Diego Ribera, “En el Arsenal”, 1928
Morgana Martins* – Redação UFSCàE – 30/04/2021
Durante a pandemia do novo coronavírus, vimos circular amplamente o debate sobre saúde mental na Universidade Federal de Santa Catarina. Na pós-graduação isso se deu por meio de diversas palestras e eventos em programas sobre o assunto; mais um deles irá ocorrer na próxima semana com o seguinte chamado: “Por uma pós-graduação saudável: É possível ser feliz na pandemia?”, cujo tema me despertou a atenção, pois será essa a pergunta correta?
Em termos gerais podemos considerar que, nos últimos anos, é perceptível a incorporação dos debates do campo da psicologia em todos os contextos da vida cotidiana da forma mais reacionária possível, sem ser acompanhados de um crivo crítico. A supervalorização da saúde mental é o exemplo perfeito disso.
A utilização dessas noções, saúde e mental, pressupõe que existe um estado de equilíbrio, que o silêncio dos órgãos e do pensamento seria o encontro do sujeito com sua saúde. E então, de repente, essa noção torna equivalente os sofrimentos, dando acesso a uma linguagem compartilhável e estática sobre o mesmo e… pronto! Não se fala mais sobre o assunto…
“Estou cuidando da minha saúde mental” se tornou a justificativa perfeita para qualquer situação. Inclusive circunstâncias seríssimas, como fazer aglomerações em grandes festas e aumentar drasticamente a curva de contaminação pelo novo coronavírus nas cidades do país. Uma suposta saúde mental que não deseja lidar com a consequência ou responsabilização sobre qualquer ação, ou seja, a saúde mental torna-se o oposto, torna-se a justificativa para se desresponsabilizar de qualquer laço com situações exteriores.
Bem, com certeza esse é um assunto delicado e espinhoso, do qual busco a lentos passos me aproximar, pois temos dilemas a pensar. De fato, existe sofrimento no mundo, mas ele é dizível através da saúde mental? Ele é equivalente entre os setores da nossa classe? A saída para o sofrimento é individual? Talvez as perguntas cujas respostas nos dão horizontes sejam essas.
Enfim, o conceito de saúde mental traz consigo a ideia de que a resolução dos problemas é o retorno a um momento de equilíbrio, um retorno ao normal, voltar a ficar bem individualmente, para produzir. Por isso foi incorporado com tão bons olhos pelas empresas, pelos capitalistas… E a psicologia encontra aí seu papel.
Mas, olhando os problemas a partir de um outro prisma e resgatando o tema posto na introdução – a pós-graduação -, é possível ser saudável e feliz na pandemia? Provavelmente não. E não tem nada de errado nisso. Talvez esse seja, inclusive, um sinal da própria saúde: reconhecer uma situação e reagir a ela.
Afinal, estranho seria se não existisse sofrimento permeando a vida dos pesquisadores brasileiros nesse momento, em que o corte de verbas se intensifica a cada ano e que, em 2021, o CNPq, por exemplo, só conseguirá pagar 13% das bolsas aprovadas. Ao mesmo tempo, atingimos 400 mil mortes no país por coronavírus, sendo praticamente 100 mil apenas nos últimos trinta dias. Há luto, há perdas, consequentemente, haverá sofrimento.
Esses problemas nunca vão se resolver com palestras sobre como ser feliz, como ter uma rotina saudável, como ser produtivo. Se resolverão, muito provavelmente, com luta coletiva, se resolverão quando o sofrimento sai de seus tons queixosos e vira o sentimento de uma classe cuja vida tem sido miserável e muitas vezes sem sentido.
Qual é o sentido de fazer um mestrado de dois anos, um doutorado de quatro anos e mais pós-doutorados, se nem mesmo há mais esperanças de ser docente em uma universidade? Se durante esse processo não reflete-se sobre ciência, universidade e o papel da pesquisa no Brasil, tornando limitada a experiência no ensino superior?
Os cortes e mais cortes demonstram um projeto para a universidade, que inicia com destruição da mesma da forma como a conhecíamos, alterando o que significa a ciência e o conhecimento. É a modificação do que significa uma pós-graduação, e que as gerações de hoje sentem na pele.
Portanto, que esse sofrimento não vire desespero. Mas que possa se coletivizar, se aglutinar em torno de algo diferente, que se torne inspiração para a construção de uma sociedade diferente para a nossa classe. Que a pós-graduação não seja saudável, mas que saúde seus companheiros de classe que caminham ao seu lado na construção de um novo projeto para o futuro.
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