Cartaz: Não Há Opção a Não ser a Luta
Foto: Cartazes do movimento universitário para o ato contra a PEC 241, do teto de gastos; UFSC/Florianópolis/SC, 2016; por UFSC à Esquerda

[Opinião] Mentira e confusão como estratégias de “vitória” política: até onde vai um DCE que opta por essas ferramentas?

Foto: Cartazes do movimento universitário para o ato contra a PEC 241, do teto de gastos; UFSC/Florianópolis/SC, 2016; por UFSC à Esquerda

Jussara Freire – Redação UàE – 14/11/2018

Ontem, 13/11/18, ao fim da tarde, ocorreu uma assembleia em frente ao laguinho visando debater segurança, repressão policial e uso dos espaços públicos da Universidade. A assembleia foi motivada pelo episódio de repressão policial ao fim do Geosamba do dia 01/11/18 e foi convocada pelo CEB – Conselho de Entidades de Base da UFSC, em sessão realizada no dia 07/11/18. É preciso deixar claro que neste CEB havia duas propostas diferentes em jogo: uma assembleia visando juntar os estudantes pela base para elaborar suas respostas ao dilema da segurança do campus, defendida pelos estudantes que organizam o Geosamba; e uma audiência pública com a reitoria, além da proposta de tocar o regimento de festas da UFSC, defendida pela recém-eleita gestão do DCE, Canto Maior. No fim, tanto a audiência como a assembleia foram aprovadas, além de um grupo de trabalho que organizaria as pautas da audiência, o que a primeira vista pode causar a impressão de que um consenso foi construído, mas o que se demonstra como uma inverdade frente a análise dos fatos subsequentes.

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Pois bem, durante o CEB que decidiu pela convocação da assembleia, foi realizada uma intervenção dos estudantes que organizam o Geosamba, criticando as saídas apaziguadoras e burocráticas que o Diretório Central dos Estudantes vêm apresentando para o movimento estudantil. O que talvez possa ter permitido que a assembleia conseguisse ser aprovada a contragosto da gestão do DCE, que inclusive compondo a mesa coordenadora da reunião, ao fim da votação buscou constranger os Centros Acadêmicos que se abstiveram, buscando que mudassem os votos. Além disso, ao perceber que a proposta sobre a regimentação das festas havia sido rebatida, a mesa do CEB sequer a colocou para a votação na reunião do conselho. Durante a assembleia essas críticas continuaram sendo realizadas, não só por esses estudantes, e divergências fundamentais foram apresentadas sobre qual a saída que deveria ser construída mediante o dilema das festas e da segurança na universidade, a principal delas foi sobre a proposta do regimento de festas da Universidade.

Se por um lado o DCE defende que é preciso reformar o regimento existente na Universidade para que abarque as festas de pequeno e médio porte organizadas por estudantes, como uma forma de frear as repressões policiais, por outro, há a compreensão do Centro Acadêmico Livre de Psicologia de que um regimento exclui da universidade a comunidade externa e suas formas de realizar festas, assim como não têm capacidade de frear as repressões policiais. Lembrem-se de que as festas cumprem papéis importantes, como o financiamento de centros acadêmicos de esquerda e politização da vida da Universidade, o que não é de interesse da Reitoria e do Conselho Universitário, que é quem daria cabo a esta política. Sem contar que outras propostas promissoras foram apresentadas, como a construção de um mês de debates sobre segurança pública no início do próximo semestre, onde os desafios referentes à repressão policial dos movimentos sociais certamente estarão mais acirrados.

Contudo, desde o início da assembleia houve a tentativa de membros do DCE em deslegitimar o espaço, e ao final fizeram falas dizendo que havia normativas estatutárias que impediriam a assembleia de realizar deliberações por não ter realizado um credenciamento, por ter um quórum baixo e até mesmo que não poderia encaminhar uma nova data de assembleia, pois no estatuto do DCE consta que a diretoria e o CEB devem convocar a assembleia.

Estes são debates muito delicados para nós, pois geram confusões em princípios bastante caros, principalmente quando se trata da defesa da democracia direta como a forma mais radical e efetiva de democracia. Além de que não há nada em estatuto ou regimento que delimite um quórum e um credenciamento como necessidade obrigatória para legitimidade de uma assembleia estudantil. E isso porque a soberania da assembleia extrapola os moldes burocráticos e legislativos da política. Há algo do papel que esse espaço cumpre, que é o de tirar suas tarefas e encaminhamentos de acordo com o tamanho do corpo que a compõe.

