Imagem: Montagem UFSC à Esquerda – Originais: Gráfico elaborado pelo UFSC à esquerda e banco de fotos da USP.
Caio Sanchez – Redação UFSC à Esquerda – 20/04/2021
Na última quinta-feira (15/04), a Associação de Pós-Graduandos (APG) da UFSC realizou o segundo espaço para debater as bolsas na Pós-Graduação. Neste, foram encaminhadas ações para enfrentar os problemas ligados ao financiamento da pesquisa a nível local e nacional. O espaço novamente contou com uma participação expressiva da base, que, além de pensar estratégias de mobilização, trouxe relatos sobre a situação das bolsas nos programas e como os professores têm encarado este problema. Com isso, surge a questão: quem deve lutar pelas bolsas na pós-graduação?
Em primeiro lugar, é necessário ter em vista que as pesquisas desenvolvidas nas universidades públicas são – ou ao menos deveriam ser – de interesse de todos – dentro e fora da universidade. Voltar ao debate sobre o papel da universidade pública, mais do que uma repetição, é uma questão de princípio. Esta instituição deve recolocar os grandes dilemas da sociedade e fazê-lo de forma autônoma, independente de interesses corporativos ou empresariais. Os pesquisadores nessas instituições devem sempre manter o compromisso com este princípio ao desenvolverem seus projetos, não importando a quais áreas estejam vinculados. Por esse entendimento, há conhecimentos que, apesar de serem desenvolvidos em universidades públicas, são incompatíveis com as funções desta, e, portanto, deveriam ser desenvolvidos em outros espaços para que ela possa cumprir com o dever de responder aos interesses mais gerais do conjunto da classe trabalhadora.
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Posto isso, as bolsas na Pós-Graduação devem ser encaradas como a condição para que estes conhecimentos, fundamentais à sociedade, possam ser realizados com qualidade. A perda nos valores da pós-graduação são muito significativas. Desde abril de 2013 os valores não são ajustados. O valor real da bolsa hoje é 64,86% do que era naquele período, o que representa uma redução de 35,15% no poder de compra dos pós-graduandos. Em preços de 2013, o valor da bolsa de mestrado hoje seria de R$ 972,90 e a de doutorado R$ 1423,9:
Gráfico: elaboração UFSC à esquerda com base nos valores de IPCA (IBGE).
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Na prática, essa perda do valor implica em uma piora nas condições para a realização das pesquisas. Hoje, um pós-graduando bolsista muitas vezes não consegue sequer pagar um livro ou um aluguel nas principais capitais brasileiras.
No atual cenário de profunda crise em que estamos, e sobretudo, pela condição estrutural da dependência no Brasil – sustentada pelo imperativo da drenagem de riquezas constantes que impedem uma composição do fundo público consistente para sustentar políticas sociais à longo prazo – pode-se ofuscar momentaneamente qual a função das bolsas para pesquisa. É necessário não perder de vista este eixo: elas são uma das mais importantes condições materiais para o desenvolvimento de um conhecimento sério e comprometido.
A diminuição da quantidade de bolsas e a perda real do valor destas possui uma implicação direta na perda da qualidade das pesquisas. Conforme relatos fornecidos nos espaços abertos organizados pela APG sobre o tema, na ausência de fomento consistente à produção científica, os estudantes, quando não desistem dos programas, precisam trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Na prática, este estudante deixa de dedicar horas para o desenvolvimento da sua pesquisa para se dedicar a trabalhos que, algumas vezes, não possuem sequer relação com a área de conhecimento nas quais estão inseridos.
Se compreendemos que a produção de conhecimento não é de interesse somente dos pós-graduandos, a pauta das bolsas não deve permanecer restrita a um grupo específico da universidade, mas sim, debatida por todo o conjunto da comunidade dentro e fora da instituição.
Nesse sentido, a categoria dos docentes têm um papel fundamental e devem enfrentar o problema dos cortes junto aos estudantes. Ao contrário do que tem se generalizado nos programas, nos quais professores cumprem o papel de mero gerenciadores das bolsas, essa categoria deve cumprir uma função política estrutural junto aos pós-graduandos. Não basta constatar a miséria do fomento à pesquisa do Brasil e sugerir aos orientandos que se adequem à realidade. Afinal, é esta categoria que possui melhores condições – salários bastante acima da média nacional e estabilidade nos cargos – para também fazer este enfrentamento junto aos estudantes.
A acomodação dos professores diante dos significativos cortes na pesquisa significa que ou se espera por pós-graduandos que não possam de fato se dedicar às pesquisas – e então que se pode abrir mão de uma função primordial da universidade pública – ou a expectativa é de que a entrada na pós-graduação se torne uma exclusividade daqueles que possuem uma melhor condição de vida mesmo em meio à crise – ou seja corrobora-se com um elitismo na pós-graduação. É para adotar este tipo de posição diante de tamanho dilema que nos encontramos que os professores que hoje assumem importantes cargos dentro da universidade foram formados? É preciso mais do que se lamentar e se adaptar aos novos tempos, mais do que mudar as aulas para os horários noturnos ou fazer campanhas de arrecadação para aqueles estudantes nas piores situações, é preciso lutar de verdade por essa Universidade.
Na UFSC, após o último espaço aberto realizado pela APG, algumas ações organizadas em Grupos de Trabalhos (GTs) foram tiradas. Um grupo será responsável pela escrita de um manifesto, estimulando os programas a debaterem o tema. Também será articulado um GT de levantamento, o qual ficará responsável pela elaboração de formulários para mapeamento dos bolsistas e não bolsistas. O GT de agitação ficará responsável por entrar em contato com os discentes, pela mobilização dentro dos programas e por realizar, junto aos colegas, pressões nos colegiados para obter informações, podendo convocar as demais categorias e estudantes a participarem desta mobilização. Por fim, há o GT da APG, que é responsável por obter o contato das representações discentes nos colegiados e de elaborar um chamado convocando uma assembleia da Pós-Graduação.
Os estudantes de pós-graduação estão começando a dar seus passos, mas e o restante da Universidade, é capaz de tomar essa luta para si?