Montagem por UFSC à Esquerda com foto de Marketing/CALQ.
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[Opinião] Para manter o acúmulo das nossas forças, ou porque construir os Centros Acadêmicos

Rita Pereira e Luísa Estácio* – Redação UFSC à Esquerda – 22/06/2023

Desde as primeiras assembleias dos estudantes dos cursos do Centro de Ciências Físicas e Matemáticas (CFM) acompanhamos — tanto a partir deste jornal quanto de nossa militância — o movimento que se delineou no último mês em torno da infraestrutura do centro, segurança e também pelas sedes dos Centros Acadêmicos (CA).

O movimento dos estudantes tem sido vitorioso por conseguir mostrar sua capacidade de organizar os estudantes em torno de pautas importantes das condições estruturais e de segurança da universidade.

Durante as várias assembleias construídas pelos CAs, os estudantes discutiram a necessidade de lutar para que a reitoria se comprometesse com a situação precária em que se encontrava o centro e com a garantia de sedes para todos CAs – e não deixar que dois CAs dividam a mesma sede nesse momento de realocações transitórias. A mobilização tem conseguido pressionar a reitoria para dar respostas e se posicionar diante da pauta, além de conseguir compromissos com as  reivindicações estudantis. Esses compromissos, cabe ressaltar que não ocorreriam espontaneamente, mas que acontecem a partir da demonstração da presença dos estudantes enquanto sujeito político.

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O recente exemplo da movimentação no CFM, trazendo vida nas lutas na UFSC que não se via há algum tempo, nos mostra a importância dos estudantes construírem uma entidade estudantil — e é com esta reflexão que gostaríamos de contribuir, agora, através deste texto. Nossa intenção é trazer algumas ponderações sobre a seguinte questão: qual a relação das entidades estudantis com as lutas tanto internas e pela universidade pública, quanto externas à instituição?

O movimento estudantil

Ao longo do período de uma graduação, os estudantes — especialmente se tratando daqueles em instituições públicas — se deparam com muitas movimentações diferentes em seu cotidiano. Há dimensões variadas das pautas de lutas, que podem começar sua construção a partir de unidades menores (como por exemplo questões que surgem em cursos ou até mesmo turmas), chegando a envolver um centro inteiro, todo um campus ou a universidade inteira.

São muitas as pautas que podem surgir dentro do movimento estudantil, conforme já vimos na história: desde as relacionadas com a luta pela universidade, como é o caso das lutas contra os cortes de orçamento das universidades públicas, as lutas pela permanência estudantil (condições dignas de moradia e alimentação); até pautas que tocam a vida e acesso na cidade ou solidárias com outras movimentações, como lutas pelo acesso ao transporte público, contribuição com atos políticos na cidade e greves de trabalhadores. Esses foram alguns exemplos de pautas que já levaram às ruas grandes conjuntos de estudantes por todo o país.

Tudo isso que foi exposto visa localizar que há também, na escala das entidades, uma unidade mínima: os CAs, ou DAs (Diretórios Acadêmicos), dependendo da organização dos cursos. A partir dessa unidade é possível situar os estudantes de um curso nas pautas específicas ou gerais as quais a entidade esteja sendo convocada a contribuir.

Alguns movimentos que ganharam força de luta nacional eclodiram da experiência mais cotidiana e imediata enquanto outros passam por mediações mais elaboradas. Na história mais recente, um dos maiores exemplos que podemos citar a respeito de uma grande mobilização que surgiu a partir de um CA é a luta contra o Future-se em 2019.

O exemplo do UFSC contra o Future-se

O programa “Future-se” tentou ser implementado, durante o governo Bolsonaro, por seu antigo Ministro da Educação, Weintraub. Ele visava, em linhas gerais, reconfigurar as universidades públicas, abrindo mais caminhos para a inserção de iniciativas privadas, sob a justificativa de que abriria mais “autonomia” para as universidades captarem recursos próprios — ou seja, isentando o Estado de financiar uma das mais importantes instituições públicas.

Leia também: [Debate] Future-se: o projeto do governo Bolsonaro para acabar com a Universidade Pública – Por Allan Kenji

Na ocasião da divulgação do programa, na UFSC, foi a partir das reuniões do Centro Acadêmico Livre de Geografia (Caligeo) que se deu o pontapé para organizar um conjunto de estudantes em torno da defesa da universidade pública e contra o Future-se. Várias reuniões foram convocadas, inclusive nas férias, impulsionando que outros cursos também convocassem reuniões próprias, fervilhando a universidade em torno da pauta. Poucos meses depois disso, os estudantes da UFSC deram início a uma greve que durou 37 dias com perspectivas de nacionalização do movimento e inspiração de outras greves estudantis em outras universidades.

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Apontar para essa experiência ressalta a capacidade inventiva e potência que os CAs podem ter, elevando a qualidade das lutas, organizando o ímpeto dos estudantes na direção mais correta, mais capaz de produzir ganhos, na medida em que propõem discussões, elaborações e análises coletivamente.

A importância da construção dos CAs

Quando uma entidade estudantil contribui de forma a organizar mais os estudantes, avançando em suas pautas e se colocando de forma combativa, a importância das entidades é demonstrada na prática para outros estudantes que irão olhar para aquele espaço e reconhecer ali um lugar de referência na disputa de um projeto de universidade.