Dessa forma, ainda que os cerca de 300 estudantes presentes não tenham composto um quórum extenso, como foi o caso da recente assembleia sobre as eleições presidenciais realizada no dia 18/10, ela com certeza conseguiu reunir mais estudantes do que os espaços de controle da diretoria do DCE e trazer formulações diferentes sobre as possíveis saídas para os problemas das festas. Certamente não poderia ser uma assembleia que tirasse grandes encaminhamentos como indicativos de paralisações e ocupações para a Universidade, mas estava cumprindo a função de dar alguma possibilidade aos estudantes de se organizarem e formularem algo que não fosse só se adaptar às ordens e “soluções” prontas vindas de cima.

É óbvio que se o número de pessoas presentes é irrelevante para realizar algum debate mínimo sobre os desafios enfrentados, o espaço precisa assumir o seu fracasso e não ir adiante. Entretanto, diferente do que foi afirmado por alguns membros da gestão do DCE na cara dos estudantes, isto não é algo que é medido pela burocracia, mas sim pela habilidade dos movimentos em avaliar as reais capacidades dos espaços que estão sendo construídos, ou seja, de dar os passos de acordo com o tamanho das pernas. Se viermos a errar nesse sentido, então assumimos os erros juntos e tomamos isto como uma lição para os próximos ciclos de luta. Em minha compreensão, os estudantes presentes ali estavam construindo uma política consequente com o tamanho da assembléia. Se havia discordâncias quanto à isso, elas deveriam ser apresentadas nesses termos. É vergonhoso que precise se utilizar de mentiras para dispersar um espaço que estava caminhando em desacordo com os seus interesses.

Além disso, é preciso lembrar que as assembleias possuem soberania sobre o DCE e o CEB, ou seja, elas podem sim encaminhar a realização de uma nova assembleia, ainda que a convocação seja de competência do CEB e da diretoria do DCE. Isto porque, conforme consta no próprio estatuto do DCE, cabe às assembleias “aprovar resoluções para que a Diretoria, CEB ou comissões as executem”. Tanto que na assembleia estudantil sobre as eleições presidenciais um dos encaminhamentos aprovados foi a realização de uma assembleia no início do próximo semestre letivo. Nos movimentos grevistas de 2015 e 2016, era assim também que assembleias da comunidade universitária eram convocadas, pois como não havia uma entidade que pudesse convocar as três categorias, a soberania das assembleias de categoria dava a possibilidade de que esse espaço existisse. O respeito à soberania das assembleias é uma tradição dos movimentos da Universidade.

Vejam bem, eu, autora desse texto, particularmente não tenho acordo com a convocação de uma nova assembleia para a pauta da segurança nesse momento, assim como com a convocação de uma assembleia no início do próximo semestre sem saber exatamente o que nos espera. Entretanto, não é possível achar normal que isto seja resolvido mentindo e confundindo os estudantes, tentando fazer com que se sintam burros e ainda mais afastados da política estudantil, como ficou visível neste espaço. Fico me perguntando, qual a diferença entre a gestão atual e a chapa zero quando resolvem atacar a soberania de uma assembleia? Parece que só se respeita e defende determinados princípios quando a gestão não se sente ameaçada pela possibilidade de que os estudantes possam escolher caminhos diferentes da política da diretoria.

Mas é preciso levar em conta que o problema já vinha desde o CEB que convocou a assembleia, pois a aprovação da audiência com a reitoria, sem que passasse pela construção dos estudantes na assembleia, já colocava por si um problema que tenta confundir e apagar as posições divergentes quanto às saídas possíveis para o movimento estudantil. Com a proposição do DCE já garantida, ou seja, a audiência, a gestão atual não sentiu constrangimento nenhum em não colocar forças na mobilização dos estudantes para participar da assembleia e ainda aparecer nesse espaço apenas para deslegitimá-lo, ao modo que a direita faz. Como se a questão fosse de que havia uma política equivocada sendo tocada e não de que havia um estratégico esvaziamento dela.

Além disso, o que efetivamente está em disputa em uma audiência onde a Reitoria já sabe as pautas, já se preparou com antecedência e têm todo o controle da situação? Uma audiência que não envolveu grandes esforços para sua divulgação? Até que ponto esse espaço têm a capacidade de se descolar da política de gabinete?

*O texto é de inteira responsabilidade da autora e pode não refletir a opinião do Jornal.

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