por sujeitos e grupos políticos que visam outro projeto de universidade, voltado para seus próprios interesses. Irineu, Joana e todos que acompanham o CUn sabem disso. O conselho tem aprovado diversas medidas prejudiciais à universidade, como a reforma da pós-graduação, mesmo com grande manifestação do movimento estudantil. Será que os membros do conselho que são indicados pela reitoria mudarão esse cenário?
O mesmo problema se apresenta em relação á crítica às Fundações de Apoio. De fato, Irineu apresenta um dado muito grave, de que a universidade está investindo dinheiro próprio nas Fundações ao invés delas estarem permitindo uma maior arrecadação para a universidade, que teoricamente seria o que elas poderiam trazer de benefício para a instituição. Isso só mostra como as críticas que os movimentos de esquerda na universidade fazem às Fundações são legítimas.
O problema está na solução que o candidato coloca para o problema apresentado. Somente propõe que o CUn observe com mais atenção e discuta sobre a situação das Fundações que atuam na UFSC. Essa é uma postura rebaixada haja vista a composição de cadeiras no CUn e o papel que um reitor pode desempenhar para além do conselho.
Um dos principais momentos nos quais a candidatura do professor Irineu conseguiu se diferenciar das outras no debate organizado pela COMELEUFSC foi em relação ao ensino remoto e presencial. Enquanto Edson e Cátia veem inúmeros benefícios, Irineu faz a crítica à modalidade remota, apresentando-a como prejudicial à qualidade de ensino, e afirma que o presencial continua sendo a forma mais adequada para a qualidade do processo de ensino-aprendizagem.
Porém, mesmo quando consegue se diferenciar de maneira explícita, ele relativiza sua própria crítica, afirmando que existem pontos positivos no ensino remoto que devem ser mantidos. A postura do candidato abre margem para o que qualquer pessoa pense que podem ser pontos supostamente positivos sejam abarcados nessa “exceção”.
Sua crítica em relação à reforma da Pós-graduação, por exemplo, se limita à forma como esse tipo de normativa tramita na universidade e não é dirigida ao teor da reforma. As instâncias deliberativas são criticadas pois a reforma não passou pelos centros de ensino. Uma crítica muito aquém do que a luta dos estudantes exigia, que era a abertura de um amplo debate na comunidade universitária, convocando os movimentos e os pesquisadores da área a apresentar suas leituras.
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Tampouco, as mudanças de fato feitas são alvo de crítica da candidatura. Os estudantes já denunciavam à época como essa reforma adiantava um projeto de reconfiguração da pós-graduação – com a normalização do EAD, dentre outros pontos. A reitoria de Ubaldo/Cátia adiantou aqui uma das faces da política de destruição de nossa universidade. Tivesse essa candidatura compromisso com a luta em defesa da universidade esse seria um ponto fundamental de debate na eleição. Será que não é parte da candidatura àqueles que estão ao lado da reforma da pós?
A candidatura de Irineu mudou muito da última eleição para cá, não anima às bases, perde terreno para ela mesma. Seu fundamento crítico se diluiu em compromissos com aqueles que defendem a reforma universitária que a burguesia quer levar a cabo para a educação nacional. Que o façam num polo progressistas, em oposição às candidaturas mais liberais, não altera o fato de que o fazem. E se esses setores serviram como um freio na candidatura de Irineu, isso só pode ter efeito pois o movimento estudantil e sindical está tomado pelo imobilismo.
Para a esquerda, no entanto, essa não é uma avaliação fatalista. É possível e necessário que a esquerda tenha um reitor na UFSC, mas essa candidatura terá que ser forjada no caldeirão de nossas lutas.