Esse trabalho de construção de uma entidade demanda um esforço de tornar próxima uma conexão real com as demandas estudantis. Tendo presença no cotidiano dos estudantes da base e conseguindo avaliar os processos políticos considerando elementos mais abstratos ou de longo prazo que apenas questões mais imediatas da conjuntura, conseguem possivelmente com esse esforço deixar um legado e tradição para as próximas gerações que virão. 

Cabe ressaltar que, sempre que isso é perdido de vista, ou seja, que sequer figura um ímpeto e vontade de pensar e disputar o projeto da universidade, um vazio político se instaura e as entidades padecem de se tornarem apenas uma gestão burocrática, onde poucas energias são colocadas frente às tarefas do movimento estudantil. A entidade passa a ter poucas consequências em sua política e perde o efeito de conseguir congregar os estudantes quando se reduzem a esse papel. Frequentemente, acabam desconhecidas e até mesmo esquecidas pelos estudantes. 

Ainda, é nas entidades que a história das experiências de luta é capaz de se conservar, dentro dos seus instrumentos formais, como as atas de reuniões e assembleias, sites, páginas em redes sociais, mas também dentro da oralidade, do contato das novas gerações com aqueles que já estão se formando. O resguardo da memória não é somente para seu registro documental em arquivos, mas para que possam ser construídos acúmulos das lutas, para inspirar as próximas gerações e tornar o trabalho delas mais simples, pois não é necessário sair do zero absoluto toda a vez que se pensar em construir uma assembleia, ato ou passeata. Tendo as referências das lutas que já foram travadas, as novas gerações nos CAs são capazes de ser mais criativas, de superar os vícios do movimento anterior, de visualizar os erros do passado e conjecturar uma forma revigorada para as lutas.

Mas não só de ascensos vive o movimento estudantil. Até agora, todas as descrições acima nos direcionam para as grandes lutas, para as glórias de movimentos massificados. A maior parte do tempo esse não será o caso. Não porque não teremos lutas ou pautas que merecem o dispêndio de energia na produção de análises e debates, mas talvez por já estarmos num estágio onde houve movimentação e ela decai conforme há respostas às ações que foram tomadas.

Isso não é um problema por si só, apenas representa o fluxo das forças e a necessidade de repensar as táticas e estratégias nos movimentos. Após uma vitória em uma assembleia (ou derrota), o que é preciso fazer para que a função do CA permaneça, para que se acumule o que se produziu de conhecimento nesse momento histórico, para que o esforço produza também um fortalecimento do CA?

Os movimentos, seus descensos e as entidades de base

É necessário então, que após momentos de ascensão de lutas, de manifestações e atos, também seja uma prioridade a avaliação desse momento político. O que implica então considerar coletivamente quais foram os ganhos e derrotas políticas, quais as condições de luta a partir daquele momento, como a partir daquela experiência podem ser pensadas ou até mesmo aprofundadas as discussões feitas até aquele momento pelo movimento, entre outras ações necessárias nesse momento posterior.

Partindo de uma avaliação, as entidades podem reorganizar suas atividades, recolocando no cotidiano dos estudantes os acúmulos dessa experiência, falando em termos abstratos. Para pensar mais concretamente, uma entidade pode incluir, nos calendários de recepções, formas de apresentar os ganhos políticos de uma campanha mais recente, pode realizar atividades periódicas sobre o tema que levou à luta, pode ampliar o escopo de uma disputa local para pensar quais são os elementos da conjuntura nacional que impulsionam tal disputa através de formações.

É justamente nesse retorno às entidades, após um momento de ascensão em que as massas acompanham com mais afinco suas direções, que se fará a consolidação dos ganhos de cada campanha realizada pelo conjunto dos estudantes, impulsionada pela entidade de base. Por isso ele é fundamental para que, em um próximo movimento de ascenso político, a entidade possa ter força e legitimidade para ocupar o lugar da vanguarda de um movimento e tirar dos eixos da normalidade sua base — e, assim, avançar cada vez mais em direção ao projeto de universidade, cidade, e até mesmo de nação, que se tem. 

Há uma chama dentro da juventude em nosso país, que arde diante das condições históricas em que vivemos. Se reconhecemos as Universidades como bolhas é porque são elas as instituições que ainda resguardam a possibilidade de crítica e autonomia a tudo e a todos. É na Universidade também que temos um setor mais dinâmico e livre para conseguir somar na luta por aqueles que estão fora desse espaço e que estão submetidos de forma mais direta e amarrada em vínculos empregatícios mais precários e possivelmente com maiores dificuldades de se organizarem por ameaças de perderem suas rendas.

Queremos que mais jovens possam viver este momento, onde o ânimo para a luta seja condensado e pulsante. E reconhecemos que isso só será possível com a nossa garra de lutas por um projeto de universidade próprio, socialista.

As entidades estudantis, como buscamos apresentar aqui, podem e devem ser o espaço onde esse projeto esteja tocando cada estudante da base dos cursos. Que ele possa ser construído nas minúcias de cada experiência singular; que ele possa ser aprimorado a partir de cada derrota e de cada vitória; que seja fruto do vigor das novas gerações em contato com a história daqueles que deram tudo o que podiam para vigorar um projeto socialista de universidade!

Há muito o que fazer — mas se há, é porque temos uma saída possível.

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*Os textos de opinião são de responsabilidade das autoras e podem não refletir a opinião do jornal.

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