Montagem UFSC à Esquerda com fotos de Cláudia Reis/Notícias UFSC e CALPsi.
Montagem UFSC à Esquerda com fotos de Cláudia Reis/Notícias UFSC e CALPsi.

[Opinião] Receber e estar junto: um debate sobre a relevância das recepções nas entidades de base

Nina Matos – Redação UFSC à Esquerda – 01/03/2023

Em alguns dias tornaremos a nos ver pelos corredores da UFSC. Os sentimentos ambíguos da volta às aulas podem deixar-nos inquietos nesse momento, mas sem dúvidas há a empolgação que a novidade traz: um novo ano, novas disciplinas, mudanças na rotina e novos colegas para conhecer. Dentro das entidades de base, como os Centros Acadêmicos (CAs) e Diretórios Acadêmicos (DAs), essa chegada traz também um sopro de esperança, carregado de expectativas e sonhos capazes de ilustrar um novo caminho possível para os impasses que cada entidade encontra ou encontrará diante de si.

Em outros textos aqui no jornal, Jussara Freire escreveu sobre o porquê de construir as entidades de base, pois a partir delas podemos manter um registro e uma continuidade dos esforços que dedicamos à política da universidade. Além disso, Rita Pereira discorreu sobre a importância de afiar este importante instrumento que são as entidades, buscando fazer com que suas ações sejam mais assertivas e que o cotidiano de sua construção seja também algo do qual tenhamos gosto ao acompanhar.

Leia também: [Opinião] Como funciona um Centro Acadêmico – o que é a entidade e como pode se organizar?

Com a chegada de novas pessoas nos cursos, trazendo sempre uma atualização no perfil do corpo discente, é necessário um esforço para que se possa construir uma noção de coletividade mais ampliada que as turmas. Esse primeiro momento, onde os estudantes que chegam com tantos receios e dúvidas são acolhidos é fundamental para essa construção. Já é de praxe, afinal, chegarmos nos primeiros dias letivos e encontrarmos uma universidade especialmente diferente, com várias atividades de recepção espalhadas por todo o campus. Bem, se são as novas gerações que trazem consigo um novo espírito para a universidade, nada mais justo que esse espírito seja somado ao da geração anterior.

São muitas as atividades que os CAs e DAs podem propor para receber seus colegas. Não há uma fórmula pronta, assim como tudo na política. Mas isso nos dá a possibilidade de ser inventivos, avaliando aquilo que faz parte do cotidiano do curso e introduzindo aquilo que é necessário — de atividades mais corporais, que nos coloque em uma relação física uns com os outros, há atividades que envolvam uma formação mais densa ou maior contemplação. Dentro disso, podemos pensar em gincanas e jogos, palestras ou oficinas, cinedebates ou atividades culturais.

Este ato de receber aqueles que chegam novos na universidade nos coloca em um campo de disputas necessariamente. Em muitos momentos — talvez por um vício de um fazer político de buscar angariar apoio — podemos querer compor uma imagem harmônica da universidade, do corpo estudantil ou do conjunto de um curso, suavizando as diferenças com a finalidade de indicar um objetivo comum. Mas isso não está dado por estarmos em um mesmo ambiente e, mesmo que possamos usar das mesmas palavras para expressar nossos objetivos, a diferença na ação é capaz de indicar onde há divergência.

Podemos decompor o corpo discente e reconhecer como há uma divergência que não é dita e que perpassa por muitas formas de conceber a universidade e sua experiência. Por exemplo, há desde estudantes que se voltam ao empreendedorismo e reivindicam este lugar até aqueles que se dedicam à construção de uma universidade radicalmente crítica e livre em relação ao capital — mesmo que, eventualmente, ambos possam dizer que defendem a universidade pública.

A política não se restringe ao que trazemos de imediato no imaginário como espaços específicos de debates e discussões — reuniões, assembléias, etc. Ela se apresenta no cotidiano, nas pequenas coisas que atravessam nossa experiência, nas formas de socialização que são propostas, ou nas prioridades que são assumidas por cada grupo.

Se pensarmos na questão da recepção, há aquelas organizações estudantis que estarão muito mais dispostas a fazer pelo fazer, pelo que meramente parece divertido ou legal, sequer considerando as implicações que existem no conjunto das atividades propostas para uma recepção. Isso não quer dizer que não exista uma decisão política, mas que essa política se esconde por trás de uma proposta de divertimento — que muitas vezes leva a uma cisão, na medida em que o lazer ou o esporte tomam toda a dimensão política dos sujeitos, muito próximo do que vemos nas universidades estadunidenses, para expressar de forma mais breve o cerne da questão.

Em contrapartida, as entidades de base, com sua história, memória e coletividade, podem construir atividades de recepção genuinamente divertidas, a partir de um trabalho de integração dos novos colegas com o corpo discente,  sendo capaz de pensar naquilo que é mais fundamental para que o grupo de estudantes do curso se constitua como tal.

A partir de uma atuação em diversos campos dentro dos cursos, essas entidades devem apresentar as diversas formas de socialização que a universidade pode proporcionar; atentos a criticar e questionar àquelas que corroboram com a individualização e competição, próprias do pensamento da classe dominante (para ilustrar, basta pensar em filmes americanos que retratam as festas e jogos universitários).

Gostaria de destacar: não é o apagamento das divergências que nos constitui enquanto um grupo coeso e unido. Apenas o debate entre as divergências é capaz de produzir algo. O consenso, no fim das contas, não é tão produtivo quanto o embate de ideias. E há ideias — que em ação geram políticas — que são conflitantes e não coexistem pacificamente, que exigem o embate direto para que se possa produzir uma nova forma de relação. Nesses casos, quando políticas opostas estão “coexistindo”, o que está acontecendo de fato é o fortalecimento daquela que mais se aproxima do que já é hegemônico em detrimento da outra, que padece sem apresentar resistência.

Aos colegas que hoje compõem as entidades, levanto um questionamento: quando estourarem grandes polêmicas na universidade, que exijam de nós colocar nossas entidades na vanguarda de uma luta, se vamos querer nossos colegas de curso, de universidade, na luta junto conosco, não é fundamental que estejamos preocupados em demonstrar a importância de estarmos juntos desde já? De disputar para que estes colegas estejam ao lado de suas entidades, dispostos a construí-las conosco?

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