Montagem produzida com imagens do UFSC à Esquerda e Gitit-WMIL/Wikicommons.
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[Opinião] O dilema das eleições virtuais e porque não esquecer sua história

Montagem produzida com imagens do UFSC à Esquerda e Gitit-WMIL/Wikicommons.

Nina Matos* – Redação UFSC à Esquerda – 19/04/2021

A experiência dos processos políticos que envolvem o cotidiano, de um modo geral, é fundamental para qualquer formação política. Sem que as pessoas possam tomar parte nas lutas, elaborar a conjuntura coletivamente, arcar com os erros de uma ação que falha, as elaborações teóricas não podem ser apreendidas na íntegra.

Nas entidades — como sindicatos, diretórios e centros acadêmicos, por exemplo —, a disputa política deve ser o mote de sua existência, pois é este o espaço onde muitos terão suas primeiras experiências de militância — especialmente no movimento estudantil. Portanto, nos momentos em que as disputas tornam-se mais evidentes, como nos períodos eleitorais, é imprescindível que este caráter das entidades seja expresso nos ritos e tradições que uma entidade carrega na definição de tais processos.

Dentro da UFSC, a pandemia colocou a muitos Centros Acadêmicos (CAs) a necessidade de discutir o que fazer ao término do período de suas gestões, como lidar com o espaço virtual. As discussões sobre eleições online já compõem a política da UFSC há um bom tempo — o que, inclusive, justifica que num primeiro momento muitos CAs e o próprio DCE tenham hesitado.

Neste jornal o tema também já foi foco de debates, como no momento em que uma gestão de DCE articulou-se para forçar eleições online para o DCE, utilizando-se do argumento de ser “mais democrático” por ser um processo mais rápido, permitindo a participação de todos.

Leia também: [Debate] Voto online ou assembleia: de que democracia falamos?

Mas a extensão dos períodos das gestões implica também na estagnação de muitas experiências políticas fundamentais que surgem no momento de embate entre ideais. Um processo eleitoral escancara as críticas que por vezes atravancam o cotidiano de uma entidade e fazem da política o “bicho de sete cabeças” que ela não deve ser.

Fez-se urgente a necessidade de aberturas de processos eleitorais em diversos CAs ao longo deste semestre, o que, por um lado, reanima o movimento estudantil, mas que, por outro lado, não pode esquecer a história envolvida na disputa por eleições virtuais.

As eleições para o Centro Acadêmico Livre de Psicologia (CALPsi)

O CALPsi é um dos CAs que, dentro de um processo complexo de disputas, decidiu pelo adiamento das eleições para nova gestão, reavaliando no início do segundo semestre de 2020 esta decisão.

Apesar da deliberação por uma assembleia no início do semestre, a gestão do CA adiou a convocação do espaço o máximo que pode, convocando uma nova assembleia para discutir os rumos da entidade praticamente ao final do semestre. Dentre as discussões, aprovou-se o início de um processo eleitoral — oposto da proposta inicial da gestão, que se baseava na abertura de uma comissão gestora que duraria enquanto o ensino permanecesse remoto.

Até o momento, o processo eleitoral para o CALPsi contará com mesa para votação, que será composta pela CE, um mesário e fiscais das chapas concorrentes. Para votar, o estudante deverá preencher a cédula virtual (na plataforma a ser determinada pela CE) e assinalar sua presença à mesa virtual. A apuração irá comparar duas listas de votantes — as produzidas pelo preenchimento das cédulas e as assinaladas à mesa, sendo desconsideradas as cédulas referentes aos estudantes que não se apresentarem à mesa.

A escolha da base pela abertura do processo eleitoral reflete a necessidade de discutir os projetos que podem guiar a política do curso, que as discordâncias possam ser postas para além das reuniões semanais do CA e demais espaços públicos. Nada mais justo que o processo eleitoral seja coerente com esse desejo e que isto fique estabelecido dentro de seu regimento.

A construção do regimento eleitoral — feita coletivamente, por meio de assembleia — já ilustra as divergências sobre os princípios da democracia e de um processo eleitoral. Enquanto a gestão buscava de todas as formas pautar o processo na “ampla participação”, meramente adaptando experiências de CAs que já tocam seus processos de modo online antes mesmo da pandemia, sua base manifestava a necessidade de politizar o processo o quanto fosse possível.

O que significavam todos aqueles trâmites senão o mais puro zelo com o embate político? Não eram, de fato, mera burocracia, mas sim o desejo de que não fossem sabotagens e fraudes que interrompessem um processo político naturalmente tenso.

Cabe à Comissão Eleitoral (CE) a organização de todos os processos que visam garantir a segurança e plena participação de todos os estudantes que queiram inteirar-se das disputas — seja através da organização de sabatinas/debates, seja através do acompanhamento das urnas no dia da votação.

A composição tripla da mesa, a longa fila que se formava nos períodos de intervalo, à primeira vista pode soar meramente burocratismo que poderia ser resolvido com uma facilitação dos processos, mas nada disso nunca foi vazio de sentido. A composição tripla de uma mesa, por exemplo, não visava apenas acompanhar uma urna, mas sim garantir a segurança de um processo em que diversos estudantes dedicaram-se — seja aqueles que compuseram chapas e empenharam-se na campanha, seja aqueles que estiveram presentes nos espaços promovidos para se inteirar da melhor maneira possível sobre a disputa política.

Os ritos que gerações passadas estabeleceram ancoram-se na experiência dos eventos pregressos que expressam a trajetória de um curso — algo que não pode ser transposto simplesmente de qualquer maneira aos meios virtuais, nem mesmo pode ser compartilhado acriticamente entre cursos distintos.

Por qual motivo um CA tocaria seus processos online mesmo antes da pandemia? O curso de psicologia compartilha dos mesmos princípios em que se alicerça essa forma de política? E a gestão de CALPsi que agora encerra-se? Tendo em vista que a pauta por eleições virtuais sempre foram abraçadas pelos estudantes mais reacionários da universidade, porque aqueles que se reivindicam à esquerda deveriam tomar para si seus processos e suas lógicas?

A meu ver, é por compreender que este processo precisa ser extraordinário que não basta ao curso inserir uma cláusula informando sua efemeridade. As experiências dos estudantes que passarão por eleições online não serão apagadas junto com os artigos de um regimento.

Portanto, se uma assembleia durar horas e horas a fim de discutir o que se compreende como insubstituível aos processos, é uma motivação que deve ser instigada, promovida, jamais escrachada ou tratorada. Os que buscam construir eleições verdadeiramente democráticas não tolheriam este espaço, muito menos esta discussão.

* Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, as posições do Jornal.

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